Se esta secçom tivesse que render homenagem à qualidade das publicaçons que resgata, “A Voz do Condado” teria que aparecer sem dúvida nenhuma nos postos cabeceiros; e se a ênfase memorística devesse privilegiar aquelas empresas mais esquecidas da nossa causa nacional, este jornal de Salvaterra teria também que ocupar um posto central. De novo graças ao voluntariado, e à existência de tradiçons independentistas comarcais que já perduram quatro décadas, trazemos a leitores e leitoras esta joia da nossa imprensa combativa. O Novas da Galiza dedicara-lhe umha reportagem no seu número 41, porém fica no olvido para os mais.

Poucas pessoas politizadas, jovens, ou mesmo de mediana idade, conhecem a experiência associativa da Junta de Vizinhos do Condado, umha entidade assembleária de base que nasceu em 1977 com um pulo decisivo de militantes independentistas, e que permaneceu muito activa até 1979. A paralisaçom do agressivo Plano Geral do Condado, depois dumha dura luita, levou o colectivo a morrer de êxito. Um dos seus promotores foi um na altura moço Manolo Soto, figura capital no arredismo dos 80 e 90. Sindicalista, preso político, organizador, dinamizador da Sociedade Cultural e Desportiva do Condado, ao seu trabalho e bom fazer, junto com o de muitos outros, deve-se a criaçom desta entidade. Com um critério acertado, Carlos Barros puido entrevistá-lo bem antes do seu falecimento, e com o texto que ele nos brinda, além dos oito números do jornal, fomos quem de elaborar esta resenha.

Como boa parte das nossas bisbarras na jeira da Reforma política, o Condado tivo que enfrentar planos “desarrolhistas” enormemente virulentos. O caciquismo histórico, reforçado agora polas armas franquistas, unia os seus interesses aos grandes monopólios para obter riqueza galega a baixo custo. Na altura, um grupo militante mui diverso, quer em idades, quer em ideologias, decidiu unir as suas forças para frear as maiores ameaças: a barragem do Sela, a construçom de áridos e as graveiras. Umha das suas ferramentas principais foi um jornal, numha altura em que a populaçom só podia informar-se através dos meios do Regime, e a esquerda ensaiava mais a imprensa de partido ou sindicato do que o cabeçalho amplo, focado a um amplo movimento.

Um novo pulo

Os anos da Reforma política podem caracterizar-se pola convulsom, a violência estatal e o medo; mas também por um grande optimismo. Qualquer que dea umha vista de olhos à propaganda social e política da esquerda da altura pode comprová-lo. Umha nova geraçom nascida a finais dos 40 ou nos 50 somava-se à luita, e fazia-o incorporando velhos militantes da jeira republicana, que ficaram muitos anos condenados ao ostracismo. Naquele contexto nasceu A Voz do Condado: obviamente monolíngue em galego, de partida tirava 3000 exemplares e vendia-se a três pesos, isto é, 15 pesetas (0.09 euros). Assim se apresentava no outono de 1977:

Primeiro nos valados, nas árvores…onde se podia; logo panfletos, ‘octavilhas’…depois em medrosas conversas na rua, nos bares, nos bailes, sempre agochados, com medo, muito medo, faziam-se as informaçons, as notícias de todo o que estava a sofrer o nosso povo, de todo aquilo que o condenava ao subdesenvolvimento e ao que havia que plantejar-lhe de qualquera jeito, como se puidesse, umha luita frontal.”

Os promotores deste jornal clandestino, assinado sempre com pseudónimos, esclareciam que “a violência e a exploraçom” continuavam, mas abriam-se novas possibilidades informativas:

(É vital) o jurdimento de publicaçons populares, que desmascaram os caciques que apoiam e fam-lhe jogo a quem nos está a assovalhar, que reivindiquem os anceios das camadas populares e que fagam público todo aquilo que até aos porcos lhe cheira mal, é o processo normal dum povo que chega ao cúmio das suas inquedanças.”

Por palavras do próprio Manolo Soto, a publicaçom era clandestina, editava-se com toda a segurança em imprentas de Vigo, Ponte Vedra e Portugal, e logo era distribuída por grupos de militantes que se deslocavam em carro, evitando a acçom da guarda civil. Numha sociedade ainda comunitária, muito longe da patologia narcisista dos nossos tempos, a colaboraçom era totalmente anónima, e as informaçons, de total actualidade, vinham do boca a boca. Quase a totalidade das páginas estám dedicadas a problemáticas locais: nom faltam as semblanças das grandes sagas caciquis de Salvaterra, Arbo, as Neves, Salceda de Caselas, ou a denúncia com nomes e apelidos dos grupúsculos de “incontrolados” fascistas que sementavam o medo na comarca. Imaginemos o efeito que o jornal causou numha sociedade afeita a corenta anos de silêncio, repressom e auto-censura: “tentativas de demissons, berros de vingança, ameaças de morte à Junta de Vizinhos, fórom as primeiras reacçons”, diz-se no número dous, que saiu a lume no Natal daquele mesmo ano. A guarda civil chegará a deter quatro voluntários que a repartiam num jogo de futebol regional, logo processados e absolvidos; e Pepe Castro, um dos tiranos da bisbarra, tentou mobilizar o matonismo para desactivar a distribuiçom da Voz.

A Junta ia responder, com a passagem dos números, aumentando a tiragem a 5000 exemplares; e obviamente, mantendo-se firme na sua vocaçom informativa e na sua definiçom política: “popular, aberta a todos, suprapartidária, singela, e sobretodo ceive, ceive como tem que ser a Galiza numha data nom muito afastada.”

