É um veterano do ecologismo galego, no que leva envolvido mais de três décadas. Alberto Gil ‘Toupa’, centra a sua vida profissional e a sua vontade reivindicativa na defesa da Terra, centrando-se especialmente no cuidado da fauna. Com ele falamos de vários temas candentes da actualidade ambiental, nomeadamente a caça.

Para começar, poderias-nos dizer como se inicia a tua consciência ecologista?

Som viguês, do bairro de Teis, e aos 14 anos começo a sair ao monte, com grupos de montanhismo. Daí vem o meu contacto com as montanhas da Galiza, e com o passo dos anos com as montanhas da Europa em geral, como os Pirineus, ou os Alpes. Nesta actividade entro em contacto com pessoas do movimento ecologista, membros da Sociedade Galega de História Natural…bem novo, na adolescência, participo já de actividades reivindicativas. Estivem implicado especialmente em Erva em Vigo, até que mantivo a sua dinámica, que na hoje está paralisada. Esta querência minha pola natureza combino-a com a actividade profissional, pois fago estudos de impacto ambiental, seguimentos de fauna

Que recordas daqueles primeiros tempos do ecologismo?

Conhecim os anos 80. Havia umha sociedade mais activa e participativa, era mais doado participar no associativismo em geral, e no ecologismo em particular. Sem redes sociais e internet, o contacto era mui pessoal, directo. Recordo com muito agrado as reunions semanais, aquela militáncia activa, na que se aprendia muitíssimo. Esta dinámica contou tanto para a formaçom pessoal dos participantes como para a sociedade em geral, pois acadárom-se cousas.

Qual era na altura o centro das vosssas preocupaçons?

Na verdade púnhamos o acento em temas que hoje estám normalizados, mas daquela eram inéditos. Teimávamos na protecçom de espécies, na legislaçom conservacionista de espaços naturais, na gestom dos resíduos…aspectos que nos 80 nom estavam legislados, como quase nom estava legislado o saneamento de rias ou rios…os anos 90 fôrom de preocupaçom por volta das infraestruturas. O problema era entom a própria administraçom, o desenho que adoptava para levar adiante autovias, estradas, o plano sectorial eólico, que é origem de tantos problemas actuais. Som também os anos dos polígonos industriais, as minicentrais…os anos do fraguismo, nos que nom por acaso se falava da ‘peste Fraga’, porque por ali por onde passava no medrava a erva.

Achas que houvo um avanço em matéria ambiental?

Diria que houvo certos avanços…nom sei se isto é um auto-engano, para pensarmos que todo o nosso esforço nom foi em baleiro. Mas acho que é certo, eram tempos em que as organizaçons ecologistas tinham peso social. Conformou-se a assembleia de grupos ecologistas, que logo derivou na Federaçom Ecologista Galega, realmente trabalhávamos aeito. Muitas das nossas formulaçons fốrom assumidas pola sociedade. Hoje, por exemplo, já nom existem aqueles vertedoiros indiscriminados, existe umha rede de espaços protegidos, legisla-se sobre a conservaçom de espécies…mas olho, porque há umha tentativa de reverter a situaçom, novas correntes involucionistas funcionam mundialmente. Essa visom que vemos especialmente forte nos USA, a visom do mundo de conquista e derrota do meio em favor das elites económicas. Logo, hoje já molestam cousas como a lei de costas, o urbanismo racional…todo o que for um problema para o expólio.

Visto de fora, o ecologismo galego pareceu ter, a diferença de outros movimentos sociais, umha trajectória mais harmónica e estável. Ainda que houvo cissons, nom estivo tam condicionado polas rupturas e tensons internas. É isto certo?

Penso que em boa parte é certo. Trata-se dum movimento que tem denunciado cousas tam básicas que é doado pôr-se dacordo por volta de certos mínimos. Os exemplos sobram mas, por citarmos um caso, a ameaça dum parque eólico em Trevinca é umha agressom tam manifesta, que nestes casos os matizes deixam-se de parte e caminhamos todas e todos juntos. Acho que essa é a razom d fundo.

Centrando-nos na tua especialidade, que nos poderias dizer da saúde da fauna galega?

Pois depende muito das espécies, algumhas delas estám realmente mal e pouco se fai para reverter a situaçom. Cumpre levar em conta que a legislaçom cataloga dacordo com o seu estado de conservaçom, e obriga a que no panorama nom se agrave; por outra parte, obriga a acçons em positivo. Para os animais que correm perigo, forem vulneráveis ou em perigo de extinçom, a administraçom deve desenvolver planos específicos. Mas que acontece? Que em muitos casos essa legislaçom nom se trabalha, e as medidas nom se implementam. Acontece assim com o urso pardo, por exemplo, e isso, além de prejudicar a própria espécie, dificulta os problemas de convívio com a espécie, e reforça os argumentos dos sectores involucionistas. Há tensom entre certos animais e pessoas que vivem do meio, e a ultradireita capitaliza o vazio dizendo representar estes últimos.

