“Ser sincero nom é dizer todo o que pensas, senom nom dicer nunca o contrário do que pensas” (André Maurois)
O significado da palavra de procedência grega mythos (“conto”) terma da minha conclusom da cabeceira. E, como todo mito, di Lévi-Strauss, precisa dumha historia. Dificilmente os feitos dessa história podo considerá-los maravilhosos e com protagonistas extraordinários. No estudo da documentaçom dos acontecimentos atoparemos sobre todo guerras, luita polo poder, anexom de territórios e imposiçom à força de crenças e ideologias. Só farei uns pequenos apontamentos demonstrativos.
Precisamos recuar no tempo mais de cinco séculos para encontrar algumha evidência do nascimento do mito fundacional de Espanha. Os Reis Católicos, naquele contexto, pode que pensassem anexar e governar os territórios diversos da Península Ibérica como um espaço de cristiandade, mas ainda assim mantivérom por separado as Cortes de Castela e Aragom; ou seja, que, no melhor dos casos, só iam trás a unidade religiosa e, ainda assim, tivérom que empregar a força; e nom qualquer umha: a da Inquisiçom. Na Galiza o processo conhecido como “doma e castraçom” foi um marco de uniformizaçom e centralizaçom da coroa castelá, polo que o território galego ( Reino, daquela) passa a ser umha simples província que fica subordinada ás decisons que se tomam fora do seu território. Também a nobreza galega do momento foi reduzida até o seu completo submetimento e mesmo desapariçom, sendo substituída por umha nobreza forânea.
O acordo entre os Reis Católicos e Cristóbal Colón tem para mim a consideraçom dum contrato entre um poder “altruísta” e um mercenario “patriota” que se foi oferecendo ao melhor pagador, indo de Portugal à França antes de assinar as Capitulaçons de Santa Fe com um forte conteúdo mercantil, sem referencias ás questons religiosas, ainda que ninguém duvida do objetivo de impor umha fe naquela viagem. No devandito documento ficárom refletidas em favor de Colón as seguintes condiçons: título vitalício hereditário de Almirante do mar oceánico; vice-rei e governador das terras nas que pugesse um pé; o direito a perceber a décima parte de todos os tesouros e mercadorias; a autoridade para intervir e decidir sobre os problemas que se originassem nas devanditas questons das riquezas e o direito a contribuír, sem lhe perguntar a ninguém, coa oitava parte dos gastos de qualquer expediçom que depois cobraria dos benefícios obtidos.
Dous séculos depois, houvo o primeiro intento de unidade política com Filipe V de Borbom (o primeiro da dinastia), que importou um esquema centralizado desde França. Como bom francês que era, os primeiros quinze anos do seu reinado fôrom para impor as instruçons de Versalhes através da camarilha (nomeada por Luís XIV) de diplomáticos, militares, aristocratas comerciantes. Quando casou em segundas nupcias com Sabela de Farnésio pareceu que deixava a influência francesa, através desta nova rainha, cujas preferências tiravam cara à Italia. Em 1724 renunciou em favor do seu filho Luís I, recluindo-se no palácio de Sam Ildefonso que figera construir a imagem do de Versalhes para meditar sobre a “salvaçom eterna” ainda que a verdadeira intençom pudo ser a de fazer-se coa coroa francesa, mais as previsons para o país galo nom se cumprírom (morto o duque Orleáns e a ponto de morrer Luís XV, só quedava esperar um pouco), e o que morreu foi o seu filho Filipe V, e contra da sua vontade, volveu reinar um ano depois de que o deixara. E depois, 20 anos nos que recuncou mandato e no que todo foi de mal a pior, dormindo polo dia e atendendo os assuntos da governança pola noite. Primeiro fôrom as extravagâncias e mais adiante, a demência, manifestada em numerosos episódios das caçarias nocturnas nas que pretendia montar nos cavalos dos tapizes do palácio. Jamais entendeu o que era Espanha e quem aproveitou a conjuntura foi a rainha com umha política tendente a afortalar a posiçom dos seus filhos que mais tarde chegárom aos tronos italianos.
A festa que Madrid celebra o dous de maio tem um contexto: a batalha de Trafalgar, onde Espanha dixo adeus ao seu poder e ao seu império coa independência dos territórios “americanos”. Avonda com lembrarmos o acontecido em Cuba, Puerto Rico e Filipinas. A guerra contra a invasom francesa, baixo o mando de Napoleóm Bonaparte, tem este precedente importante, no fracasso da conquista de Inglaterra. O objetivo “confesável” era impor-lhe um bloqueio económico para o que precisava do território de Portugal, chegando a um acordo com Manuel Godoy, valido do monarca de Espanha, Carlos IV. No 1808 as tropas francesas, em vez de achegarem-se a Portugal, em colaboraçom cos seus sócios espanhóis de conveniência, ocupárom as cidades de Burgos, Salamanca, Pamplona, Donostia, Barcelona, Figueres e Madrid, aproveitando a viagem. Também neste caso houvo derivada e, a canda a liberaçom popular, os movimentos internos de confronto entre liberais e conservadores deixárom pegada antes de aprovar a Constituiçom do 1812 nas Cortes de Cádiz. A beligerância exterior começa a concentrar-se no interior.
