Desde una mesa repleta cualquiera decide aplaudir
La caravana en harapos de todos los pobres
Desde un mantel importado y un vino añejado
Se lucha muy bien desde una casa gigante
Y un auto elegante se sufre también
En un amable festín se suele ver combatir.
Si fácil es abusar mas fácil es condenar
Y hacer papeles para la historia para que te haga un lugar.
“Canción en harapos” Silvio Rodríguez
Pero si un día me demoro
No te impacientes
Yo volveré mas tarde
Será que a la más profunda alegría
Le habrá seguido la rabia ese día.
“Días y flores” Silvio Rodríguez
A “Urba”
Quando há já anos, nos ofereceram um piso de “protecçom oficial”, a nós, que vivíamos em casa de aluguer afogadas polo pago da renda e as faturas cada mês, fazendo as sumas “a primeiros”, tarefa nada singela com um salário de mulher precarizada com duas filhas em idade de estudar, nom obrigátoria mas sim desejada, hiperventilando cada vez que nom davam as contas da feira coas da casa, nom entendim bem de todo porque que minha nai decidiu dizer que nom. Eu prefería que aceita-se, consciente de que poderíamos ter vivenda em propriedade, a baixo custo, e liberar-se ela um pouco de chegar do trabalho às 7 da tarde ou mais, após as horas extra de rigor que fazia para suster-nos a todas. Ademais, estaríamos mais perto de vilas com “mais vida”, entenda-se “vida” coa conceiçom dumha rapariga que pom umha grande parte dos pensamentos nos sábados à noite, em sair ás praças ao “botelhom” coas amigas e em topar-te por ali com gente. Mas a pesar da insistência nos argumentos, ela foi mais insistente co “nom”.
A assistenta social, após valorar nóminas, recibos e outras documentaçons, pujo-lhe riba da mesa todas aquelas opçons dentro das que entrávamos por limites de ingressos: piso de “proteçom oficial” e bolsas “especiais” da Junta para poder dar-lhe continuidade aos estudos, entre as que eu lembre agora. Rejeitamos vivenda, e tivemos que aceitar as bolsas de emergência um ou dous anos depois.
Eu desconhezía daquela em que consistia ir viver para a “Urba”, sabia que ali se estavam contruindo pisos para pessoas “com poucos recursos”, que já a um tío-avô lhe deram um já havia muitos anos noutra destas construçons noutro município e que estava contento porque pagava apenas nada e o piso já era dele. Mas ela sim que sabía.
A “Urba” é o nome popular da “Urbanización Sol e Mar”, formoso nome para umha construçom de edificios gémeos com pisos de 60m2 que nom trazíam posta a cozinha no meio da nada. Está situada entre Arteijo e A Corunha, suficientemente longe de ambos os dous núcleos urbanos para nom ser molestas para nengum e também suficientemente longe de qualquer natureza abundante deste país. Parecera que buscassem adrede, note-se a ironia, um dos lugares mais improdutivos da comarca das Marinhas, onde nom há mais que terreios secos com mato baixo e torretas da alta tensom. Um que sobrasse por aí, sem muita utilidade para nengumha instituiçom nem empresa, com um nome que umha vez descrito o território parecera umha piada. Aí, numha terra seca, onde passava um bus cada hora, é onde se nos ofeceria a oportunidade que eu via claríssima, aí, é realmente, onde enviavam as mulheres cabeças de família e as suas filhas.
SOCIALIZAÇOM e DESOCIALIZAÇOM
A socializaçom defíne-se, em termos mui gerais, como o processo polo que umhe indívidue se fai parte dunha comunidade, adquirindo a cultura que lhe é propia. Cultura entendida em sentido mui amplo. Aqui, funcionam dous mecanismos. Um, é a aprendizagem: a adquisiçom de hábitos e atitudes que se inscrevem na nossa psique e fornecem a nossa conduta. Outro, é a internalizaçom da realidade: a comprensom das nossas semelhantes e do mundo real como realidade significativa e social.
Desocializaçom é, obviamente, o contrário, o processo polo qual umhe individue experimenta a perda do seu papel na sociedade ou bem o processo polo qual a pessoa passa pola experiência de perder a sua identidade social co consequente dano à sua imagem e autoestima.
