A crise derivada do coronavírus contribuiu para evidenciar, entre outros aspetos, as desigualdades que atravessa o corpo social por diversas razons. A primeira delas é a de género, pois os dados revelam que 70 % do pessoal de saúde infetado pola Covid19 som mulheres. A classe social também foi um fator de exposiçom ao vírus já que executivos, profissionais liberais e funcionárias públicas -como o que escreve- puderom tele-trabalhar, mas nom operárias da indústria, da construçom e dos denominados serviços “essenciais”. Também apareceu na cena a questom nacional, uma Galiza sem soberania nom pudo evitar a chegada descontrolada de turistas espanhóis em plena quarentena. Em último lugar, uma desigualdade menos ouvida, mas igualmente importante: o idadismo e o seu correlato adultocéntrico.

O adultocentrismo é um sistema de dominaçom que se alicerça, por uma parte, nas capacidades e possibilidades de decisom e controlo social, económico e político de quem desenvolve papéis que som definidos como inerentes à idade adulta; e, por outra parte, nos roles que, definidos como subordinados, som desempenhados por nenas, jovens e idosas. Como todo sistema que distribui desigualmente o poder, justifica-se graças à construçom de regimes de verdade que naturalizam as injustiças. Destarte, seriam características inerentes aos grupos considerados subalternos: a dependência, a irracionalidade e, entre outras, a incapacidade para tomarem decisons autonomamente.

Para aterrar da teoria à prática, e centrando-nos particularmente no que concerne à meninez e à juventude, podemo-nos perguntar: que decisons ou eleiçons puderom tomar as mais novas em relaçom ao modo em que está a decorrer o confinamento?, fôrom ouvidas as suas necessidades polas instituiçons educativas? Certamente, as respostas som múltiplas, divergentes e mesmo contraditórias; no entanto a imprensa destes dias testemunha numerosas denúncias em relaçom ao stresse em crianças provocado por um excesso de tarefas escolares. Da mesma maneira, manifestou a sua preocupaçom a Assembleia Nacional de Estudantes Galegas -ANEGA- em relaçom à impossibilidade de desenvolver processos de aprendizagem de maneira igualitária, por vias alternativas, denunciando que

“O alunado nem participou [nas decisons das universidades públicas galegas], nem recebeu a informaçom necessária polos canais estabelecidos, senom mediante vias extra-oficiais como entrevistas concedidas a jornais”.

ANEGA

Semelha, portanto, que o grau de participaçom política e social está fortemente influenciado por um fator do qual poucas vezes se fala: a idade.

A juventude e a infância, que etimologicamente significa “sem fala”, continua muda neste debate; nom é perguntada e muitos cometemos a indignidade de falar por ela, com diria Deleuze. Parece que a sociedade contemporânea projetasse um olhar essencialista que a valoriza como futuro, como produto inacabado, como proto-sujeitos. Esta focagem eriksoniana de moratória social considera a meninez e a juventude simples etapas de transiçom para conquistar um ideal de referência, representado na figura do adulto -que interseciona com o género masculino, a cor branca, a classe social alta, uma orientaçom hetero-normativa e uma identidade nacional hegemónica-, o que possibilitaria a plena participaçom política, económica e social.

O jornalista catalám Roger Palà escreveu recentemente um artigo relacionado com o duplo confinamento que padecerom as crianças durante a crise da Covid19. Lembremos que as mais miúdas, até o passado domingo, forom as últimas em saírem ao espaço exterior, pois os adultos já pisavam as ruas com anterioridade para fazerem recados, trabalharem ou mesmo passearem três vezes ao dia animais de estimaçom, como os cans. Como tantas outras vezes, as políticas do Estado viram irracionais para a nossa realidade nacional. O nosso território, maioritariamente rural, poderia desenvolver uma política de confinamento diferenciada, permitindo a saída das crianças em contextos nom perigosos, diminuindo deste modo a pressom psicológica das miúdas. Contudo, é provável que os burocratas envolvidos neste tipo de decisons nom vivam no rural, nem em minúsculos apartamentos de 50 metros na cidade. Se isto acontecesse, e elas próprias fossem alvo destas políticas, nom tomariam as decisons uniformes e irracionalmente centralistas para o nosso país.

Voltando ao miolo da questom: se achamos desnecessário o adultocentrismo por autoritário e limitante na nossa sociedade, como podemos construir um horizonte igualitário que atenda às necessidades de todas? As pessoas que acompanhamos crianças como amigos, docentes, pais ou maes, temos a grande responsabilidade de fazê-lo orientando e nom limitando, ajudando e nom apenas proibindo, e também valorizando o erro como meio de aprendizagem num longo caminhar para a autonomia e a conquista da liberdade, como dizia Pepita Martín Luengo. Outro grande pedagogo, Francesco Tonucci, na sua conhecida obra A cidade dos nenos indica:

“A primeira e mais importante decisom que se deve adotar é dar-lhes às crianças um papel protagonista, dar-lhes a palavra, permitir-lhes que exprimam as suas opinions e pormo-nos os adultos, em disposiçom de ouvir, de querer compreender e de ter a vontade de considerar o que os cativos dizem”.

Francesco Tonucci

O pedagogo italiano dinamiza interessantes experiências sócio-educativas como as cidades educadoras, entre as quais está Ponte-Vedra graças ao seu internacionalmente reconhecido plano de peonalizaçom, e que se nutrem desta filosofia paidocéntrica. Além disto, Tonucci tem projetado iniciativas como o Conselho das crianças, órgao infantil que se reúne para refletir sobre o que deseja mudar na sua vila e aconselhar à equipa de governo através de técnicas educadoras; e, entre outros empreendimentos, o projeto das Crianças planificadoras no qual as miúdas realizam propostas de futuro para solucionarem diferentes problemas urbanísticos que existem nas suas vilas.

Joam Vicente Viqueira -psicólogo, pedagogo e filósofo galeguista e reintegracionista-, gostava de diferenciar entre dous tipos de idealistas: os que vivem nas nuvens e os que enchem a realidade de ideias que fazem que esta brilhe e fulgure. “Este idealismo deve ser o nosso porque é fecundo!”, acrescentava. Eu engadiria que nom existe um idealismo mais fecundo que o de todas aquelas pessoas interessadas na construçom de relacionamentos igualitários intergeracionais, pois o processo de socializaçom e inculturaçom é fulcral na hora de construirmos uma sociedade alicerçada no respeito, na igualdade e no direito a decidir cooperativamente a prol do bem comum. E quem sabe se algum dia, nalguma parede do nosso país, podemos ler:

A revoluçom será das crianças ou nom será!