Conta Enrique Dussel que foi Aníbal Quijano quem lhe sugeriu a Wallerstein adiantar o começo do sistema-mundo capitalista para o século XV, para a “descoberta” da América. A diferença dos autores do pós-colonialismo como Said ou Baba, provenientes dos antigos territórios coloniais británicos, os latino-americanos sabiam que aquilo nom principiava na revoluçom industrial do XVIII. Modernidade e colonialidade ameciam-se inseparáveis desde aquela mesma fase inicial império-mundo da monarquia hispánica.
Em 1486, os reis de Castela derrotárom o conde de Lemos e a derradeira coligaçom da nobreza galega resistente que ele dirigia. Para o conseguirem, cumpriu-lhes retirar as tropas que cercavam a Granada muslime, seguinte vítima da sua expansom antes das Índias. De facto, Ramón Grosfoguel ainda leva a este fito, à conquista definitiva de Al-Andalus em 1492, essa data do nascimento da modernidade-colonialidade. Quiçá nós devamos mover o marco ainda seis anos para atrás.
O debate sobre a alma, a humanidade, dos indígenas americanos entre Sepúlveda e de las Casas em 1550 apresentou o racismo como elemento determinante dessa nova articulaçom mundial. Era a naturalizaçom da subalternidade, o que escravizavas nom podia ser como tu ou seria imoral submetê-lo. Por isso cumpria que carecesse da muxica diferenciadora sobre os animais. A mentalidade de cruzada após a recentíssima guerra de Granada batera com o “outro” total, o indígena que nem sequer reconhecia um único deus ou os profetas do livro. Paralelamente, a conversom massiva e forçosa de judeus e mouriscos anulou a religiom como estigma diferenciador primário e característico da Idade Média. Assim, a ideia dos sem alma nom tardou em rebotar e aplicar-se-lhe na própria Europa às comunidades inferiorizadas. Mouriscos e “marranos” já nom só fôrom desprezíveis por falsos conversos, mas também porque a sua própria estirpe o era de seu. A marca do desalmado estendeu-se polos territórios dos Habsburgo como o lume e passou a identificar também a ciganos e galegos. Sim, nós. Foi o tempo dos galegos “no son alguien” de Cervantes e do “antes moro que gallego” nos ditos populares castelhanos, entre outros milhentos. Mesmo Paio, o nome masculino mais popular no nosso país, acabou por designar depreciativamente todos os habitantes da Galiza. Em cem anos, chegou quase à extinçom e aginha apareceu em insultos de nova criaçom como pailám, o paio que veste de lá (tecido pobre).
“Dez anos antes de que Rosalia denunciasse o trato “coma negros” de castelhanos a galegos, as plantaçons da Cuba espanhola acolhiam escravos branquinhos recém-chegados da nossa Terra“.
A Ilustraçom achegou a formulaçom cientificista a esta classificaçom planetária que Fanon categoriza como Zona do Ser e Zona do Nom-Ser. Existiam humanos de verdade e humanos inferiores numha concepçom da história em que todas as sociedades agatunhavam pola esqueira evolutiva até o chanço mais elevado, o europeu do Norte. Nom em vao, o Reino Unido virara no novo hegemon e mesmo conquistara a Índia preludiando a grande colonizaçom europeia de finais do século seguinte. À racializaçom do “outro” ajudava a cor da pele, mas nom era imprescindível. A cútis de eslavos e judeus luzia tam branca como a dos alemaos e ninguém diferenciaria um irlandês católico dum orangista do Ulster. Porém, a “ciência” justificou a sua intrínseca inferioridade e a depredaçom imperialista alicerçou-se em missons civilizatórias a partir dum liberalismo e dum nacionalismo supremacista inseparáveis na altura. Dez anos antes de que Rosalia denunciasse o trato “coma negros” de castelhanos a galegos, as plantaçons da Cuba espanhola acolhiam escravos branquinhos recém-chegados da nossa Terra. Quando o enorme Ramón de la Sagra clamou contra aquilo no parlamento espanhol, as consequências sobre o negreiro fôrom mínimas, mesmo chegou ele próprio a deputado. Evidentemente, como na África, o escravista partilhava a identidade étnica dos escravizados, apelidava-se Feijóo.
“Há um par de meses, esquerdistas espanhóis, céntricos e bem-pensantes, zorregárom a partes iguais contra Islám e povo galego. A um acusavam-no de machista enquanto apoiavam a proibiçom do chamado burkini na França, ao outro de atrasado direitista pola nova vitória do PP“.
Há um par de meses, esquerdistas espanhóis, céntricos e bem-pensantes, zorregárom a partes iguais contra Islám e povo galego. A um acusavam-no de machista enquanto apoiavam a proibiçom do chamado burkini na França, ao outro de atrasado direitista pola nova vitória do PP. Tanto tinha que a proscriçom gala nom afetasse aos neoprenos dos surfistas ou que na nossa terra só o 30% do censo votasse na direita espanhola. Os clichés racistas fôrom aplicados decontado partindo sempre da natural superioridade metropolitana sobre os coloniais. Eles, os mais próximos à etno-classe dominante, ponto mais elevado dumha história ascendente, vestiam a sua preeminência de lilás e vermelho para descarregar frustraçons nos lombos infra-humanos. Tradicional e ajeitado como um pastel de mel recheio de bosta que comemorasse as vésperas do Dia de la Raza. Esperável em quem até 2014 leu nos seus dicionários gallego como sinónimo de parvo ou ainda estuda La Reconquista nos livros de texto.
*Publicado no Novas da Galiza de Dezembro de 2016