As pessoas que vivem nas “Urbas”, e as candidatas a habitadas das mesmas, trazemos socializaçom de nosso. As bolsas de estudos som da casa. Os salários dos empregos precários que combinas cos estudos som da casa também. Há que aprovar sim ou sim o 80% dos créditos, assim as horas de aulas, estudo e empregos em épocas de exames superem as 12 horas, porque se nom há bolsa do MEC que te libere da matrícula nom há possibilidade de seguir. Assim, ao igual que as somas de “a primeiros”, fazemos as somas anuais de créditos com lógica de contável para ver que materias podes deixar este ano sem superar o 20% que te leve a nom ser suficientemente boa estudante, após as aulas obrigatórias, 6h horas de exploraçom e a ansiedade de dar para todo, para ser merecedora do direito a estudar a olhos de quem gere as esmolas.
É nessa socializaçom que nos criamos, na da supervivência; dela, e das histórias de avós e bisavós asassinadas ou represaliadas que viviam escondides em alprendes, em sobrados das casas ou durmiam em bicos de loureiros para que nom as levassem para as cunetas, nascem polo geral, as consciências das classes populares. As leituras costumam vir depois.
Minha avó ia de moça vender ovos e verdura à Corunha. Para entrar na cidade havia, por certo, que pagar. O dezmo por entrar à fortaleça da burguesia. Quando ia de caminho de madrugada, andando os 20 km que a separavam de ganhar para pam da semana, junto com outras mulheres das aldeias coas suas cestas à cabeça apartavam a vista para nom mirar de frente os cadáveres das fuziladas que apareciam à altura de Arteijo. Algumhas sabiam quem eram, porque eram vizinhas, e com esse trauma no peito seguiam para levar os grelos que lhes vendiam ás “criadas” das senhoras das vilas, que elas ao mercado nom iam. Esta era umha das quase “lendas”, polo arredado que parecia, que minha avó contava e que se segue contando cada tanto, mas que os teus ouvidos de nena e já de adulta, comprendendo a fondura da história, com minúscula e com maiúscula, nunca cansam de escuitar.
Emquanto nos abrimos aos ativismos, as Universidades som um dos espaços de socializaçom militante principais para as que chegamos a elas. A maioria, optamos algum tempo por peitear-nos um pouco ou despeitear-nos o suficiente para encaixar em segundo que estéticas, adaptamos a linguagem, imbuídas na síndrome da impostora que tanto nos custa tirar de cima em espaços “formais”, maqueamos a fala, inclusso modificamos segundo que aspeitos e expressons, ocultando classe e ruralidade, a fim de que nos considerem interlocutores válidos (assim, em masculino) nas assembleias aqueles que ostentam a representatividade das organizaçons, qualquer umha delas, desde as partidárias até muitas vezes as mais herogéneas dos movimentos sociais. E também, as profissionais dos espaços académicos. Co consequente dano para a imagem e a autoestima.
A ruptura do “eu interno” é grande. Os debates estám bem centrados nas múltiplas leituras, todas elas interessantes, mas pouco levado na prática por quem as promulga. Bem pouco tirado para fora do marco, nada levado à vizinha que trabalha 10h sem tempo e oportunidade para se formar. A guerra aberta entre quem tem tal ou qual visom polarizada construida sob o estético e o dogmático, do que é melhor para as classes operárias às que, de facto, quase ninguém pertence, está à ordem do dia, e nós, estamos na guerra também. Ou és de tal ou és de tal outro, mas, obviamente, que diálogo vai haver entre quem nom tem necessidade. O guetto político, o compartimento estanco que dizia umha companheira, é mais um privilégio das classes médias, de quem nom tem nada a ganhar, porque já o tem todo. É tu és acólita de quem prefiras. Ou de quem tenha mais capacidade para te instrumentalizar.
