Em data tam temperá como 1896, Manuel Murguia aproveitava as páginas da imprensa galega, nomeadamente de ‘La Voz de Galicia’, para vindicar a nobreza e antiguidade da nossa literatura e, com ela, do nosso idioma. O patriarca do chamado regionalismo rebatia ponto por ponto as teses do crítico Juan Valera, que nos seus estudos reduzia a cultura de nosso a umha categoria totalmente secundária. Pola absoluta actualidade das palavras do de Arteijo, 124 anos depois de serem escritas, publicamos fragmentos deste artigo versionadas em galego-português. O silenciamento da literatura galega, a reduçom da língua a dialecto ou a ignoráncia espanhola sobre nós som os principais aspectos desenvolvidos.
‘Se dalgum modo tiveram que dizer-nos os alheios, quando se ocupam -nem que for incidentalmente- das nossas cousas, que a umha inconsciente má vontade, unem sempre um perfeito desconhecimento de quanto à Galiza diz respeito, nada como as breves linhas que o sr. Don Juan Valera consagra na Revista Crítica, que acaba de receber-se, ao estudo da literatura regional galega (…)
Pola minha parte confesso que nem me surpreendêrom nem os tomei em mais do que vale, como filhos que som dum total desconhecimento do assunto. Mas à gente nova semelhou isso tam insólito, que entendendo nom deve deixar-se passar sem mais, tam injustificável ofensa, obrigou-me a pegar na pena em defesa do que nós é tam caro.
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Começa o Sr. Valera por afirmar umha verdade, ainda que o fai temendo que se desconheça na Galiza, isto é, que o português e o galego som umha mesma cousa. Descobrimento notável. Por aqui estamos fartos de sabê-lo ; e se nom fosse assim, na Gramática de las lenguas románicas de Díez, que é obra mais velha do que eu -e isso que já conto anos- poderíamos ter lido a propósito do português, que esta língua ‘tem por território Portugal e aliás a Galiza : o português e o galego, acrescenta, som umha e umha mesma língua.’ Se houver algumha diferença, digo pola minha parte é apenas no vocabulário. Já se vê que estamos conformes nalgumha cousa. Mas daí a afirmar que o galego se estacionou, apenas porque nom foi utilizado na produçom literária durante certo lapso de tempo -e nom é verdade- há grande distáncia. (…) Dá-se o caso que a língua galega unida com a portuguesa foi tam cultivada literariamente como qualquer umha das da Europa até meados do século XVI, e depois, falada por umha populaçom culta, cultíssima, que já que nom lhe deu a fixeza dumha língua literária, em troca mantivo-a na sua pureza e enriqueceu-na com inúmeras vozes servindo perfeitamente às necessidades materiais e intelectuais dumha populaçom numerosa e civilizada. Na minha nenez ouvim falar o galego na minha morada e fora dela a pessoas tam sábias e discretas como as que o forem mais noutros países. Falavam-no à perfeiçom as classes nobiliares.
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Ao Sr. Valera que viviu nalgum tempo em Lisboa deve constar-lhe que os mesmos portugueses chamam galegos aos da sua naçom a comorantes em terras entre Douro e Minho, assim como galego à língua que falam. É mais, assinalam diferenças essenciais entre o português de aquém e além do Douro. Pois bem, nom o fam a fumo de palhas. A verdadeira língua, galega ou portuguesa -para o caso é o mesmo- a língua que nos é própria, filha do celta, modificada polo latim, nomeadamente o eclesiástico, arriquecida pola fala e sentimentos suevos, e alheia a toda influência árabe, é a corrente na Galiza e em grande parte de Portugal, a mesma que falárom Camoes e Saa de Miranda : idioma e nom patué, como com visível desconhecimento do assunto a denominou algum.
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Nom há já nem motivo nem lugar para extender-se mais, sequer o assunto o merecer. Convém porém resumir fazendo constar que o Sr. Valera nom aparece tam pecador aos nossos olhos polo que diz, como polo que cala ; nom fere a Galiza com os seus juízos senom com o seu silêncio, nom molesta os nossos escritores polo que expom como pola indiferença com que trata deles e da sua obra, calando todo quanto se refere à justiça e conveniência do nosso renascimento literário. Para ele só devem contar-se as literaturas castelhana, catalá e portuguesa (…) Conste pois que, em essa espécie de inferioridade em que coloca o Sr. Valera o nosso renascimento literário, assim como no desdém e indiferença com que se ocupa dele, é onde vemos umha ofensa declarada à Galiza e aos seus escritores regionais. De resto, acreditarmos que os alheios vam dizer algumha cousa de nova e justa no respeitante às nossas cousas, seria candoroso, quando vemos que se guiam por quem usa e abusa da nossa indiferença e toma por declarada aprovaçom o silêncio com o que se recebem as suas inépcias e exabruptos.
Publicado originalmente em La Voz de Galicia em 15 de agosto de 1896.