Antom Santos | Ferrol, 15 de Outubro. Carlos Taibo visitou Ferrol como ponente do I Congresso do Decrescimento, onde aproveitamos para conversar com ele sobre a crítica conjuntura na que nos adentramos, marcada pola combinaçom da mudança climática, o esgotamento energético e os recursos minguantes. Entre o pessimismo e certas esperanças razoáveis, Taibo alvisca um colapso “mais que possível” e confia no abrolhar de novos movimentos, muito além da agenda institucional e da crítica superficial da intelectualidade, “acomodatícia e egocêntrica”.

Na tua trajectória intelectual, como descobres a proposta do decrescimento, que leituras te marcárom?

Isto é doado de responder: à partir da leitura dum livro preciso, A aposta polo decrescimento de Serge Latouche. Parece-me um livro muito iluminador; hoje discutiria muitas das suas dimensons, mas parece-me que propom umha discussom sobre a economia e a sociedade muito diferente da normal, que valoriza elementos que nom estám valorizados nas nossas sociedades. Por exemplo, a necessidade de questionar as alegadas bondades do crescimento económico. A partir desse momento descubro toda umha literatura que me parece vinha a completar as minhas análises críticas sobre a globalizaçom. Digamos que as minhas análises da globalizaçom eram umhas análises do presente, e as ideias decrescentistas permitem ter umha reflexom sobre o futuro.

Onde situarias as origens desta teoria à que te aproximas? As raízes estám em novas achegas, ou pola contra remontam a clássicos da esquerda habitualmente esquecidos?

O decrescimento bebe de pensadores heterodoxos, quer na tradiçom libertária, quer na marxista. Fôrom comumente marginalizados, mas estavam aí, muito presentes. Estou a pensar por exemplo em pensadores franceses, caso de André Gorz ou Cornelius Castoriadis. Ou de maneira mais geral um pensador cada vez mais valorizado, como é Ivan Ilitch; que alguém hoje critique a civilizaçom do carro, nom é nada particularmente imaginativo, mas que alguém o faga na década de 1970 indica umha capacidade de prospecçom do futuro e de análise crítica extremadamente iluminadora. Acho que em geral som pensadores tidos em conta, mas ao mesmo tempo marginalizados. Som respeitados, interpreta-se que dim cousas interessantes, mas o fluxo principal discorre por outro caminho.

Todo aquilo que proponhem estes sectores representa umha emenda à totalidade aos princípios básicos da esquerda clássica, ou nom? Porque a dia de hoje existe um debate bem vivo no que muitos sectores rupturistas, ou revolucionários, criticam a proposta decrescentista.

Si, há certa hostilidade em determinados sectores muito extremos. No resto de entornos, isto tem a ver com o que dixem antes, respeitam, o que significa que eles se decatam de o debate ser necessário, mas estám num carro instalados, o da focagem produtivista e desenvolvista, que nas suas versons mais extremas começa a ser um pouco inquietante, sobretodo no que atinge aos limites físicos do planeta. Tenho porém a suspeita de que esta tensom foi baixando, e que hoje nom é a mesma que a que existia há dez ou cinco anos. De qualquer jeito, é verdade que há versons do decrescimento que som escassamente críticas com o capitalismo, plantejando apenas umha mudança na vida individual, reduzindo os níveis de consumo; si, neste caso está justificada a crítica contra estas versons. Claro, nom podemos analisar as cousas como se fosse um aparelho bom o decrescimento, e um aparelho mau a esquerda tradicional. Todo é mais complexo.

Estamos metidos de cheio no chamado ‘debate do colapso’. Ti também tês participado. Antecipa-se um porvir de mudanças radicais e em grande medida catastróficas. Mas dentro deste cenário geral há um leque bastante amplo de posiçons. Até onde pode chegar o derrubamento, podemos prevê-lo com certa nitidez?