A raiva
Com orgulho, no pitilho do descanso, um companheiro da faculdade comenta como foi capaz de ocultar-lhe os ingressos do pai, cirurgiao de profisom, vai-te saber através de que amizades, ao Ministério de Educaçom e que em Abril receberá umha bolsa de 4500 euros. Quase o dobre da que percebes ti e mais a tua amiga sentada ao teu carom, filha dum trabalhador da contruçom e dumha empregada do fogar sem contrato. A nós, Abril é-nos tarde.
Outras pessoas comentam noutros espaços, já fora dos formativos, que o que há que fazer é pintadas sobre os carros da polícia disfarçadas de “terroristas muçulmanos” (sic), que o orgulho obreiro é um sem sentido porque nom pode haver orgulho em ser exploradas e outras que elas som as verdadeiras marxistas, ou os herdeiros de alguém, que para isso lérom o que há que ler enquanto as suas famílias pagam pisos e matrículas que lhes permitem ir luzir a todas as juntanças importantes. Ou para isso lérom tudo o que há que ler trás a jornada laboral de 8 a 3. Nom todas, claro, mas quase sempre as que ostentam mais poder.
E após a mirada estupefacta, ante quem nom tem mais que as leituras políticas coma quem lê umha novela de fiçom, nem intençom de achegar-se às realidades que preocupam, de fornecer-se e compreender, a dissociaçom (entendida esta coma a ausência de coerência entre discurso e prática), já nom pode ser máis. Porque ás juntanças nem podemos ir muito, e ainda pintamos menos. E coas companheiras que nos reconhecemos e estám na mesma emboscada de escolher nom sei bem que bando, já quedamos para as canhas ou para tomar o café na cozinha. A partipaçom reduz-se a espaços o mais abertos possíveis enquanto a óticas anticapitalistas e estruturaçom. Porque boa parte dos espaços que som considerados “mais políticos” nom som para nós.
O acougo
Os caminhos militantes para as classes populares precárias, especialmente para as mulheres, som umha silveira e visto com perspetiva, nunca som um caminho reto, senom de exploraçom. Sempre espreitando. Entrando e fugindo. Onde se che assenta o corpo, onde o mal-estar sem nome que se estende aqui a mais do que o género nom dá chio, pomos o corpo. Com quem podemos contrastar vivências e explorar ferramentas, sem aturar comportamentos sectários e paternalismos intelectuais de quem crê que as de abaixo nom sabemos pensar e que alguém os escolheu para dirigir-nos a algum sítio. Esses cérebros privilegiados que nos tenhem que avanguardar. As que crem que valem mais que as neuronas de todas a funcionar juntas.
O acougo vém das ferramentas organizativas onde nos é possível contruir para nós e para todas, onde se reconhecem as carências e as omisons e se trabalha para repara-los. Onde podemos compartilhar e fazer mao a mao e em coletivo, ainda equivocando-nos. Aí, é nos únicos lugares onde podemos estar bem, onde o ativismo nom mina a saúde mental. Porque os “espaços seguros” também som espaços onde a violência se reproduz e se abrem ou fecham bocas e orelhas. Onde nom há cargas emocionais que levar para a casa, dores e incomprensom. Onde se fai ativismo com base nas necessidades, na empatía e no achegamento às realidades que nos som alheias para tecer em comum; bem longe de quem opta por contruir-se umha figura política ao olhos do mundo que alimente o próprio ego e forneça de fans. Onde se podam ir fermentando mudanças reais.
Construir passa por ter um pé nas “Urbas”, por colocar o conhecimento ao serviço das pessoas e escuitar as propostas que nascem das experiências vitais e que, ao melhor, nom estavam em nengum dos livros ou só se acompanhárom deles. Da teoria à realidade e ó revés. E a realidade é mii teimosa para fecha-la em caixinhas.
Ao enfrentar as luitas desde este lugar, o de teorizar dende a vivência e a supervivência, algo mais próprio, ademais, das mulheridades, há que valorar a provável apariçom também de dificuldades. Fechar-nos na mirada do outro, pode levar à mesma cerraçom frente a quem achega desde outros lugares. Mas nom é disso do que se trata, se nom de resocializarmo-nos todas numha outra cultura política, a de ser responsáveis co que temos entre maos, buscar os pontos de fuga, a construçom coletiva do porvir.