“Ao escrever esta obra, procurei dividi-la em cinco capítulos, correspondentes à Terra, à Água, ao Fogo, ao Vento e ao Vácuo, a fim de expor as peculiaridades de cada um, bem como as suas vantagens.”

Livro das cinco esferas

Miyamoto Musashi

Seguindo zouponamente o exemplo do inimitável Musashi, tentarei traçar umha imagem da atual crise sanitária em cinco partes: luita pola hegemonia do sistema-mundo, luita civilizatória, luita de classes, luita política e luita de liberaçom. Velaqui a segunda.

Luita civilizatória. Água

Nas últimas duas décadas as palavras colapso e decrescentismo salientárom os limites ambientais do planeta face à progressom acumulativa infinita do capitalismo. Pola mesma, a ideia dos grupos de apóio mútuo que agora frutifica com milheiros de componentes por toda Galiza e o Estado espanhol, estendera-se já nos rescaldos do 15-M nom seduzidos por Podemos. Em Galiza, que padece a destruiçom do rural e dos seus setores produtivos desde há decadas, estas tendências qualham na luita pola soberania alimentar e em iniciativas de volta ao agro. Canda elas, modelos de ensino alternativo como as Sementes proliferárom por todo o país nos últimos anos numha linha harmónica. A vaga feminista atual, mesmo por razons materiais, pessoais, enchoupou e alicerçou nestes setores sociais até criar umha nova cultura participativa.

Este modelo de transformaçom requer umha construçom mais lenta que a velocidade da política institucional e que o repentinismo esquemático e cândido co que fantaseam os vanguardismos ideologistas. Porém, as crises como esta em que o circuíto vital do sistema se detém e permite ver as suas engrenagens e mesmo refletir sobre elas desde a pausa, abrem campo para a expansom explosiva da organizaçom popular graças a esse trabalho prévio.

A recessom económica que se aproxima vai ser feroz, especialmente para a economia espanhola. Se já lhe custou cara a crise de 2008 por se deborcar desde os noventa cara à construçom e a especulaçom imobiliária, esta vai-lhe afetar especialmente ao turismo, o setor co que deu erguido cabeça desde aquela. O FMI prevê umha queda da economia global do 3% para este ano. A baixada do Estado espanhol calcula-a num 8%, a maior depois de Itália. Em Galiza, onde levam décadas sacrificando o nosso sector primário em favor do turismo, a perda só da área turística conta-se em 3600 milhons de euros e 30.000 empregos menos em 2020. Isto, sem termos em conta o rejeitamento à inconsciência do turismo procedente de zonas especialmente infetadas, fodechinchos, que a situaçom provoca. Algo que pode contribuir ainda mais à míngua do sector. E para o ano é ano jacobeu.

Diante do medo ao contágio, depois dum confinamento mundial, quem vai querer ou poder viajar? As companhias áreas paralisárom o 90% dos vôs e encarreirárom-se a umha quebra total. Contam com perder 290.000 milhons de euros este ano. Estados Unidos, Itália ou Rússia somam-se à listagem de Estados que tivérom que resgatar as suas companhias aéreas para que nom caíssem na bancarrota da Virgin australiana. Para Ibéria, que fai parte do conglomerado hispano-britânico IAG, o governo espanhol ainda nom anunciou resgate. Porém, é mui provável que o decrete nas vindoiras datas.

Sem chegarmos a Amsterdam em menos tempo que de Tui a Ribadéu no caletre, está claro que a nossa visom do mundo vai mudar produndamente. Aliás, à chamada do rural que provoca o medo à infeçom e os novos costumes dele derivados, soma-se a detruiçom de emprego. Em Vigo, a cidade mais grande e industrial da Galiza, consideram-se em risco um 70% dos negócios da hostelaria, os pequenos. A nível estatal enxerga-se que este ano ham fechar contra os 40.000 bares e Galiza é o terceiro terrítório do Estado com mais número por habitante destes estabelecimentos.

Esta terça-feira 21 de Abril, o Programa Mundia de Alimentos da ONU anunciou a sua previsom dumha crise alimentar global que duplicaria o número de pessoas que padecem fame no mundo este ano. É esse medo à insuficiência alimentar o que provocou a restriçom na exportaçom de alimentos há um mês em Rússia (o maior exportador de trigo do planeta), Ucrânia, Sérbia, Romênia, Vietnam… Até o ponto de que o G-20 tivo que ordenar a supressom dessas limitaçons esta mesma semana. A soberania alimentar tem mais predicamento que nunca. Aparentemente resultaria doado garantir umha saída económica à recessom iminente e à perigosidade das aglomeraçons, com base na produçom de proximidade e à volta à aldeia em Galiza. Mas Espanha di que nom. É mais, ainda que o consumo de alimentos medrou um 19% na nossa terra durante a crise, os beneficiários som os distribuidores, nom os produtores. A consultora Nielsen cifra num 21% o crescimento dos supermercados graças à crise sanitária, que passárom dum 12% de comércio Online a um 50%. Mas a norma espanhola segue a proibir as feiras de proximidade e a favorecer as grandes superfícies até o ponto de reduzi-las a única saída das crianças num primeiro momento. Por isso seguirmos sem saber quando poderemos celebrar mercados, feiras, de produtores. Porém, iniciativas de venda online desde os próprios cultivadores estám ajudando a abrir um eido alternativo mais vigoroso que nunca, como demonstrárom a semana passada os pataqueiros da límia através da empresa AMA. O serviço de entrega a domicílio da associaçom de produtores ecológicos Non é o mesmo de Compostela ou as redes de distribuiçom que organizárom alguns concelhos galegos apontam para o esse caminho.

