Só entre todas o sabemos todo
Os sindicatos som estruturas que servem aos interesses da classe trabalhadora. Som ferramentas que permitem a nossa autoorganizaçom e autodefensa e um elemento mais que se soma às múltiplas formas de construçom de contrapoder. Derrubar a barreira entre as pessoas que fam parte do mercado formal de trabalho e aquelas que estám estruturalmente expulsadas do mesmo pode ser um dos eixos de debate urgentes, que começa a abrir-se, e umha das linhas de trabalho para um sindicalismo efetivo no capitalismo pos-Covid. Permite-nos refletir com maior claridade a heterogeneidade na composiçom de classe, e supom umha abordagem que possibilita reordenar as forças das que dispomos e recuperarmos a nossa potencialidade para enfrentar-nos a um cenário, que sem deixar de ser mais do de sempre para muitas, coloca a mais pessoas na necessidade de mover-se entre a economia de subsistência, as ajudas sociais (e isto para as que temos sequer um DI) e o trabalho assalariado que encheu, ate a atualidade, a centralidade dos discursos da esquerda e do trabalho sindical.
Como nos atravessa o estrato de classe, a etnia, a origem, o género, a identidade sexual, as capacidades diversas e outras das que nom somos muitas vezes conscientes, no acesso ao mercado de trabalho, ao salário, e polo tanto, o privilégio de ser consideradas sujeito político é umha das demandas que se vam colocando cada vez com mais força. É preciso apontar que quando desde as esquerdas redundamos na consideraçom de “marginadas” ou “pessoas sem recursos” dum sector da classe trabalhadora estamos perpetuando umha lógica de pensamento sistémico que afunda na quebra da unidade de classe, se se obviar a potencialidade revolucionária das pessoas que carregamos às nossas costas o trabalho reprodutivo sem remuneraçom, também.
Os feminismos así como as teorías descoloniais pugérom de relevo que o sustém do visível, a própria existência dum mercado formal de trabalho e o próprio desenvolvimento do sistema capitalista, está construído sobre as costas do trabalho de balde dumhas e a absoluta despossessom doutras. Que o que historicamente se conceptualizou como classe, tinha carências, e que a acumulaçom do capital se fijo a expensas doutros eixos de opressom que ficárom fora do marco, das leituras das realidades e das propostas de açom.
É um tirar de vez as fronteiras entre a nossa própria classe. Nom fazê-lo supom dar por válido o status que nos confere umha determinada estrutura e, polo tanto, reproduzi-la dentro das nossas organizaçons. No prático, correr o risco de rematar por reduzir as classes trabalhadoras polas que pelejar desde o sindical a um sector cada vez mais pequeno e inexistente das mesmas e resultar inócuas.
Longe disto, cumpre ampliar a mira do que somos, em canto que despossuídas em maior ou menor grau, diversas nas posiçons em que se nos coloca na reproduçom do sistema, diversas também quanto às nossas necessidades. Quem somos as classes trabalhadoras entom? Todas nós, as que navegam entre o trabalho assalariado e as fórmulas de subsistência fazendo frente à precariedade, as sem teito, as manteiras, as donas de casa, as desempregadas de longa duraçom e a pessoa que vende panos no passo de peóm. Reconhecer-nos como classe e como sujeito de transformaçom, à margem da delimitaçom do trabalho assalariado, coloca-nos na tesitura de ser criativas nas ferramentas, de ter capacidade para adaptar as respostas, de fazer novas aprendizagens e tecer redes com outras e também de ter que mirar atrás para recuperar o que se foi deixando polo caminho.
No Estado de Benestar, nunca estivemos todas
Algumhas, máis concretamente alguns, vivérom-no plenamente, outras comemos as sobras através da lógica assistencial das instituiçons, outras nunca cheirárom as grandes oportunidades que se nos efereciam e nos iam igualar a todas. Deixamos de lado tantas ferramentas que vai supor um esforço grande e ilusionante a partes iguais, pô-las de novo em valor, pô-las em marcha e recuperar as relaçons comunitárias que as possibilitam. As fórmulas que utilizamos para suster-nos no quotidiano, nom podem ficar à margem dos espaços em que nos organizamos, tampouco a honestidade coa que lhe comentamos à amiga que nom temos um cam. Dizía um companheiro que como podemos prescindir de todo o calado humano, das vivências, no desenho de ferramentas. Construir sem o grau de exposiçom precisa da própria vulnerabilidade económica, emocional, vital que nos produz a supervivência neste sistema violento é tarefa impossível, ou quando menos, muito menos útil. Para isto, precisamos desfazer-nos do mandato capitalista de viver a pertença de classe com vergonha, e também da vergonha alhea, para passar a acompanhar-nos e dar cabida também ao respiro e à alegría que supom saber que nom estamos sós.
Resgatar o perdido e aprender das companheiras do Sul
Nas organizaçons sindicais obreiras de princípios do século XX, nom se entendia a organizaçom sem a aprendizagem coletiva e o compartilhar, sem as caixas de resistência alimentar para quem as precisasse, sem o economato, sem as dinâmicas de redistribuçom da “riqueza” entre as próprias trabalhadoras. Todas elas úteis no contexto que há de vir. Apelar à responsabilidade das instituiçons e pelejá-la nom deveria ser incompatível coa imprescindível solidariedade de classe na resistência. Atender às condiçons materiais para a luita, significa saber desde que lugar se enfrenta ao chamado à greve a nai empregada do fogar com duas crianças e umha hipoteca e fazer-nos cargo. Significa também possibilitar a participaçom de quem tem que investir todas as horas do dia na supervivência.
A pedagogia ponhem-no-la as ferramentas de apoio mútuo das organizaçons de empregadas do fogar (sem contrato muitas, sem direitos fundamentais sim reconhecidos a outras trabalhadoras, as que algumha vez assinárom um), artelhando caixas de resistência desde o minuto um, os sindicatos de manteiros construindo redes de solidariedade e fabricando mascarinhas para todas no obradoiro de Top Manta, as luitas das classes populares precárias por ampliar os direitos sociais. As margens (com marcada presença das nossas vizinhas dos Sules globais) muitas vezes contempladas com desdém por quem segue a chamar “lumpem” a um a certo sector das obreiras ou com compaixom por outras, passam a ser referente nas fórmulas efetivas de resistência que fam as luitas possíveis.
E mais singelo entrar a um espaço quando tens convite que quando tens que bater na porta para perguntar se podes entrar ou ver-te na tesitura de ter que bourá-la. Disponibilizar os altifalantes e as estruturas e pôr as margens no centro, como nos diziam companheiras trans num dos debates do Festival Cultural Trans Visibiliza-T fai-se agora mais necessário que nunca, também nos sindicalismos. Ao cabo, tecer redes e arrombar-se a um lado para que participem mais companheiras. Aconchegar-nos.
Resignificar as ferramentas que som os sindicatos de classe é algo a debater, enriquecer e reconstruir. Algumhas caminhamos aí, devagar. Aproveitemos o contexto para repensarmos as organizaçons, e nom só as sindicais. A única medida para reconhecer se as ferramentas som ajeitadas, é precisamente a sua utilidade, combatividade e capacidade para gerar condiçons de vida dignas e, para isso, precisamo-nos todas.