Nascemos coa consciência imposta de que nom éramos quem para eleger. Éramos peças ancoradas à vida, semelhantes a aqueles bonecos de madeira que moram fixados no relógio do concelho de Munich, o carrilhom Glokenspiel, que cada dia às 11 da manhã desfilam ante a atenta mirada de turistas e vizinhas contando a mesma história, fazendo os mesmos movimentos, incapazes de ultrapassar aquela realidade material que os limitou de por vida. Pode-se dizer que essa é a primeira aprendizagem que se nos inculca antes de entrar como pessoas de pleno direito nessa exposiçom universal que é o mundo que habitamos, um aviso, um cartazinho na porta semelhante às lembranças atuais de que lavemos as mãos. A educaçom, a escola, a família e o noticiário serviram e servem como reforços diretos dessa doutrina consuetudinária relativa à impossibilidade de transcender a matéria, a realidade imutável que nos rodeia e que só podíamos assimilar e aceitar, moitas vezes, ou quase todas, sem saber por que.
“A natureza deu-lhes força aos homens e fraqueza às mulheres”, diziam os pedantes do sistema décadas atrás para selar cumha dose de realidade material aquela sociedade que construíram para dominar-nos. Gravara-no a lume nas consciências dos devanceiros que se converteram em honrosos custódios da liçom para que sobrevivera ata os nossos dias. Dizia-na na escola à hora de separar-nos em base a realidades materiais para praticar deportes no recreio, mas também para construir sonhos, para identificarmos com o herói ou a princesa, para adornar o nosso corpo ou cortar o nosso cabelo.
Mas nom puderam agochar a plasticidade da matéria, como o plástico do documento de identidade que só tentava escorá-la, deixar constância de que aceitávamos as normas que o sistema, como bom gestor da realidade, punha por escrito. O que pom no teu DNI? tomava constantemente forma de pergunta trampa para deslegitimar a todas aquelas que aspirávamos a escrevi-lo nós, a definir como nos organizávamos e nos presentávamos ante um mundo predefinido. Noutras palavras, a autodeterminar-nos.
Menos mal que abrimos os olhos e que nos descobrimos como dominadoras do nosso próprio destino mais alô dos seus ladrados. Menos mal que tínhamos a Galeano repetindo que “la realidad es real porque nos invita a cambiarla y no porque nos obliga a aceptarla”. Menos mal que tivemos a Marx para lembrar-nos que a matéria fluía e se transformava, para ajudar-nos a crer que éramos quem para nom aceitar essa rígida explicaçom do mundo tam limitadora para tantas, tam legitimadora para outras menos.
Soubemos dizer-lhes que nom queríamos pautas, senom solidariedade; que nom confiávamos nos caminhos premarcados, que nunca lhe daríamos a potestade a outros para defini-los. Dixemos-lhe ao Estado que os sentires nom eram o mesmo que os sentimentos, já que, se bem compatíveis, os primeiros recolhiam umha visom mui concreta de futuro que nom estávamos dispostas a abandonar mália as represálias, enquanto os segundos eram tam efémeros como os antecedentes que os provocavam, lóstregos que ficam ancorados na memória e aos que tampouco renunciamos.
Existe o mantra inculcado nos “delimitadores das primaveras” de que as autodeterminaçons som perigosas para quem aceita os recheios preexistentes no documento de identidade, já seja relativos ao país ou relativos ao sexo. Dim que borramos Espanha e as mulheres, mas isso só é porque essas categorias estám confecionadas baixo a imposiçom, porque podendo ser umha casa tornárom-se prisom.
As autodeterminaçons, a fim de contas, nom som mais que a crença férrea de que é possível construirmos um fogar onde morar em paz. Umha ideia totalmente incluinte e capaz de sentar-se a debater como fazer esse fogar dum jeito no que caibamos todas, coas nossas diversidades e alegrias, coas nossas bágoas, mas juntas na ideia dum futuro melhor.