Cabra fera. Imagem: Alberto Gil

Há outros casos de espécies que nom tenhem desenvolvido o seu plano de gestom, como pode ser a tartaranha cinzenta (espécie que tem reduzido em dez anos a sua populaçom num 50%)E assim nom se tomam decisons de fundo para conservar o seu hábito, a matogueira de montanha. A incertidume, a deixadez, fai com que planos agressivos como os de certos parques eólicos prosperem, porque faltam as bases legais para opor-se a eles. Bases que teriam que partir de planos de protecçom que só estám aprovados teoricamente ou mesmo sem chegar a aprovar como é obriga legal.

Aliás disso, nom podemos esquecer que sobre a fauna galega paira umha ameaça global que é esse monstro da política florestal, desenhado em base a modelos de primeiros do século passado, que aproveita fundos europeus para converter os nossos montes num sumidoiro de recursos, multiplicando o abandono e a ameaça de incêndio.

Tes participado representando o ecologismo no Comité Galego da Caça, um órgao autonómico consultivo que tenciona conciliar interesses e pautar esta actividade? Que opiniom tens sobre um tema tam controvertido?

Si, nos 90 participei no Comité da Caça da província de Ponte Vedra. Hoje há um novo factor em jogo, o animalismo. Este movimento coloca a questom em termos éticos, até que ponto se podem matar animais ou nom. Mas eu acho que o ético é apenas um dos planos dos muitos que tem a questom da caça. Vou-che dar uns dados acho que ilustrativos. A caça praticam-na na Galiza 40000 pessoas federadas; para fazeres-te umha ideia, som 95000 pessoas federadas no futebol. A caça é a segunda actividade deste cariz, por número, no nosso território. Se queremos conhecer o número de pessoas federadas na terceira e quarta actividade, o montanhismo ou o ciclismo, veremos que só há 5000 pessoas. Acho que isto dá ideia da dimensom da actividade.

Raposa caçando ratos. Imagem: Alberto Gil

Lembremos aliás que estas pessoas som maiormente do rural, muitas delas comuneiros que gerem o território, vencelhados ao contorno, e que portanto tenhem relaçom directa com ele. Nom, a caça na Galiza nom é ‘la escopeta nacional’, e chamar os caçadores ‘assassinos’, como fam alguns sectores, que ademais procedem das cidades e nom tenhem relaçom directa com o território, demonstra um arredamento claro da realidade. Eu digo, si, trabalhemos a dimensom ética, dacordo, mas nom esqueçamos a outra. Porque isso da acusaçom aos caçadores leva a um fenómeno muito claro: a que estás a botar 40000 vizinhos em maos de quem está a promocionar o conflito social, que é a extrema direita. E olho, porque assim estamos a levar umha série de gente para um rego no que quiçá nom estava. Nom seria mais interessante propor que giram o meio de modo mais racional, incluindo o tipo de caça que se leva adiante? Em resumo, que penso que se os únicos que apoiam os caçadores e dialogam com eles som os sectores da ultradireita, acontece algo grave.

Como se podem conciliar os interesses dos e das produtoras e a vida da fauna selvagem?

Penso que a PAC é um elemento chave, pois tem a ver com as possibilidades económicas que se dam a quem vive do agro. Logo, o pagamento directo de danos é umha soluçom a contemplar, obviamente. Isto deve vir relacionado com a tomada de medidas, a protecçom de espécies e o investimento na sua conservaçom. Quando se desenvolve um plano conservacionista, isto tem que levar em conta o convívio com a produçom. O que nom fai sentido é autorizar novas exploraçons onde há problemas, e por exemplo instalar colmeias numha zona de urso, ou umha nova granxa de bezerros em terras onde prolifera o lobo…

Abutre branco. Imagem: Alberto Gil

Logo há umha parte que corresponde ao produtor. Como sociedade, podemos assumir os custes da conservaçom, mas logo a titular da exploraçom tem que tomar as suas precauçons. Se um tem um bar nom o deixa aberto à noite, verdade? Porque lhe roubariam. Pois isso mesmo no agro, há certas medidas que som de cumprimento básico se convivemos numha zona com fauna.

Já para rematar, em tempos de emergência climática, que papel pode jogar a conscienciaçom social?

A sociedade sabe que estamos mergulhados na mudança climática, e também sabe que cumprem medidas. Mas estas medidas vam contra os interesses de certas elites que nom ficam quietas, trabalham, e tenhem um espaço grande na mída. O espaço que tem a ultradireita é claro. Por isso a resposta no argumentário, a proposta de soluçons, é urgente. Senom triunfará o involucionismo ambiental.