“Ao escrever esta obra, procurei dividi-la em cinco capítulos, correspondentes à Terra, à Água, ao Lume, ao Vento e ao Vácuo, a fim de expor as peculiaridades de cada um, bem como as suas vantagens.”

Livro das cinco esferas

Miyamoto Musashi

Seguindo zouponamente o exemplo do inimitável Musashi, tentarei traçar umha imagem da atual crise sanitária em cinco partes: luita pola hegemonia do sistema-mundo, luita civilizatória, luita de classes, luita política e luita de liberaçom. Velaqui a terceira.

Luita de classes. Lume

A narrativa oficial batuca por toda a parte chamando-nos à unidade contra o vírus. A mentira criminal de que a doença nom reconhece nem territórios nem classes sociais esfarela-se segundo a crise avança. Nom, nom nos afeta a todas por igual. Nom é o mesmo ser operárias precarizadas forçadas a irmos laborar acuguladas, porque nem sequer podemos aceder ao teletrabalho, que um patrom no seu largacio chalé de férias. E já nom falemos da populaçom excluida e racializada que tivo que fugir para autênticos tobos por medo ao maltrato policial do estado de sítio encoberto. De facto, é a detruiçom da sanidade pública a que mata a quem nom pode pagar o seu tratamento.

Mas se desigual, como todas, é a enfermidade, pior se prevê a recessom económica que a vai suceder. A nível mundial, o aumento do desemprego, da fame e da pobreza decerto que vai produzir muitíssimas mais vítimas que o vírus de seu. Nos próprios Estados-Unidos, de março a abril, o desemprego aumentou um 15%. Exatamente ao mesmo tempo que a riqueza dos multimilhonários ianques medrava um 10% segundo o Institute for Policy Studies desse país. Calcula-se que o ano poderia acabar ali com um 20% de paro, o mais elevado desde a depressom económica dos anos trinta. No entanto, Jeff Bezos, fundador e diretor executivo de Amanzon, acabou abril com mais de 10.000 milhons de dólares de benefício.

No Estado espanhol, a sua especializaçom nos setores turístico e imobiliário, os mais afetados a nível mundial, fai prever umhas consequências catastróficas. O mesmo Pedro Sanchez anunciou que nom se vam recuperar as cifras do PIB até 2023, com todo o que isso significa. E é que, depois dum março que se situou como o mês da série histórica em que mais subiu o paro, em abril o aumento antingiu os curutos do da crise de 2009. Sem contar nele os ERTEs, claro, que lhe afetam à quarta parte dos filiados ao Regime Geral. Por riba, a dependência espanhola do sector da vivenda fai prever a desapariçom de entre 10.000 e 15.000 agências imobiliárias a resultas dum derrubamento dos preços de até o 17%. Além da perda de postos de trabalho, vai deixar o mercado ainda mais exposto às hienas financeiras internacionais. Por suposto, as mais prejudicadas ham ser as classes populares, aguilhoadas cara ao mercado do aluguer, que vai continuar co seu aumento imparável de preço. Até neste abril de confinamento subírom dez décimas sobre março. Para mais, a crise turística, que já está a provocar umha transferência de vivenda de aluguer temporário desse sector para o tradicional, nom está a implicar umha maior disposiçom de pisos.

A extensom maciça do teletrabalho foi outra das novidades que trouxo a Covid-19. Um disimulado passo para a privatizaçom dos serviços públicos mediante a substituiçom paulatina do trabalho presencial pola gestom da plataformas digitais privadas. Os dados que lhes fornecemos para o seu comércio agregam-se a um aumento da exploraçom sobre a trabalhadora coa escusa do confinamento. Aliás, exclui umha quinta parte da populaçom, gente maior e da nossa classe que nom pode ou nom sabe ligar-se. Por suposto, as profisons que nom permitem teletrabalho som as mais precarizadas, feminizadas e racializadas: caixeiras, cuidadoras, limpadoras… As mesmas que padecérom também as piores condiçons para suportar o confinamento. Durante ele, as chamadas por violência machista aumentárom um 60% e fôrom 4.500 os detidos por essa causa em todo o Estado. E é que nom, estar fechada co teu torturador em 70 metros quadrados após umha jornada laboral de risco nom te une ao banqueiro que nada na piscina da sua mansom. Por muito que o governo espanhol nos repita que cumpre vencermos o vírus todos juntinhos.

