Analistas, organizaçons populares e pessoas do comum coincidem num ponto: nom sabemos o que acontecerá passado amanhá. Mas todas as vozes coincidem num ponto: em poucas semanas, já mudárom muitas cousas. Com características inéditas e dumha magnitude que nom vimos nas últimas cinco décadas, a crise que atravessamos si que tem concomitáncias, porém, com outras situaçons de emergência que sacodírom a Galiza: como nas marés negras ou na vaga incendiária, o povo muda a sua percepçom sobre os dirigentes, e entre a gente de a pé tecem-se novas relaçons. Repassamos o que já mudou.

A certeza, esfarelada

Se há um galego ou galega que nom ouvisse estas sentenças, seria umha surpresa: “é incrível; quem no-lo ia dizer”; “na vida pensei em viver algo assim”; “nom há ninguém vivo que passasse por umha situaçom como esta”; “parece umha distopia”; “é de ciência ficçom.” Pandemia imprevista, autonomias suspendidas de facto, populaçom recluída baixo dominaçom policial e militar…Os vários sinais de incerteza, pequenos e matizáveis, que inquietavam a nossa sociedade, virárom agora numha incerteza superior: sanitária e ambiental, geopolítica e económica. Os chineses chamam estas jeiras de crise “tempos interessantes.”

O decrescentista Antonio Turiel, como recolhíamos nestes dias nas nossas redes sociais, manifestava: “acabou-se o tempo das advertências. Vem agora o da tomada de decisons.” E advertia aos incautos que o mundo previsível, onde se podiam fazer planos, acabou de vez. Chegam maiores quotas de impredicibilidade e incerteza.

Instituiçons polarizam

A extrema direita radicalizada, também no Estado espanhol, nutre-se do medo. E o estado de pánico destes dias favorece muito que umha parte da populaçom areje a sua zona mais escura praticando a delaçom, aplaudindo as agressons policiais e quiçá (ainda nom o sabemos) apoiando a permanência da plena potestade militar trás a pandemia. Mas há um contraponto. A viragem cara teses ultras de milhares de pessoas nom oculta o desapego crescente frente o Estado espanhol de mais e mais capas da populaçom. Vimo-lo na passada semana, quando em todas as cidades galegas, e especialmente nos bairros obreiros, o discurso do Borbom era respostado com umha caçolada mui sonora; podemo-lo captar nas declaraçons nos meios (mesmo nos oficiais) de tantas pessoas da classe trabalhadora. Proliferam as denúncias ao governo “progressista” por nom atrever-se a fechar toda a produçom, medida que inagurou China, e que foi seguida por Itália ou a Índia; na sanidade e nos cuidados, as críticas à nefasta gestom neoliberal, com a Comunidade de Madrid como campo de provas logo extendido a todo o Reino, fijo-se lugar comum.

Imagem que circula polas redes sociais contra delaçom

De Espanha nem bom vento…

Volve umha constante de todas as grandes crises que padece a Galiza baixo o ferrolho espanhol: como no Prestige ou nos incêndios, auto-organizaçom do povo substitui carências ou negligência espanhola. Vimo-lo na limpeza das costas há quase duas décadas, e vimo-lo no outono de 2017, quando a vizinhança tivo que fazer cadeias humanas com caldeiros para evitar que ardessem as suas casas. Agora, grupos de base argalham maneiras de conseguir material protector ou máscaras, cuidadoras de idosas e enfermeiras cobrem com critério próprio a falta de meios, protocolos e instruçons claras, como recolhíamos em entrevista neste portal. Antom, um ambulancieiro, dizia-nos em entrevista que “estamos dando o 500%”.

e mais umha vez, um poder situado numha latitude afastada demonstra-se incapaz ou indisposto na hora de abordar um problema de enorme alcanço. Desta volta, a falta de gestom sobre o nosso território e recursos acadou umha gravidade nunca vista, desde que estamos directamente sob comando de Madrid. O mesmo poder que, por prejuízos ideológicos nacionalistas, se negou a fechar a sua capital e permitiu o espalhamento do vírus, é o que decide como se utilizam os recursos sanitários, e quantos se destinam à nossa Terra.

Outros modelos

Nas redes circulou umha imagem, mais significativa que anedótica, dum cidadao italiano içando a bandeira chinesa em substituiçom da ensenha da Uniom Europeia. A ajuda internacional organizada polo PCCh, embora relegada na mídia a espaços secundários, está a ser conhecida polas populaçons; também a ajuda cubana. Ambas chocam com a inacçom comunitária europeia, e as declaraçons neoliberais de dirigentes norteamericanos que, como o governador de Texas, já manifestou que “cumpria sacrificar os idosos.” Numha televisom de grande tiragem, umha trabalhadora da sanidade declarava que “nom se pode admitir que os lucros estejam por diante da vida das pessoas.” Nas redes sociais, parte dos usuários desejavam saber se a residência madrilena onde alguns velhos partilhavam espaço com mortos pertencia a um “fundo abutre.” Neoliberalismo perde de vagar apoiatura.

Neoliberais enterrárom a economia planificada com muita pressa (seja a nitidamente socialista, seja as de modelos mixtos como o chinês), mas agora as mega-estruturas do sector público som as que ponhem barreiras à pandemia. Na Galiza, os severos curtes do governo Feijoo situam-nos numha situaçom de maior vulnerabilidade que territórios vizinhos.

Rural e cuidados

Contra todas as mostras de medo incontrolado e individualismo aos que puidermos assistir, aparecem sintomas de umha forma nova de conceber a sociabilidade. Neste portal, informávamos a inícios da semana dos grupos de ajuda mútua que almejam superar a crise baseando-se na cooperaçom.

Na imprensa, nas redes e nas conversas proliferam aliás chamados a levar em conta o rural, e a reconsiderar umha vida urbana tam baseada nas presas e na dilapidaçom de recursos. No fundo, um e outro aspecto (ajuda mútua e defesa do rural) levam-nos a umha exigência actual, a de cuidar a terra e cuidar-nos entre nós frente um sistema que se fai mais implacável.