Antes do mais, gostava de destacar que falar de colapso tem algo de impreciso. Há áreas importantes do planeta que levam décadas em situaçom de colapso, e para milhons de pessoas isso nom é nada novo; situaçons várias, das que a faixa de Gaza pode ser um exemplo; e nesse sentido, dizer a um habitante de Gaza que vai vir o colapso, é algo sem sentido. Dito isto, e pensando em termos globais, e entendendo colapso como o passo dumha orde mais ou menos estável a um esboroamento, eu creo que o colapso é inevitável. Outra discussom diferente é que entendemos exactamente por colapso, quais som os seus traços, o seu alcanço… e nisto pode haver muitos matizes. Procuro ser cauteloso, digo que nom estou em condiçons de afirmar de maneira taxativa que se vai produzir um colapso, entom adiro à postura mais prudente, a que diz : ‘o colapso é provável’, e ainda carregaria mais as tintas, dizendo que é mui provável. Claro, no meu caso recebo críticas que som muito enfrentadas entre si. Há quem diga que som um catastrofista, e há quem diga que som um optimista patológico, porque continuo a pensar que há saídas, nom do colapso, mas si para a sociedade post-colapsista. Porque na realidade há quem é muito mais pessimista ainda do que eu, e que afirma que o colapso leva todo, leva a civilizaçom humana, nom só o capitalismo. Eu acho também que o colapso tem umha certa dimensom de oportunidade, de fazer presentes elementos que nom estám hoje presentes na nossa vida. Ora, nom quero ignorar que o cenário geral vai ser calamitoso.

“No horizonte, parece que o capitalismo só alvisca umha resposta, que é o ecofascismo: um projecto de reduçom dramática da populaçom planetária, combinado com as teses dos fascismos tradicionais.”

És partidário de focar o debate a partir dos dados numéricos? É dizer, de fazer prognósticos em funçom de predicçons científicas por volta do alcanço da mudança climática, das datas de esgotamento de energias fósseis? Ou pola contra ficas em análises mais genéricas?

Si, obviamente, levo em conta os dados, ainda que eu som fundamentalmente um divulgador: e conclúo que a tese principal da comunidade científica internacional é que a temperatura média do Planeta inevitavelmente vai subir quanto menos 2º. E que quando se chegue a tal limiar, o que imos viver nesse momento é um cenário totalmente novo; nom sabemos o que vem, mas nom é nada bom. Também sabemos que todas as matérias primas energéticas que utilizamos estám a esgotar-se. A combinaçom desses dous factores é letal, e semelha que entre 2030 e 2050 viviremos mudanças radicais. No horizonte, parece que o capitalismo só alvisca umha resposta, que é o ecofascismo: um projecto de reduçom dramática da populaçom planetária, combinado com as teses dos fascismos tradicionais. Eu podo dizer, e de feito digo-o, que aparecerám movimentos, movimentos que ainda nom existem, resistentes contra isto, que defenderám umha terra, e uns valores que existem desde há muito tempo, mas que hoje nom estám em vigor. Suspeito que esses movimentos aparecerám depois do colapso, hoje a nossa capacidade de artelhar tais movimentos é muito limitada.

Na sociedade existem distintos comportamentos ante a questom, mas a indiferença parece maioritária a dia de hoje. Como definirias as atitudes da gente ante o que se achega?

No meu livro Colapso dedico um capítulo breve a analisar isto. Para redigi-lo bebim sobretodo de bibliografia norteamericana. É interessante, porque nos Estados Unidos este debate é mais amplo, e leva bastante mais tempo. Os estudos indicavam que a consciência do colapso na sociedade norteamericana era muito mais ampla que na Europa. Sabes que é umha sociedade cheia de bunkers, quiçá é a herança do medo a umha catástrofe nuclear, pode que se mesturem as cousas. Por empregar umha ideia geral: a gente sabe que há um problema, e intui que o problema é grave, mas isso nom se traduz em nenhuma mudança na vida quotidiana. Falamos disto, mas seguimos a viver como os passageiros aqueles do Titanic, que ainda sabendo que o barco ia afundir, decidiram seguir bebendo champam e dançando um valse. Creio que esta é a atitude geral. Somos um pouco esquizofrénicos. Temos umha parte racional, consciente, que está nisto, e outra que decide que temos que beber umhas cervejas. É um debate interessante, no fundo. Como devemos reagir ante estas cousas, com alegria ou com pesadume? É um debate interessante porque nom tem resposta singela. Se perdemos por completo a alegria, como imos transmitir algo atractivo? E se só estamos na alegria, que credibilidade tenhem estas teses? Nom tenho nenhuma resposta. Logo, como sabes há muitíssimas pessoas desentendidas disto, indiferentes, e que só vem o lado negativo das nossas teses: ‘sodes uns catastrofistas, sodes uns milenaristas’. Devo confessar que esses comentários me reventam. O debate é mais fundo, e nom se pode analisar com esta frivolidade. 