As crises som sempre períodos de recomposiçom sistémica ou de superaçom do velho modelo. Mália a chocalhada do gobierno español más progresista de la historia, as elites do regime do 78 continuam dirigindo o rumo cara umha Segunda Transiçom perpetuadora com mais aceleraçom que nunca. Aproxima-se umha guerra de classes e os nossos donos vam-nos ganhando por goleada. Nom só governam as medidas ecónomicas que se vam implementar senom que no-las dérom inserido num cavalo de Troia tingido de vermelho. Algo nada novo ao cabo, as reformas laborais mais drásticas do Regime do 78 fôrom aplicadas por governos do PSOE. Assim, ainda nesta crise sem precedentes que estamos a encetar, o governo espanhol nom pensa recuperar 45.000 milhons dos 65.000 que investiu em resgatar a banca espanhola. Pese a que essas mesmas entidades já obtenham benefícios de mais de 100.000 milhons de euros. Pola mesma, em 2019 incrementou-se num 7,7% a retribuiçom dos conselhos de administraçom do Ibex. Porém, Josep Borrel anunciou recentemente que nom descartavam que o Estado entrasse ao capital das grandes empresas para lhes ajudar. As mesmas grandes empresas que corrérom a apanhar ERTEs para que o dinheiro público cubrisse os salários das suas empregadas: El Corte Inglés, Prosegur, Mango, Barceló… Enquanto Sanchez e Iglésias imploram um resgate do Banco Central Europeu, as grandes corporaçons espanholas fregam as maos lembrando os 10.000 milhons de euros de dívida que esta instituiçom lhes comprou em 2017. De feito, a metade dos 200.000 milhons de euros que o governo espanhol anunciou como investimento contra a crise vam ir diretamente para avais à banca no canto de ajudas diretas às vítimas da recessom económica. Quer dizer, para endividar-nos mais com ela aproveitando a desgraça.

Por se fosse pouco, o que a CEOE pedia o 4 de maio, mais flexibilidade nos ERTEs e mais facilidade nos despedimentos, foi obedecido polo gobierno español más progresista de la historia servilmente. Os dous grandes sindicatos amarelos assinavam coa patronal e a aquiescência do governo espanhol o Acuerdo Social en Defensa del Empleo apenas quatro dias depois. Quiçais o papel mais escuramente engraçado, de bufom, corresponda a Unidos-Podemos. Anunciárom como umha vitória sobre a corrupçom empresarial espanhola umha medida falsária: “As empresas com paraísos fiscais nom se ham poder acolher aos ERTEs”. Na realidade, a norma só refuga as empresas com sedes nesses lugares, mas nom as que contam com filiais ali, quer dizer, acolhe todas as do Ibex 35 salvo quatro. Ademais, para exemplificar a transcendência do assunto, já só cinco delas contam coa selvajada de meio milheiro de filiais nesses lugares: Banco Santander, Repsol, ACS, Arcelor Mittal e Ferrovial. Porém, ham aceder aos ERTEs sem nengum problema. Apenas um passinho no plam da Segunda Transiçom, enfeitado cos Pactos de La Moncloa invocados por Sánchez e que fam iminente outra reforma laboral contra nós.