Dada a restriçom de passo dos jornaleiros africanos, o governo francês apelou ao civismo dos desempregados galos para que ajudassem a garantir o alimento da naçom e que nom se perdessem as colheitas. Aos dous dias, 40.000 franceses fôrom inscritos na campanha para apanhar a anada. Alemanha guindou também um chamado aos parados para cubrir 300.000 postos de jornaleiros e Espanha anda à procura de 100.000 entre desempregados e imigrantes para apanhar as grandes colheitas. Porém, esta semana, o governo espanhol endureceu as medidas que proibem antender as leiras durante a quarentena. Só se poderám realizar essas tarefas em caso de necessidade de subsistência demonstrável. Enquanto nos acugulamos nos supermercados, fábricas e transportes públicos, impedem-nos atender em soidade as nossas próprias veigas e hortas urbanas no tempo da sementeira do tomate, o pimento e as cabaças. Está claro qual é o interesse.

Em momentos de colapso económico, de depressom, produzem-se voltas massivas ao campo. A crise do século III que fijo transitar do Império romano para os sistemas senhoriais medievais é o caso mais paradigmático. As sociedades periféricas cujo rural nom foi completamente destruído pola industrializaçom capitalista, que guardam a memória labrega, gozam de vantagens nestes momentos. A crise abre espaço a umha recamponesizaçom nom só substentável senom vital. Porém, longe das mistificaçons românticas pequeno-burguesas, nom se deve entender como umha volta atrás. É umha necessidade que vai ter que incorporar a tecnologia para o seu desenvolvimento como já vimos nas iniciativas que estavam a prosperar. A identificaçom dos avanços tecnológicos co capitalismo é um erro comum a toda classe de idealismos. Pola contra, a tecnologia apenas constitui umha ferramenta que o capital emprega para favorecer a sua acumulaçom. Como sentencia a máxima marxista, um instrumento que pode ser empregado para destruir o sistema que o engendrou. A Galiza cidade-jardim que sonhava Castelao terá que ser umha superaçom da turistificaçom, do extrativismo colonial e do produtivismo ecocida, mas nom um retorno romântico aos castros, como jamais desejou a tradiçom soberanista.

O eixo alimentar está a ser o principal nos grupos de apoio mútuo, garantirem o abastecimento da vizinhança. Neles foi fundamental o emprego das tecnologias da comunicaçom e permitem enxergar umha conexom alternativa entre agro e cidade para além das multinacionais da alimentaçom. O ânimo cooperativo e autogestionário das catástrofes vem de longe no nosso povo e evoca as cadeias de maos a carrejar chapapote ou água contra os lumes no passado recente. Esta realidade marca um alicerce para desenvolver um Espírito de ’45 no período imediatamente posterior ao confinamento em chaves anti-regime. De aí a teima em institucionalizar os aplausos das oito desde os meios espanhóis até ritualizá-los, umha via de escape à tensom que facilita o controlo de massas. A polícia de balcom constitui o produto mais acabado da narrativa mediática espanhola. O cenário de relaçons sociais posterior à crise sanitária, além de marcado pola depressom económica, vai-no estar polo próprio peso da doença. O saúdo tradicional de muitos países asiáticos, juntando as maos ou inclinando-se sempre a distância, é consequência de antigas epidemias perdidas na história. Pola mesma, o lazer massificado vai-se ver afetado. O estoupido de novas formas de socializaçom cingidas às redes sociais e as alternativas contra-hegemónicas que delas se geram ainda resultam inavaliáveis.

O que fica claro, como em qualquer comoçom no funcionamento dum sistema, é o campo aberto para a construçom de alternativas reais. Nessas circunstâncias, o papel das forças sindicais e políticas resulta primordial. O Regime do 78 prepara a sua segunda transiçom e condena qualquer crítica da esquerda equiparando-a coa ultradireita, a centralidade tam cara às teses podemistas, o novo carrillismo. Frente a essa tentativa de restauraçom, às forças sindicais cumpre-lhes retomar modelos anteriores aos Pactos da Moncloa baseados na experiência comunal de começos do s. XX, na cultura integral e a combatividade. Na guerra de classes que se aproxima, a representatividade institucionalizada vai perder a sua importância em favor da capacidade de resposta direta e de organizaçom do abeiro social. Mas disso havemos tratar no seguinte artigo. As organizaçons políticas também se vem na obriga de adotar posturas nesta recomposiçom e encontram umha oportunidade extraordinária de acompanhar a efervescência auto-organizativa submetendo-se a ela, renunciando ao tradicional controlo eleitoralista.

As duas velocidades de transformaçom manifestam-se em toda a sua potencialidade. A nova ética, o novo sentido comum pós-capitalista medra nos caracóis zapatistas auto-geridos, deslocando todas as opressons deste sistema-mundo: patriarcais, coloniais, classistas, racistas, ecocidas. Mas fai-no protegida por um exército hierarquizado e treinado para matar igualinho que os seus equivalentes no Curdistám. A cerna contém o novo mundo em construçom, a tona protege-o do velho expondo-se a ele para o combater coas suas armas. Do mesmo jeito age o movimento bolivariano abeirando e legitimando o poder comunal desde as instituiçons liberais do Estado venezuelano. Umha é a construçom firme, a outra a resposta rápida aos ataques e contingências imediatos. O que permite a sua estruturaçom é um mesmo horizonte de transformaçom. A primeira é doada de isolar e anular como alternativa sem a segunda. A segunda é fácil de corromper e integrar no lógica do sistema sem o contrapeso da primeira. É a ética construida na cerna co exemplo diário a que evita a podrémia da códia protectora. Mandar obedecendo mais que um lema converteu-se numha necessidade, a corrupçom política começa no momento em que o representante antepom a sua vontade à voz das representadas. Venhem tempos de sachar.