O século XIX foi de mal a pior e, para manter o mito, três guerras civis que chegárom até o século seguinte na peleja sucessória ainda que também tivo umha derivada coas liortas entre o liberalismo e os defensores dos foros. As guerras carlistas som outro dos feitos determinantes na dialética histórica que trouxo aquele mito fundacional. O conflito sucessório escondia um enfrentamento que dividiu política e socialmente o Estado. No bando isabelino agrupárom-se as altas hierarquias do exército, a Igreja e as instituiçons do eEtado, e a eles unírom-se os liberais, que vírom na defensa dos direitos dinâsticos da nena Sabela a possibilidade do triunfo dos seus ideais. No bando carlista agrupárom-se todos os que se opunham à revoluçom liberal: pequenos nobres das vilas, parte do baixo clero e muitos labregos de determinados territórios, mui influídos polas prédicas dos cregos e para os que o liberalismo vinha supor simplesmente mais impostos. Todos estes grupos identificárom os seus interesses coa defensa dos direitos ao trono de Carlos e os ideais que o aspirante defendia, o absolutismo e o imobilismo. Já durante o reinado de Fernando VII, arredor de Carlos figérom grupelho, os denominados”apostólicos”, núcleo do absolutismo mais intransigente.
Seguramente estes derradeiros processos levárom a Ortega y Gasset a formular a sua aceitaçom forçada do nacionalismo dentro da unidade histórica daquela Espanha. Ou a Antonio Machado, e logo a Galdós, a fundamentar a tese das “duas Espanhas”, entre um povo que luita e as classes dirigentes, que só defendem os seus interesses. E talvez a Unamuno a dizer que o povo que luita representa a intrahistória ou a historia da gente que nom tem história.
E, assim, paseninhamente, achegamo-nos pouco a pouco aos tempos de hoje, onde as elites políticas do aparato do Estado tenhem medo de perder os seus privilégios tecidos na Transiçom, como ontem o tivérom aqueles atores da ditadura, obrigados a impulsar, desde dentro, umha reforma política na que a monarquia vai substituir na Chefatura do Estado o cabeça do “golpe” do 1936 contra a República. Umha herdança fundamentada nos princípios que o ditador deixou na escrita do manifesto “atado e bem atado”.
A oportunidade histórica da moribunda ditadura nom foi aproveitada e, de novo, o mito fundacional daquela Espanha quedou blindado na Constituiçom espanhola. A naçom de naçons, debuxada no devandito texto e que depois foi sancionada por um referendo daquele jeito, é a melhor demonstraçom do que acabo de afirmar. Umha fusom de novo forçada, talvez a única acordável polas partes negociadoras naquele momento histórico, no que misturárom adrede dous conceitos de naçom: a naçom política (a de verdade), com três naçons culturais (com um reconhecimento histórico degradado). E, para mais chafalhada, o reclamo dumha Andalucia ferida por ficar fora daquele convite constitucional fechou o círculo continuísta da mitificaçom, co objetivo dum só Estado e dumha única soberania nacional. Aceitar o acordo de mínimos do 1978, obrigado polo contexto no que se produzírom os feitos, foi umha cuartada para impor de novo o mito dumha unidade disque forjada ao longo de mais de quinhentos anos.
Som das pessoas que acreditam que há umha velha veta autoritária na cultura política espanhola maioritária, que agroma na resultante da crise atual, que nom é só económica, senom também política e institucional. Umha maioria social demanda umha saída, enquanto a dinâmica histórica impom continuidade. Em janeiro de 1995, o PSOE por meio do Conselho Superior de Investigaçons Científicas (CSIC), encarrega um informe a James Petras sobre os efeitos sociais da modernizaçom do país e, umha vez lido, decide guardá-lo num caixom. As conclusons do estudo resultavam demasiado demoledoras para a sociologia espanholista e a instituiçom decidia nom sacá-lo à luz. Já passárom 25 anos e segue a ser recomendável a sua leitura. Numha das suas conclusons di: a suposta “modernizaçom” da economia espanhola baixo os auspícios do regime socialista de Felipe González tivo um efeito profundamente negativo sobre a vida socioeconómica, política e cultural da classe trabalhadora e, em particular, sobre a família e os trabalhadores novos. A liberalizaçom da economia levou a maiores injustiças sociais e a menos atividades políticas, em realidade a umha diminuiçom da democracia política. Mas nom serei eu quem vai negar que na esquerda também existem mitos cos que convivemos e que convinha, por saúde democrática, desterrar para sempre. Melhor será deixá-lo para outro dia com mais vagar.