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Carlos Taibo, em Ferrol.

Participas activamente nas redes sociais, e tanto nelas como no espaço físico das palestras, mesas redondas, encontras… a tua palavra tem eco, há um público que te segue. Pensas que os intelectuais tedes um papel determinante na hora de esclarecer a gravidade da situaçom, e mesmo de mobilizar?

Bom, eu matizaria isto que afirmas. Se comparas o número dos meus seguidores nas redes sociais, com o de qualquer figura mediática da esquerda institucional, e eu som um anano. Aliás, nom acredito nada nos intelectuais, como grémio. Creo que som um conjunto de gente egocêntrica, fácil de vender quando chega o momento… nom, nom creo.

Mas a sua palavra tem mais alcanço que o dumha pessoa corrente, teredes algum papel. O que ti fas tem um sentido, um eco…

Relativizo-o muito. Mesmo agora, no mundo do decrescimento acho que há um afastamento progressivo entre os movimentos populares, os activistas, e o mundo de professores e investigadores, que é cada vez mais próximo às instituiçons. Nom sei se viche na recente carta aberta, derivada dum congresso internacional do que chamam post-crescimento, que é um termo que me produz perplexidade. É um manifesto situado claramente na perspectiva de pedir à Uniom Europeia que pare isto, ou outro, ou de constituir ministérios pola Transiçom Ecológica em todos os Estados. Creio que isto é um arredamento do que pedem os movimentos populares e a luita de base. E este arredamento parece-me muito inquietante, revela a deriva de certos intelectuais. Nom estou a dizer que todos os assinantes experimentem esta deriva, mas o que necessitamos nom é umha carta aberta.

Este cepticismo polos intelectuais vem de velho, ou está motivado pola controvérsia do decrescimento?

Si, vem de velho. Neste sentido som muito libertário. Esta foi umha matéria que me preocupou nos últimos anos, a relaçom entre o movimento anarquista espanhol e a intelectualidade. Reparei em que os três grandes escritores que se vencelham com a II República, Machado, García Lorca, Miguel Hernández, nom tivérom nenhuma relaçom com o mundo anarquista. Machado nunca publicou um poema em Solidaridad Obrera, Lorca era um senhorito, e logo Hernández era militante do PCE, isso explica a distáncia. Mas os anarquistas eram a mugre da sociedade, gente que ia por outra canle. Esse receio face os intelectuais tem fundamentos: a ausência de trabalho manual, o vencelho com as classes adinheiradas, influi bastante na cabeça; isto obriga-me a afastar-me bastante do modelo francês de intelectual; nom digo que nom tenha virtudes, nem digo que a culpa seja sua, mas o cenário nom me resulta muito grato. Acredito mais na criatividade, no bom sentido, das classes populares, e se nom acreditasse nisso nom faria nenhum sentido o que estou a defender, que no que diga um intelectual. E penso que as classes populares muitas vezes som mais conscientes dos problemas que os intelectuais vendidos do sistema.

“Acredito mais na criatividade, no bom sentido, das classes populares, e se nom acreditasse nisso nom faria nenhum sentido o que estou a defender, que no que diga um intelectual.”

Precisamente certa esquerda revolucionária aponta que o decrescimento está mais ligado ao mundo da investigaçom, à academia mais crítica, do que às classes populares. E que o que propom é mais umha fugida do conflito social que a sua superaçom através da luita. Existe um risco de individualismo e escapismo?

Si, já dixem antes que estas críticas nom estám desprovidas de alicerces, em muitos casos. Noutros é diferente. Por exemplo, mencionei Serge Latouche, o principal teórico. Ele nom é um crítico do capitalismo em nenhum caso. Em realidade, a réplica devia ser: ‘vós, que credes ser críticos do capitalismo, sem embargo aceitades o crescimento económico, e a sua mitologia, um elemento central do sistema. Logo um tem direito a concluir que sodes vós os que nom sodes críticos do capitalismo, porque esquecedes dimensons fundamentais’. Mas em qualquer caso, todos esses riscos estám aí. E estám os riscos da absorçom do discurso do decrescimento por parte do sistema, como tantas outras mercadorias ideológicas. Mas é significativo que o decrescimento tenha vinte anos e até o de agora essa absorçom nom seja tam evidente. Nom sei se a invençom de termos como este de post-crescimento nom vaia no caminho da absorçom do termo. Quem aceita termos como estes parece querer ficar no mero terreno da crítica académica, ou apostar na simples transformaçom da vida individual. Eu tenho dito muitas vezes que, ao meu entender, qualquer contestaçom ao capitalismo no século XXI deve ser decrescentista, autogestionária, antipatriarcal e internacionalista, porque senom carreta estes quatro elementos, do meu ponto de vista, estará movendo o carro do sistema. E parece-me que essa esquerda pola que perguntas nom está nessa perspectiva.

