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De um lado, no Ocidente, o que conta é sobretudo o curto prazo, o rentável, o tecnicamente reprodutível e o processo de produção mais simples e mais padronizado possível. É este o caso da indústria farmacêutica, voltada essencialmente para a produção de moléculas como os antibióticos, preferindo –para caricaturar– a química (de facto, a bioquímica) à biologia, o estável ao instável, a fixidês à evolução, o reducionismo ao holismo, o unidireccional à interacção e ao sistémico.

Do outro lado, a Leste, investiu-se mais na biologia, biodiversidade, no vivo e nas propriedades já estabelecidas ao longo de milhões de anos de evolução, ao invés do efeito específico que tem sido absolutamente (e em vão) controlado e fixado. Em suma, uma abordagem dialéctica e dinâmica é tipicamente encontrada no Leste, mesmo entre os sábios não comunistas, enquanto no Ocidente, pelo contrário, encontra-se nas correntes dominantes um espírito reducionista, binário, em suma, mecanicista (a do “tudo genético” foi o mais sintomática até há pouco tempo).

Pode-se encontrar na agronomia um duplo exemplo desta contradição epistemológica. No ocidente, em meados do século XX, voltou-se tudo para a química dos adubos e dos pesticidas (para a agricultura, utilizáveis quaisquer que fossem o solo e o clima, no momento que se desenvolveu suficientemente a monocultura intensiva) quando, no Leste [antes de Kruchov], em 1948 lançava-se o mais vasto plano de agroflorestação e de policultura da história, na base de um conhecimento agrobiológico do solo e das suas propriedades vitais, tudo sem pesticidas (conhecidos por destruírem cegamente toda vida que anima o solo). Os “auxiliares de cultura” (os insectos capazes de lutar contra parasitas que afectam as culturas, como prescreve por exemplo a permacultura) eram ali claramente preferidos às moléculas inertes que destroem não selectivamente toda forma de vida do solo). Do mesmo modo, o imenso banco soviético de sementes vegetais endémicas do mundo inteiro, criado pelo geneticista Vavilov e seus colaboradores antes da guerra, favorecia uma agrobiologia humilde e baseada no que existe, nas potencialidades do próprio mundo vivo, resultado de uma paciente e engenhosa evolução.

Por outro lado, a pecuária no Ocidente desenvolveu-se sobre a indústria química (hormonas e antibióticos) com as consequências que hoje se conhecem (a maior parte das resistências aos antibióticos resulta nomeadamente da sua utilização maciça na pecuária intensiva por toda a parte do mundo). Visivelmente no Leste, pelo menos na medicina, apoiou-se sobre a imensa mas restritiva biodiversidade dos bacteriófagos, ao invés dos antibióticos, embora estes últimos naturalmente também tenham sido produzidos e prescritos.

A agroecologia soviética pré-Khruchoviana ou (actualmente) a cubana assenta numa grande variedade de sementes endémicas (que o catálogo standard da Bayer Monsanto actualmente proscreve em toda a parte do mundo), possivelmente “reeducadas” para uma ou outra condição ambiental local, bem como auxiliares de culturas mais eficientes por serem o produto de uma evolução milenar e não de uns poucos testes realizados à pressa, estabilizados em vão para o “todo terreno” (como o glifosato utilizado em todo o mundo, qualquer que seja o solo e o clima). A agroquímica ocidental, como se sabe hoje (e se lamenta), é a sua antítese teórica e prática.

Trazida progressivamente à razão, hoje encostada à parede, a ciência mais financiada (a ocidental) faz a sua autocrítica. Mesmo do ponto de vista da saúde, os antibióticos foram usados de tal modo pelo agrobusiness e pelas prescrições fáceis em medicina, que ao procurar alternativas críveis se redescobre, de modo bem mais dialéctico, não só os avanços da fagoterapia soviética (ocultando a sua origem) como também as benfeitorias do “microbiota” (tão atacada pelos antibióticos, pelo business da substituição do leite materno e outros produtos triunfantes da indústria química), incluindo a manutenção do sistema imunitário e, portanto, da saúde humana.

