ARANXA VICENS. Migrante e Ativista luitando no quotidiano, com e polas ferramentas antirracistas que emancipam a nossa existência. Som resistência…
twitter e instagram: @aranxavicens

Migrar. Eterno luto. Desde a minha experiência quero compartir os obstáculos, estigmas, feridas que me atravessaram e que, ainda até hoje, seguem fazendo-me dano. Muito tempo carreguei coa culpa da “decisom”, eu assumia que os problemas mentais que tinha eram consequência da minha decisom de migrar, ata que me dei conta de que nunca decidi fazê-lo. Muitas coma mim migramos forçosamente pelos contextos violentos e precários dos nossos países, provocados pelas dinâmicas colonialistas que seguimos arrastando até a atualidade.

No âmbito da psicologia, o nosso luto migratório é reduzido ó “Síndrome de Ulises”, na comparativa co herói grego que padeceu inumeráveis adversidades e perigos longe dos seus seres queridos. Porém, os nossos caminhos nom som iguais e este diagnóstico trata de homogeneizar as nossas histórias. A homogeneizaçom é umha ferramenta eurocentrista utilizada também para criar imaginários e estereótipos negativos: que somos lacazáns, delinquentes, perigosos, inferiores, etc. Os imaginários criam a barreira entre realidades (umha hegemónica e outra invisível) e nom deixam ver o essencial do nosso ser, som umha ferramenta inumana que nos reduz a umha linha que trata de explicar as nossas complexidades.

Tenho diagnosticada ansiedade crónica e transtorno depressivo; destes derivam a dissociaçom/despersonalizaçom (DPDR), o desarraigo, o medo ao câmbio, a personalidade retraída, bloqueios espaço-temporais e problemas de memória, todo unido pela argumentaçom do “trauma”. Tomo seis pílulas ao dia para poder seguir adiante, e cada 15 dias vou a terápia com umha psicóloga especializada em trauma e desarraigo. Num princípio pensava que coa mistura dum diagnóstico com medicaçom, a terapia e a minha vontade podería atopar umha soluçom, ou pelo menos ferramentas para combater as fantasmas da migraçom. Nom obstante, os fatores externos nom som considerados nessa equaçom e co tempo nom só nom desaparecem, se nom que se multiplicam e mudam.

No Estado Espanhol a taxa de alunes migrantes que abandonam os estudos de jeito prematuro está no 31,9%, frente ao 15,6% dos estudantes autóctones (1). Amais disso, as mulheres temos pior qualidade de vida que os homens (2). Existem muitos estudos focados na análise da relaçom socio-econômica com nossos padecimentos: provavelmente sejam mais os estudos feitos que as ferramentas emancipadoras existentes até a atualidade, pois coma sempre, somos objeto de estudo e nom sujeito emancipado. O acesso a umha sanidade pública, de qualidade e com garantias nunca chegará a ser real para todes se umha parte da populaçom está enferma de fatores sociais e estruturais dos que ninguém assume a sua relevância.

É um feito que o processo migratório é um fator de risco em si mesmo, e se engade a vulnerabilidade pessoal, social ou familiar, pode favorecer a apariçom de transtornos mentais. Os especialistas e a sociedade tem que assumir o peso dos fatores macro-estruturais que nos asfixiam dia a dia. Porque assim como se fala do dobre teito de cristal, da interseccionalidade e de cuidados desde a esquerda branca, também devem questionar a súa responsabilidade com respeito à saúde mental dos que vivem na sombra da hegemonia. Somos a cara da “multiculturalidade” num território que nos segrega nos sectores de limpeza e cuidados, e muitas mulheres mantém a sua saúde mental à costa da nossa exploraçom laboral. A história é a mesma de sempre, o feminismo hegemónico e a esquerda branca seguem focando a sua luta cara diante e deixam-nos atrás.

Na atualidade, o consumo de antidepressivos e ansiolíticos medra cada vez mais e o preço destes mesmos baixa: é mais singelo receitar pílulas e experimentar cos efeitos nos pacientes que investir em mais postos de trabalho na sanidade pública para psicólogos, psiquiatras e neurólogos, coas ferramentas de trabalho necessárias para cada um deles. Estám-se banalizando as enfermidades mentais só porque muitos dos síntomas nom som visíveis. Este mecanismo estratégico político de agochar os problemas debaixo do tapete aplica-se na maioria dos serviços públicos e com ênfase na populaçom migrante. Nos entanto, há milheiros de pessoas sem papeis que nom tenhem acesso à sanidade pública: somente no primeiro semestre do 2019 o Estado Espanhol recebeu a 348.625 imigrantes (3), nestes dados podem nom estar incluídos aqueles que cruzam as fronteiras físicas de forma clandestina.