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Com Teresa Moure, Leandro Rosa e Begoña de Bernardo, no congresso.

E que opiniom che merece a posiçom da esquerda institucional ?

A relaçom da esquerda institucional com o decrescimento é nula. No melhor dos casos materializa-se em assinar um manifesto, o que reflecte as suas contradiçons de maneira dramática. Pablo Iglesias assinou aquele manifesto Chamada derradeira há três anos, um bom manifesto, e dous meses depois designa dous economistas socialdemocratas tradicionais e nada imaginativos que defendem literalmente o contrário. Nom espero nada disto. E quando falo disto falo de todas as forças políticas que vivem das instituiçons e das eleiçons. O seu discurso no melhor dos casos é socialdemocrata, socialdemocrata consequente, digamos, nom miserento, como o do PSOE, mas quando umha força política acredita na instituiçom Estado, rejeita a autogestom, e nom coloca no miolo das suas preocupaçons a reflexom sobre o colapso, isso conduz inevitavelmente a umha proposta socialdemocrata; algo bastante triste no caso de forças que provenhem do leninismo, e que em princípio parecem antitéticas da socialdemocracia. Bom, este é o panorama. Se reparamos nos sindicatos… o panorama é ainda mais tétrico, a obsessom com o salário e com o emprego fai com que todos os demais temas (as mulheres, a ecologia, as guerras imperiais), fiquem fora das suas preocupaçons. Sabes que algumha vez eu distinguim entre o regime e o sistema: as forças políticas polas que me perguntas proponhem discussons amiúde interessantes sobre o regime; sobre o bipartidismo, a corrupçom, a república, a monarquia… mas rara vez falam do sistema que está por trás: capitalismo, mercadoria, trabalho assalariado, exploraçom, alienaçom, sociedade patriarcal, o colapso… estes debates nom estám na sua cabeça, e o que há por trás é um curtopracismo, traço fundamental dos sistemas que estamos a padecer.

Entom mantés-te numha posiçom de cepticismo radical face as instituiçons?

Si, há muito tempo. É que eu nom conheço nenhum exemplo consistente de que desde as instituiçons se tenham defendido, de maneira consistente e prolongada, espaços autónomos e autogeridos, desmercadorizados e despatriarcalizados. Nom há um só exemplo disso; o que há som muitos exemplos de captura disso em proveito dumha integraçom progressiva no sistema. De tal maneira que ainda que o projecto é muito difícil, porque o listom está muito alto, eu tenho que apostar nisto, na confiança em que no futuro muitos projectos sejam capazes de federar-se entre si, e de aumentar a sua dimensom de confronto com o capital e com o Estado. Nom, nom se trata disso de marchar a um monte e plantar patacas e tomates; trata-se de artelhar umha sociedade diferente. É verdade também que um velho anarquista discutiria este projecto, e diria: nós, desde 1936, apostávamos em expropriar o capital; o que se passa é que a nossa fraqueza é tal que nom estamos em condiçons de expropriar o capital, temos que procurar passos mais pequenos. Na atualidade vejo as bases dos movimentos em parte desnortadas e em parte desiludidas depois de muitos anos de luita. O de desnortado é mui opinável, mas o da desilusom é claro. Vejo-o claro nas bases do BNG, que ainda nom se recuperárom do acontecido com o governo bipartido, quando a sua força se fijo umha força do sistema, e ainda por riba num papel subordinado. Seguem nesse bucle, sem saberem processar o que aconteceu. E a ilusom é importante, porque boa parte da militáncia de base precisa ilusom, ver como se vam conseguindo pequenos resultados; e a gente nom os percebe, o que percebe é o agravamento das condiçons gerais, e isto dissuade de participar. Em Madrid creo que acontece, fazendo as correcçons oportunas, o mesmo. Houvo um momento de estoupido, de cousas interessantes, o 15M, mas a pegada esmoreceu. Umha facçom acabou na política institucional de maneira miserenta, e si, o que fica é muito valioso, para mim é a ponta de lança da resistência nos bairros. Mas este é um dado de ida e volta, porque se temos que assumir que o 15M de hoje é muito mais fraco que o de há seis anos… estamos a dizer que a contestaçom é muito fraca.