Esta é de facto uma atitude mais humilde face às imensas possibilidades ecológicas (no sentido científico do termo) que a ciência tenta agora ultrapassar os limites que se havia fixado por excesso de idealismo durante o século XX. Assim, apoia-se agora sobre a descoberta do microbiota (o conjunto dos microrganismos que vivem “com” cada um de nós e nos protegem de muitas bactérias indesejáveis, se os antibióticos não as tiverem sistematicamente destruído) para lutar contra as bactérias patogénicas – e o “higienismo” muito mecanicista dos anos 60 está agora a dar lugar a uma atitude mais sistémica em relação ao mundo dos microrganismos e do nosso sistema imunitário, que é agora visto como um complexo mini-ecosistema a respeitar e até a reforçar, ao invés de “substituir”.

E o COVID-19?

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Onde os laboratórios de investigação ocidentais tentam produzir um medicamento único e patenteável para cada doença, de um modo idealista e reducionista, já percebemos, em plena pandemia, que a investigação pioneira chinesa ou cubana aposta, de uma forma inteiramente heterodoxa, no “drug repositionning”, ou seja, na possibilidade de utilizar uma molécula contra patologias não relacionadas com o alvo original. O interferon alfa 2B recentemente reciclado pelos cubanos contra o COVID 19, o medicamento antipalúdico do tipo cloroquina testado para os conoravírus desde há vários anos na China, são exemplos bastante claros, ilustrando uma abordagem sistémica, não reducionista e, portanto, “dialéctica” da investigação médica. E é sem dúvida assim que devemos agora pensar a nossa “guerra” contra os agentes infecciosos: eles evoluem e adaptam-se? Utilizemos nós também a evolução das nossas armas e contra-fogos biológicos ao invés de acreditar cada vez no “remédio milagroso”.

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De modo geral, agora é bastante claro que, enquanto os países capitalistas desmantelaram pacientemente os seus sistemas de saúde por não serem rentáveis a curto prazo, os países que emergiram do campo socialista, embora órfãos da União Soviética, ilustram-se por uma política totalmente inversa: Em Cuba a saúde faz parte das prioridades absolutas, com um número incalculável de médicos que fazem o país famoso (não é mais belo, mais humano, exportar conhecimentos saber ou saber fazer ao invés de produtos de consumo?) No triturador social europeu, é mesmo Cuba, a China e a Venezuela, e não Bruxelas, a que se apela por ajuda!

A China, por seu lado, venceu o vírus através de um considerável esforço estatal que nenhum país entre os mais ricos do mundo é capaz de aplicar. Mesmo em tempos de “paz” sanitária, o socialismo sempre se preocupou em garantir a protecção sanitária das populações a qualquer preço: Todo edifício público, mesmo as escolas, era concebido para se tornar um hospital em caso de emergência e os serviços médicos eram implantados nos menores recantos do território, com um sistema de cuidados de saúde totalmente gratuito.

A situação escandalosa em que o capitalismo liberal coloca toda a humanidade só com esta pandemia não está apenas em conflito com a superioridade do socialismo em matéria de protecção da saúde: É a própria investigação que é apontada a dedo, a montante.

É provável que a China seja o primeiro país a desenvolver uma vacina contra a COVID-19, mas antes disso, os primeiros países a proporem tratamentos antivirais por reposicionamento de emergência foram Cuba (Interferon alfa 2B) e a China (cloroquina em particular), enquanto os intermináveis debates em França paralisam as decisões sobre o que poderia deter a catástrofe, devido a conflitos de interesses e querelas de ego…

Não seria a ciência guiada pela “competição” estimulante entre egos de avental branco, mas por investimentos maciços do Estado e pelo trabalho colectivo dos funcionários? Que descoberta!

Daí até um dia se admitir que mais “materialismo” e mais “dialéctica” acelera os avanços científicos ao invés de os retardar com “dogmatismo pró-soviético arcaico”, o prazo sem dúvida ainda será bem longo…

Hoje, mais do que nunca, os nossos inimigos não são nem os vírus nem as bactérias, mas sim aqueles que – pelo chamariz do lucro – destroem as nossas melhores armas colectivas contra eles!

O texto completo na sua versão original encontra-se em https://germinallejournal.jimdofree.com/2020/03/27/une-belle-histoire-de-virus-contre-la-virophobie-ambiante/