A integraçom social (ligada inevitavelmente à saúde mental) nom pode depender da adaptaçom dos que venham de fora ao sistema estabelecido nos territórios. Quando nós migramos ultrapassamos fronteiras físicas mas também simbólicas e emocionais. Desfazer-nos do nosso conhecimento empírico e das nossas costumes e tradiçons para encaixar na sociedade europeia remata por deixar-nos baleiros e espidos para adotar o disfarce de “cidadao do mundo”. A dicotomia de “ser ou nom ser” do teu lugar de origem e/ou onde resides vai mais aló dos nossos pensamentos e deriva em condutas e feridas que aparecem e que nunca se poderám fechar. A adaptaçom nunca será a soluçom e a migraçom deveria enriquecer-nos em cultura e experiências, nom fazer-nos escolher “o que queremos ser”, quando já somos. Porque somos e resistimos desde que existimos. Exigimos umha integraçom social de qualidade, umha sanidade pública para todes e um cambio do discurso progressista predominante, onde se colhem as nossas histórias e se constrói o conceito de “diversidade” sem atender às nossas diferenças.

Desde a minha perspetiva, migrar é o mais doloroso que fixem na vida. Aprendim tantas cousas em tam pouco tempo e tivem que medrar a umha velocidade indescritível para poder cuidar de mim numha situaçom totalmente nova, onde me topava vulnerável. Ninguém sentia o mesmo ca mim, porque nom conhecia a ninguém que tivera que deixar a súa vida “anterior” no seu território de origem, e que descobrira que essa vida nom era válida num novo território. Ser distinto e socializar com um grupo de pessoas hegemónicas resulta bastante violento, os teus mecanismos de defensa ponhem-se alerta e pouco a pouco vas cambiando, mudando de pele, reprimindo o conhecimento que tinhas adquirido e adotando outro, fazendo misturas na linguagem, tratando de fazer possível umha pessoa que seja metade dum sítio, metade doutro. Mas mover cousas dentro de nós para sobreviver trai consequências, e nesse caminho perdim a minha saúde mental. A migraçom detonou em mim umha série de sintomas contra os que quatro anos depois sigo lutando.

Agora levo muito tempo reparando o dano que me fizeram, porque a responsabilidade nom é minha, a responsabilidade e social e estrutural. O racismo interiorizado das instituiçons, dos professores, das amigas e companheiras nom é responsabilidade minha. Dar-me conta disto foi um processo mui difícil no que afastei de pessoas (e de mim mesma) e conhecim a outras novas (e a mim mesma também). Nom vou mentir, há dias que sinto que nom paga a pena, e quero parar. “Estou cansa” é o que mais repito quando me sinto ó borde do abismo. Estou cansa porque reparar o dano em mim mesma, construir um fogar desde zero, ser seletiva nas minhas companhias, entender as minhas desvantagens e assumir os meus privilégios, fazer ativismo, manter-me ativa na luta antirracista enquanto saco umha carreira e tenho que tomar decisons sem nenhum sustento fixo económico é cansado.

Som incapaz de separar o pessoal do político, levo este sentimento dentro desde sempre. Som sujeito político e, ademais, som resistência. Tivem sorte muitas vezes porque sigo aqui e viva. E seguirei luitando para que qualquer que esteja nesse ponto onde eu estive saiba que somos muitas. E para que cada vez que alguém se sinta violentada, saiba que há coletivos que podem ampara-la, e sobre todo que podem compreende-la. Há tempo que dei conta da importância de poder refletir-te em alguém coma ti. Quando parece que ti és o detonante de todo o mau do que che passa, porque o teu contexto sempre estivo igual e o sujeito novo és ti, poder estar em companhía de companheiras que passaram por caminhos similares dá-che esperança, e resistir em terra alheia parece possível.

Referéncias completas online www.reviradafeminista.com

1. EFE (2020). Extranjeros em España tienen mayor tasa de abandono escolar temprano de la UE. (online) La Vanguardia.

2. Bones Rocha K, Pérez K, Rodríguez-Sans M, Borrell C, Obiols J E. Prevalencia de problemas de salud mental y su asociación com variables socioeconómicas, de trabajo y salud: resultados de la Encuesta Nacional de Salud de España. Psicothema 2010: 22(3): 389-395.

3. Epdata.es. (2020). Población em España hoy: inmigrantes, emigrantes y outros datos sobre los habitantes de España. (online).