“Algumhas das cousas que venhem dos países do sul trazem elementos interessantes: o de Rojava, umha regiom tam castigada, artelhado por um movimento que defende a autogestom. Seguro que idealizamos isto, mas além da idealizaçom há elementos sólidos. O de Chiapas, por exemplo, reflecte como há pessoas no sul que estám menos capturadas pola lógica mercantil.”

Ora, a proximidade do colapso pode ter o efeito de estímulo de iniciativas contestatárias que hoje nom vemos claramente na biologia dos movimentos. Como penso que algumhas das cousas que venhem dos países do sul trazem elementos interessantes: o de Rojava, umha regiom tam castigada, artelhado por um movimento que defende a autogestom. Seguro que idealizamos isto, mas além da idealizaçom há elementos sólidos. O de Chiapas, por exemplo, reflecte como há pessoas no sul que estám menos capturadas pola lógica mercantil. Fora disto, devo confessar que desconheço por completo a biologia dos movimentos sociais, creo que o nosso conhecimento disso é muito escasso. Quem esperava o 15M? Porque jurde num momento determinado? Suponho que porque se acumulam objectivamente e azarosamente determinadas circunstáncias… nom sei. Intuo que a proximidade do colapso vai trazer mudanças na resposta popular. Há que confiar em que a cabeça da gente conduza a novos horizontes; e olho, falo da gente normal, que muitas vezes esquecemos nos nossos guetos na esquerda. Essa gente normal pode ter grande capacidade crítica e sentido comum.

“É um paradoxo interessante; eu sempre dixem, as bisbarras tradicionalmente mais deprimidas som as que exibem condiçons mais ventajosas para fazer frente ao que vinher, porque precisam menos tecnologia e menos energia.”

Procurando trazer o debate do decrescimento ao nosso espaço nacional, muitas vezes considera-se que as condiçons sociais, físicas e geográficas que vivemos galegas e galegos dá um acento distintivo à aposta por um modelo radicalmente diferente. Que achega a galeguidade ao projecto decrescentista?

Bom, em termos gerais o cenário é mau: estamos ante o colapso objectivo do rural, dentro dum colapso do modelo territorial. O último livro de Xosé Constenla fala precisamente desse tema. Dito isto, o panorama desta biorregiom, que inclui a Galiza e o norte de Portugal é menos mau que no resto da Península Ibérica. Há quatro razons: umha capacidade de geraçom de energia relativamente importante (que reclama muitas transformaçons, certamente, como também em Portugal); segundo, as mudanças climáticas, o previsível é que nom se produza na biorregiom galaicoportuguesa o incremento das temperaturas que se vai verificar no sul ou nas costas do Mediterráneo; terceiro, as condiçons das cidades. É importante isto, porque umha das demandas dos movimentos pola transiçom é que desapareça a cidade entre a cidade e o mundo rural, e na realidade, na maioria das nossas vilas, isso é o que acontece, nom há fronteira definida entre um e outro. Porto mesmo é como umha vila galega, onde as leiras chegam aos bairros; e a maioria das vilas galegas som assim, se cadra a excepçom é Corunha, pola sua situaçom peninsular. E o quarto e último elemento é a vitalidade agrícola e gadeira, fundamentalmente gadeira. O livro de Constenla já lembra que Galiza é a comunidade autónoma com umha presença mais forte do sector primário; algo que normalmente foi percebido como umha tragédia, mas que paradoxalmente vira em avantagem em situaçom de colapso. Por isso é verdade que o nosso cenário nom é tam terrível. É um paradoxo interessante; eu sempre dixem, as bisbarras tradicionalmente mais deprimidas som as que exibem condiçons mais ventajosas para fazer frente ao que vinher, porque precisam menos tecnologia e menos energia. Claro, logo veremos que pode acontecer, porque de se verificar o colapso, muitíssimas pessoas das grandes áreas urbanas vam deslocar-se a essas zonas, polo que as avantagens iniciais podem trocar-se no contrário.