A saída da crise nom pode fazer-se esquecendo os direitos da cidadania, as novas canles de participaçom na relaçom co poder, o controle independente deste, a livre decisom para as naçons sem Estado e instituiçons republicanas. Farei umha advertência, nom estamos tam longe como poderia parecer dum acordo PP-PSOE para a reforma da lei eleitoral. Umha saída à espanhola para reeditar situaçons anteriores, quando o desprestígio do poder é mui grande. Ou seja, umha refundaçom patrioteira para perpetuar-se.
De novo aparece no horizonte a tendência histórica espanhola de refugiar-se em passados mitificados de heróis e tombas. O discurso da perda é mui perigoso. Gunter Grass advertíu-lho aos alemáns. Gera raiva polo refugalho imaginado. É o caldo de cultivo de messias e massas seguidistas. Bágoas e sofrimento esperam aos povos umha vez tomadas derivas como as que estamos a viver que som caldo de cultivo para caudilhos.
Espanha, no melhor dos casos, representa a síntese dum passado forjado no belicismo externo e interno que trouxo um presente com muitas eivas. Qualquer relato histórico pode debater-se e interpretar-se. As grandes “verdades”como a da unidade forçada nom se debatem, imponhem-se. Farei um pequeno recordatório do caminho seguido polo procés catalám para comprovar a cobertura que a justiça espanhola fijo a favor do entramado institucional do Estado para fazer inviável a via catalá dumha saída democrática.
A origem do conflito vem da sentença do Tribunal Constitucional espanhol, diante do recurso impulsado polo PP, que anulou em 2010 alguns artigos do novo Estatuto de Autonomia catalám que fora aprovado por referendo em 2006. De 2012 ao 2020 umha serie de acontecimentos fôrom desenvolvendo-se no território catalám para atingir umha consulta popular pactuada e poder decidir livremente cal era o encaixe do Estado Espanhol e Catalunha, cousa que jamais foi consentida senom combatida por todos os meios, inclusive coa aplicaçom do artigo 155 da Constituiçom espanhola e a intervençom da autonomia catalá, o cesamento do Presidente, a convocatória dum novo processo eleitoral, o apresamento e o juízo para alguns dos principais dirigentes enquanto que outros fugírom. Finalmente o Tribunal Supremo depois de 52 sesons de juízo, decreta umhas penas de prisom para 12 pessoas que vam dos nove os treze anos por um delito de sediçom polo que, até de aquela, ninguém fora condenado.
Nom convém esquecer o contexto prévio: o Plam Ibarretxe foi um projeto de reforma do estatuto de autonomia do País Vasco seguindo as canles marcadas polo artigo 46 do citado texto que fora aprovado polo pleno do Parlamento Vasco a quinta-feira 30 de dezembro de 2004 e depois fora enviado ao Congresso dos Deputados para o seu debate e votaçom, sendo rejeitado o 1 de fevereiro de 2005 por 313 votos em contra, e 29 a favor. A experiência dos bascos obrigava a fazer as cousas de jeito diferente, digo eu, que nom som de Bilbao, nem dos arredores.
Nom vou negar que umha maioria de espanholas e espanhóis sinta aquilo que foi conformando-se à sombra do poder político e religioso dominante durante tantos anos. Aceito que nom é possível descaminhar o tempo mas tampouco é realista, suster tal como está, a andamiagem do Estado Espanhol. O mais apropriado seria umha nova Constituiçom (porque, de nom fazer-se, o risco de involuçom é grande), onde quedem refletidos os novos encaixes necessários tanto no assunto territorial como na convivência social para que a saúde, o trabalho, as pensons, a vivenda, a seguridade social, etc., tenham a mesma protecçom e reconhecimento que os direitos civis e políticos. O texto que se aprovou em 1978 nom dá mais de si (só houvo dous câmbios pola porta de atrás) e, polo tanto, nom deveriam seguir apoiando-se nele, os políticos e a Justiça (que tamém precisa dumha grande renovaçom). A constataçom da falta de honestidade ético-política numha boa parte do entramado político e institucional é hoje o impedimento para que todo siga sem mover-se (caminho do suicídio social), e de que nom existam mecanismos de democracia direta como o referendo e outros.
Quigera rematar com duas petiçons. A primeira, que a cidadania catalá, basca e galega poda decidir livremente qual é a sua naçom. E a segunda (aos que sintam que a única naçom é a espanhola), por favor, nom me imponham o seu mito.