Pedro Alonso é biólogo, técnico meio ambiental e veterano activista no ecologismo galego. Militou na organizaçom Erva e foi um dos profissionais encarregados de elaborar um censo lobeiro no norte da Galiza para conhecer com precisom o estado desta espécie. Com ele falamos deste emblema da nossa fauna, protagonista da nossa cultura oral tradicional, e ainda hoje causa de enorme controvérsia. A conciliaçom de conservaçom e defesa dos interesses gadeiros, que hoje voltou à tona da atualidade, foi um dos motivos da nossa conversa.
Tem umha singularidade especial o lobo em território galego, face outros territórios do Estado?
Como sabemos, o lobo que habita os nossos montes pertence ao tipo de lobo ibérico, que para alguns especialistas é parte do lobo europeu, para outros umha subespécie. Além de singularidades morfológicas, a sua evoluçom si que tem peculiaridades, nomeadamente nos últimos 150 anos. Durante a Idade Contemporánea, a extensom do lobo reduze-se em toda a Península Ibérica, e passa a concentrar-se em exclusiva no quadrante noroccidental. E dentro desse quadrante noroccidental, que grosso modo podemos entender como a antiga Gallaecia, há também singularidades, pois nom som o mesmo as estepas castelhanas, por exemplo, que as costas do Cantábrico. Nestas coordenadas, a Galiza tem uns traços mui específicos.
Somos um território, como dizia o antropólogo romanês Mircea Eliade, que mantivo fossilizadas, ou em forma de sobre-impressom, traços culturais pre-históricos; o mesmo podemos dizer de formas de hábitat e relaçom com o meio, e isto tem a ver com a subsistência do lobo. Habitamos um território marcado polo conjunto montes comunais-gado em extensivo-núcleos dispersos, herdados da cultura castreja…e por isso aqui entro nós, o lobo encontra, aliás das presas naturais, os ungulados silvestres, outro tipo de animais que som manexados polo homem, mas nom som estritamente gado doméstico. E por isso o lobo convive com nós dumha maneira tam específica desde há séculos.
Que há de certo na visom tradicional do lobo, presente na cultura popular, e também em algumhas mostras da cultura letrada, como os relatos de Ánxel Fole?
Pois há cousas que som certas, mas para compreendê-las temos que recordar como era o nosso país há apenas 40 anos. Mudárom tanto as cousas que por vezes custa imaginá-las. Pensemos que dada a nossa dispersom populacional, o lobo é um animal que vivia perto de nós, mesmo criava acarom de núcleos habitados. Obviamente, existiam lobos que moravam em núcleos remotos das montanhas orientais, ou nortenhas…mas assim em geral, nom andavam longe dos humanos. Ademais, pensemos que era umha sociedade rural mormente sem luz eléctrica, nom há tanto tempo, com grande cantidade de pistas sem asfaltar…parte das relaçons sociais mantidas por razons lúdicas, vizinhais, por tratos económicos, tinham que fazer-se a pé, percorrendo longas distáncias, e muitas vezes, claro, sem ir armados, sem escopeta. Logo as cousas que aparecem nos contos de Fole som certas, os lobos acompanhavam à gente na noite, possivelmente nom com a intençom de atacar; nom, senom que ao perceberem mui bem a sensaçom de medo, da insegurança, eles possivelmente acodem curiosos, aproximam-se ao humano.
Que há de certo na lenda negra?
Há parte de certo e parte de falso. Por exemplo, em contextos em que nom som o nosso, em contextos bélicos, caso da Polónia, conta-se que ao estar o território tam devastado, as fontes de alimento tam minguadas, mesmo para os depredadores…os lobos achegavam-se a núcleos habitados, rodeavam-nos, e iam a pola gente, causando muitas mortes. Mas isso num contexto tremendamente específico.
