Os grupos e redes de apoio mútuo figérom-se presentes nos bairros durante o Estado de Alarme para fazer-lhe frente às necessidades quotidianas das pessoas e tecer redes de solidariedade, umha outra lógica de relacionarmo-nos com o comunitário no centro que serve também para artelhar luitas coletivas.
Neste senso, a iniciativa “Ninguén sen coidados” achega-nos esta entrevista que foi emitida por Rádio Liverdade e que reproduzimos aqui.
Que é “Ninguén sen cuidados” e quem sodes?
Ninguén sen coidados é umha iniciativa que xurdiu de pessoas organizadas nos transfeminismos autónomos da cidade de Compostela. Levamos um tempo longo colaborando juntes entorno ao tema dos cuidados, reflexionando sobre todas as suas dimensons, visibilizando a sua importância e artelhando propostas. Entendemos os cuidados como todas as tarefas dirigidas à satisfaçom de necessidades materiais, afetivas, relacionais e comunitárias. Trabalhos que historicamente recaírom sobre as pessoas lindas como mulheres e que som desvalorizadas social e economicamente. Pese o anterior, som o sustém da vida e da sociedade como estamos a ver nestes momentos de excepcionalidade, devido à crise sanitária e socioeconómica. Ao dar-se esta situaçom, decidimos ativar-nos ainda mais para acompanhar-nos, apoiar as necessidades de outras e tecer comunidade.
Que facedes?
Habitualmente entendemos o fazer como umha acçom concreta que tem um resultado imediato e palpável. Neste sentido há acçons de apoio emocional telefónico, provisionamento de alimentos e mencinhas, realizaçom de trámites administrativos, apoio económico, facilitar o acesso a informaçom fiável e clara sobre direitos laborais, trámites de estrangeiria, recursos sociais, estratégias de gestom do estrés e saúde mental, etc. Um dos problemas que se está a dar para desenvolver este trabalho é a ocupaçom dos espaços públicos polos corpos e forças de segurança. Esta ocupaçom míngua os poucos movimentos que podemos fazer a dia de hoje e, por conseguinte, o apoio que se poderia prestar a quem necessite queda limitado. Ademais, dam cabida a possíveis vulneraçons de direitos humanos. Por outro lado, há um fazer que vai mais aló do imediato. Este está relacionado coa necessidade de politizar todas estas e outras açons, por mais insignificantes que pareçam. Isto significa dotar de sentido, valorizar, reconhecer e reflexionar sobre elas. Inclui analisar, individual e coletivamente, as razons e causas que nos levam a estar nesta situaçom e buscar soluçons. Noutras palavras, significa analisar o contexto no que vivemos tendo en conta os sistemas de opressom que existen na nossa sociedade (capitalismo, patriarcado, racismo…) para que as soluçons que acheguemos podam transceder os muros das açons do imediato, para abrir possibilidades transformadoras profundas.
Para que?
Por umha parte, para que atravesemos todes esta crise o melhor posible, por outra, para construir futuro. Porque sabemos que esta crise, que a pandemia pom en envidencia, mais que sanitária, é estrutural. Isto significa que há que trabalhar para colocar a vida no centro dos objectivos e nom no capital, como está a ser agora mesmo. Neste exercício de pôr a vida no centro, buscamos dotar-nos de ferramentas para seguir quando o confinamento termine e podamos criar desde a coperaçom e apoio mútuos, e nom volver à normalidade injusta na que vinhamos vivendo, na qual os cuidados nom som o centro.
Como vos organizades?
Na situaçom em que estamos, e coa dificuldade de poder estar em presença, organizamo-nos atravês de assembleias horizontais, em diferentes plataformas digitais de comunicaçon. Criamos grupos de trabalhos pontuais para a elaboraçom de tarefas e concretar ideias que nos vaiam xurdindo. Também criamos grupos de whatsapp onde se estám a incorporar pessoas interessadas e estamos participando em grupos de apoio mútuo nos bairros.
Como artelhar redes de apoio mútuo e cuidados num estado de excepçom e militarizaçom como o que estamos a viver?
Som diversas as estratégias. Nós partimos das redes que ja temos, buscamos ampliar o conhecimento da realidade dos nossos bairros, trabalhar em coordinaçom com algumhas associaçons vizinhais, entre outras. Pugemos avisos nos portais de que as vizinhas estám disponíveis para apoiar as necessidades das demais. Sempre desde a segurança e a responsabilidade individual e coletiva. Apostamos pola capacidade de autorganizaçom, mobilizaçom e de corresponsabilidade num cenário que está a alentar o medo, o control social e o individualismo.
A pesar de que nos preocupam aqueles coletivos mais vulneráveis, queremos colocar o foco na interdependência. Todas as pessoas precisamos de cuidados em maior ou menor medida. Desde aí questionamos a ideia de ajuda assistencialista. Ademais, muitas das problemáticas que estamos a ver agora mesmo ja existiam antes desta crise. Por exemplo, o abandono das pessoas maiores, a precarizaçom das profissionais dos cuidados e do trabalho no fogar, a falta de alternativas para as pessoas sem fogar ou as violências machistas e por razom de identidade de género e orientaçom sexual, raça ou procedência, entre outras. Todas elas podem agravar-se polo isolamento social e tensons derivadas desta situaçom. Também incentivamos e criamos iniciativas que buscam o bem-estar comunitário como o embelecimento dos nossos portais com mensagens, saúdos à vizinhança, o compartilhamento de informaçons e situaçons de vulneraçom de direitos que podem ocorrer nos nossos bairros.
Por que a militariçom e o policiamento nom som cuidados?
O exército e a polícia fôrom postos na rua coa justificaçom de que estám para nos proteger. Para luitar contra o vírus desinfetando todo e para controlar e punir aquelis que se saltem a quarentena por razons que eles nom considerem suficientemente boas. Desde logo isso é um problema porque temhem carta branca para decidir que razons som ou nom som válidas e, se já sabemos que ninguém é done da verdade absoluta, os corpos de seguridade do estado, menos ainda. As justificaçons para estar na rua previstas polo estado de alarma non tenhem en conta a diversidade de situaçons e vivenças (pessoas sem fogar, pessoas que sofrem violência na casa, etc) e menos ainda tem em conta que as instituiçons que patrulham as ruas nom som imparciais e de que nom aplicam nem sequera as normas estipuladas, da mesma maneira a todes.
Tanto a polícia como o exército som instituiçons profundamente marcadas polo racismo, xenofobia, lgtbfobia, machismo, etc. e isso significa que os corpos que já antes estavam expostos a violências deste tipo, agora o estám muito mais que antes. Por riba, estando as ruas desertas e somente podendo sair só, a descriminaçom e abusos pola parte dos corpos de seguridade do Estado, fica facilmente impune. A militarizaçom e policiamento nom som cuidados porque nengum sistema punitivo e discriminatório é de cuidados. A infantilizaçom generalizada das pessoas para que obedeçam por medo a represálias, sem questionar e sem responsabilizar-se de si mesmas em sociedade, nom som cuidados. Cuidados é o trabalho de responsabilizaçom coletiva de todes e por todes, nom somente de e cara a algumhes. E isso só é possível em comunidade e horizontalidade.