Velha tradiçom nacional

Na realidade, e seguramente sem sabê-lo polos efeitos da censura fascista, o núcleo promotor d’A Voz do Condado seguia umha tradiçom galega solidamente arraizada: desde o regime da I Restauraçom, as sociedades agrárias e obreiras galegas fixeram abrolhar em dúzias de comarcas rurais do país cabeçalhos de imprensa independente, anticaciquil, e ao serviço das maiorias oprimidas. A continuidade que estabelecia a Voz patenteou-se ainda mais com a colaboraçom de Manuel Marinho Méndez, alcalde republicano de Salvaterra, que voltara à Galiza com a morte do ditador.

A focagem informativa segue esta pauta quase centenária e centra-se nas problemáticas mais sentidas pola vizinhança: deficiências em infraestruturas, feche de escolas, carências higiénico-sanitárias, e até mesmo fiscalizaçom da corrupçom clerical. O objectivo, representar um leque o mais amplo possível da sociedade popular da altura, com especial protagonismo para proletariado e labregos. Na sua linha informativa contra o PGOM, A Voz declara querer representar labregos expropriados, gadeiros vítimas da eucaliptizaçom, proletários e emigrantes”, mas também “pequenos industriais” abafados polos monopólios, “técnicos e profissionais” obrigados a trabalhar em grandes empresas “contra o povo e contra eles mesmos”, e jornalistas que vem como “as aparentes liberdades informativas servem para os proprietários dos meios de informaçom (…) favoreçam campanhas desinformativas” a prol “da imagem dos que roubam o povo.”

Conviçons e claridade

A Voz do Condado nom conhecia o dilema entre atençom a problemáticas concretas e plena definiçom ideológica. Luitas quotidianas e horizonte estratégico aparecem sempre fundidos, com muito sentido pedagógico. A reorganizaçom nacionalista levava na altura apenas treze anos de andamento, mas o jornal incide em falar, com toda naturalidade e em todos os números da “naçom galega.” Quando se fai repasso dos caciques comarcais, tenciona-se pô-los sempre em relaçom com parecidos sátrapas que governam outras zonas da Galiza. Sem ir mais longe, A Voz traduz ao galego e publica na íntegra umha reportagem de ‘Interviu’ sequestrada pola polícia. O documento fazia-se eco, pola primeira vez em quatro décadas, dos crimes do falangismo nos Ancares, dirigidos pola estirpe caciquil dos Rosón.

Em plena coerência com o anterior, há um outro argumento que se repite: a falsidade da democracia espanhola:

A ‘Democracia Milagreira’ é tam milagreira que mantém nas suas poltronas quem roubou, assovalhou e reprimiu para que siga roubando, assovalhando e reprimindo (…) O fascismo (sobreviviu) porque utilizou a concessom de favores (…) e criou umha sociedade de estômagos agradecidos.”

No argumentário utilizado, ainda escrito com linguagem singela e transparente, percebe-se a escola independentista e comunista, de quadros que naquela jeira estám já a organizar-se nas fileiras de Galiza Ceive (OLN): “sem meios, os povos só temos umha opçom: organizar-nos, organizar-nos, organizar-nos.” Desde o ámbito local, A Voz apoia a campanha, dinamizada polo Partido Galego do Proletariado, dos Comités Contra a Constituiçom, centrados em deslegitimar o referendo no que nasceu o Regime de 1978. A consciência de fazer parte dumha luita muito séria evidencia-se com declaraçons que hoje seriam judicialmente perseguidas: “chega-se ao intre no que nom se pode explorar mais, onde nom se pode assovalhar mais (…) o povo responde a força com a força (…) eles chamam-lhe à autodefesa terrorismo, nós chamamos-lhe justiça.” (abril 1978) Com a morte de Reboiras ainda muito presente, um nacionalista anónimo escreve em verso: “no caso de que a história se repita / de matar nacionalistas, e assassinado morro / que ninguém chore, nem vaia ao meu encontro, / andarei revoando pola Galiza / e pedindo a liberdade para o meu povo.”

O encontro entre independentismo e ecologismo também chega a formular-se com muitos anos de antecedência. Com motivo dumhas precursoras ‘brigadas deseucaliptizadoras’ que se organizam em Uma, o articulista escreve:

Unamo-nos para destruir o caciquismo, a colonizaçom, o poder oligarca (…) A revoluçom começou (…) nom fagamos grupo, nom classifiquemos, a guerra industrial à que pretendem submeter-nos matará-nos lentamente à nós, à nossa terra, à nossa água e ao nosso ar. Junta-te à revoluçom ao berro: galego, só galego!” (fevereiro 1978)

Reconhecimento pendente

Na tarefa ainda por realizar dum arquivo nacional do independentismo, a conservaçom e classificaçom e estudo d’A Voz do Condado tem que ocupar um tempo importante. Cremos que nom exageramos a sua importáncia, e a própria equipa d’a Voz era ciente dela. Escreviam em abril de 1978:

Para liçom dessa minoria de oligarcas caciques, temos que dizer que o nosso vozeiro A Voz do Condado está marcando época na história da Galiza, nas bibliotecas públicas do país vam ficando arquivados correlativamente os números do nosso vozeiro. Historiadores e intelectuais galegos levam-nos às suas bibliotecas particulares, considerando-nos de grande valor.”

O nosso arquivo nacional seria umha merecida homenagem a devanceiros e devanceiras, e umha grande ferramenta de conhecimento para orientar-nos no presente. Enquanto este nom se materializa, neste portal digitalizamos e subimos à rede neste link a colecçom completa da Voz, para uso e desfrute do povo galego.