Logo, no caso galego, numha sociedade e numha forma de vida mui diferente, temos notícia de ataques de lobos a meninhos no rural ourensano, entre inícios e meados dos 70. Mas o contexto é mui diferente do nosso de hoje, nada a ver.
Qual é a evoluçom do animal nas últimas décadas, e como se relaciona com as políticas meio ambientais e a mudança dos hábitats?
Temos informaçom relativamente precisa. Nos últimos 20 anos acometêrom-se duas tentativas de censo, um a primeiros de século, outro em 2014. No ano 2002, os resultados davam por volta de 70 ou 75 grupos familiares em território da CAG, e outros 10 em zonas limitrofes. No ano 14 fai-se mais um, com menos cobertura, e dá como resultado 90 grupos familiares no mesmo território, 14 deles partilhados com zonas fronteiriças. A minha conclusom é que, demograficamente, o lobo nunca estivo tam bem na Galiza nos últimos 50 anos. Na Galiza norte, num censo que realizamos Martínez Lago e eu em 2019, censamos até 24 grupos.
Qual é a causa? Pois assim que a populaçom humana mingua, há comarcas em que a economia e a forma de vida tradicional vai desaparecendo, e isso implica umha interacçom que favorece o lobo e acarreja mais conflitos com humanos. Nomeadamente na zona norte de Lugo, que conheço bem, onde a gadaria extensiva é dominante, o conflito vai ser frontal. Claro, antes podia haver 100 vacas repartidas entre 10 proprietários, agora há 60, mas repartidas entre 4 ou 5, e entom o dano contra o gadeiro é mais forte, mais concentrado. Este é um dos factores de nom haver remuda geracional no agro, somado claro a outros factores, como a depreciaçom do produto. Um factor importante para explicar porque a gente se muda para as vilas. Claro que ao desaparecer a gente, as exploraçons, todo o vai a inçar o eucalipto, e nesse espaço nom vai haver nem gado, nem lobo, nem javarim, nem cervo…
Que ameaças enfrenta o lobo?
Se o alimento abunda, o lobo nom tem problemas. Claro que há furtivismo, laços, venenos…mas o crescimento da populaçom continua. O difícil é gerir o conflito, porque há sistemas de aproveitamento gadeiro com os que é quase impossível aplicar medidas preventivas, e o lobo vai causar sempre danos importantes.
Acho que temos que superar a visom pendular do lobo na sociedade galega, durante as últimas décadas. Por um lado, um conservacionismo que ignora a realidade agro-gadeira; e polo outro, a vontade de extermínio, de extinçom do animal. Levamos 40 anos passando dum extremo a outro.
Se queremos avanço, temos que baseá-lo no diálogo social, e nom em perspectivas fanadas. Houvo práticas de controlo populacional bem conhecidas na sociedade galega, e eu nom as descarto. Um controlo populacional mas adaptado aos tempos…se se fai por batidas, através de aguardos…isso cumpriria estudá-lo em cada caso. O que há é que fazer isto com toda transparência porque senom, vai acontecer o mesmo mas às avessas, com escurantismo, furtivismo…
Em qualquer caso, todo passa por medidas sólidas e concretas de apoio à produçom rural, porque o que se demonstra é que a mera prevençom nom funciona, por razons técnicas, na gadaria extensiva é impossível.
Certas zonas, como a Serra da Culebra, na Seabra, apostárom num turismo vinculado ao lobo, ecológico ou cultural, que opinas disto?
É umha opçom, mas tem em conta que isso aplicou-se numha zona que é reserva de caça, e onde o lobo fundamentalmente se alimentou de fauna selvagem. É um bom modelo, se a zona o permite, bateria com mais dificuldades numha comarca, como tantas nossas, onde o lobo se alimenta no 90 % de gado doméstico. Por isso o plano de potenciamento dumha zona deve ser global, nom pode tomar um elemento, neste caso o lobo, e pensar que por protegê-lo o resto dos problemas estám solucionados. Repito, cumpe conciliar interesses.