O papel legitimador dos dous grandes sindicatos oficiais vai resultar fundamental para disciplinar a nossa classe na desmobilizaçom e aceptaçom do próximo reajuste de regime. Nesse sentido, o seu exército de liberados e estômagos agradecidos, que constituem umha gram parte do esqueleto de quadros de Unidos-Podemos, já se pujo à obra. Ei-los a justificar que no canto de limitar o preço dos alugueres, o Estado nos endivide ainda mais com créditos; a louvar a renda mínima vital em que ficou a necessária renda básica ou a pedir-nos paciência cos ERTEs. Sim, enquanto 700.000 trabalhadoras e trabalhadores ainda nom os cobrárom.

O projeto nacional espanhol em todas as suas manifestaçons políticas relevantes orientou o futuro cara à Uniom Europeia e à permanência na hegemonia anglo-americana e sob o FMI. A visom mais esquerdista dele apenas é quem de propor um neokeynesianismo mol cingido à injeçom de dinheiro público para aumentar o consumo co que lhe dêm esmolado ao Banco Central Europeu. Na sua manifestaçom mais quimérica, sonham com empregar a Bankia semipública como um gram banco estatal mália o euro. Desse alinhamento geopolítico e económico só nos aguardam mais medidas neoliberais impostas polos seus amos para pagar-lhes as dívidas. Aliás, pola vez de aproveitar a crise para reconduzir o esquema produtivo longe do turismo ao que os relega esse reparto internacional, vam deborcar no seu resgate gram parte dos esforços económicos. Justo quando é o pior parado a nível mundial e sem expetativas de continuidade, como dixemos na segunda parte desta série. O discurso da unidade contra o vírus está-lhe a servir ao regime do 78 para reforçar a narrativa nacionalista espanhola e assegurar esse caminho. Porém, o ensaio repressivo durante o confinamento, com militarizaçom, espionagem maciça e censura nas redes, amostra qual é a ideia. O pato da “esquerda” espanhola co ultranacionalista e liberal Ciudadanos, ainda mais. Mas disto havemos falar na quarta parte.

Recapitulando, a rutura co modelo produtivo que estamos a padecer configura a única via para fugirmos desse destino atroz, como vimos na segunda parte desta série. Porém, a sua fatibilidade leva-nos à aliança co hegemon emergente como vimos na primeira. Quer dizer, para garantirmos umha economia produtiva de proximidade e soberania alimentar, fundamentais para a etapa histórica em que imos entrar, cumpre um projeto nacional amigado co hegemon sino-russo. Isto exclui o projeto nacional espanhol e abre as portas das propostas soberanistas como única saida real para as classes populares. O exemplo de Catalunha está-o a demonstrar ainda hoje. Nom há rutura anarquista, socialista ou democrática sem racharmos o marco espanhol e o seu nacionalismo sedante.

Por outra banda, um modelo sindical dirigido à representaçom institucional nas estruturas que o regime lhe habilitou, por mui combativo que for, nom é umha ferramenta ajeitada na nova fase. Cumpre olhar para os referentes de pré-guerra e resgatar o aspeito autónomo, comunitário e assitencial dos sindicatos. Cada vez mais vozes dentro das centrais sindicais galegas clamam por umha reestruturaçom que nos permita eficiência no contexto de empobrecimento e guerra de classes que nos aguarda. Pola mesma, o contato e sincronizaçom dos sindicatos obreiros co tecido popular organizado urge mais que nunca: GAM, sindicatos agrários, coperativas de consumo, sindicatos de vivenda, hortas comunitárias, coletivos de migrantes, coletivos feministas, centros e comedores sociais…

A própria crise sanitária fornece-nos a verdade do que está a chegar: A sanidade galega em farrapos com um quadro de pessoal de 35.000 eventuais. E endebém, velaí as trabalhadoras a coordenar-se para conter a ameaça mália a falha de meios e as contradiçons dumhas adminstraçons ineptas. Em nengum outro ponto do planeta houvo tanto pessoal sanitário contagiado como no Estado espanhol, com todo o que isso implica. Entrementes, a sanidade privada de Galiza acaba de lhe reclamar à Junta 40 milhons de euros polos seus gastos desde que se iniciou o estado de alarme. Velaí de novo a liçom: só o povo salva o povo.