Hoje, em pleno 2020, quando ainda estamos a luitar por dar forma a um espaço mediático no nosso idioma e centrado nas problemáticas do país, pode ser de interesse conhecermos as nossas origens. Por isso recuperamos para leitores e leitoras o fragmento de apresentaçom d’O Tio Marcos d’a Portela, o jornal monolíngue ourensano que abriu caminho de maneira meritória a umha imprensa em língua galega em plena Restauraçom.

Junto com cabeçalhos efémeros como ‘A Tia Catuxa’ ou ‘O vello d’o Pico Sagro’, apostou por umha imprensa anticaciquil, pola defesa do labrego contra a exploraçom, e pola crítica da passividade e o desleixo. Assim se apresentava O Tio Marcos, promocionado e escrito por Valentín Lamas Carvajal, num já distante fevereiro de 1876, há mais de 144 anos. Adaptamos o editorial à norma AGAL da nossa língua.

Parrafeos com o povo galego

Aqui me tedes tam plantado como Deus me deu, com esta cara de homem de bem, pois é preciso saberdes que eu som um galego enxebre ; tam enxebre como os dos século XVII, que gastavam monteira e calçons de rizo. Nom som dos galegos de agora que parece que tenhem vergonha de levá-la na testa trocando-a (valha-cho judas!) por um mal chapeu de palha, que mais bem se semelha a umha cunca de comer o caldo. Folgo-me muito de ver-vos tam garruleiros e com tanta saúde.

Aqui me tedes, disposto a botar um parrafeo convosco. Eu som o Tio Marcos d’a Portela, vizinho da Granxa há muitos anos, dono de alguns eidos, de alguns bacelos que me dam de duas a três olas de vinho no ano, que repartindo com ciência, chegam abondo para botar um neto, quando fam algumha melhora na nossa terra de Galiza ; (acordo-me bem que botei quatro, no mesmo dia em que soubem que uns galegos amantes das suas glórias tomaram o acordo de celebrar no segundo centenário do Nascimento do Padre Feixóo, uns Jogos Florais), som polo tanto um homem merecente de ser escuitado ; amigo de chamar as cousas polo seu verdadeiro nome, falador como muitos, honrado como poucos e defendedor da nossa linguagem como ninguém.

Quero botar alguns parrafeos com os galegos, porque os estimo muito e cobiço decote o vosso bem. Quero, que quando vinherdes à feira, de caminho que mercades o pam trigo, merquedes também umha destas folhas, e depois, ao chegardes ao lugar, lhas deades a ler a quantos mais melhor.

Eu som um aldeao de muita paz e nom tenho que rifar com ninguém. Se levo este pau na mao direita, é por causa dos graxos de Ourense, que tenhem, desde longos tempos, o mau costume de bater-nos cada lombeirada, que nos esboriam as monteiras. Nom, pois como se metam comigo nom lhes irá bem !

Escuitade-me pois, que vos falo do que convém ter na memória. Nom só falarei eu, senom que também me ajudarám alguns que botam cada parrafeo que dá génio escuitá-los, segundo iredes vendo.

Por hoje ficareis satisfeitos com saber as minhas intençons, que abofé som claras como a água e como o sol lozintes.

Cobiço que nom haja um curruncho na nossa pátria onde nom se ouça a nossa branda e melosinha linguagem, limpa das mesturas de outras línguas ; nos fiadeiros, nas romages, nos parrafeos com as moças, nas cantigas, em todo, é necessário que resplandeça a nossa fala : isto tedes que cumpri-lo ao pé da letra, se é que tedes o nobre anelo de conseguir a prosperidade desta adorada regiom, votando assim os cimentos dum porvir cheio de glória.

Cobiço que haja mais uniom entre vosoutros (dá-me noxo dizê-lo) em vez de andar a paus nas romaxes como fazedes os duns povos com os outros, fora melhor e mais saudável para adiantamento dos vossos interesses morais e materiais que vos ajuntássedes todos os dias de festa, sequer fora umha hora, para falar do que vos convém, para ler algumha cousa que vos servisse de instruçom, para discorrer, pensando muito e com acerto, o meio de melhorar os cultivos, de fazer maior e mais produtiva a cria do gado e outras cousas que vos cumprem para que podades viver mais desfogados. Mentres nom fixerdes isto, nom vos matedes por dar-lhe votas ao conto, pois só assim trocaredes de sorte.’