Hoje, umha minoria de galegas e galegos, normalmente compadecidos por viverem em zonas incomunicadas, ditas atrasadas e privadas de serviços, acordam a inveja sá de muitos compatriotas. Aqueles que, mergulhados no coraçom da sociedade tecnológica, na grande conurbaçom dos serviços e as comodidades, aturam umha reclusom em espaços reduzidos, rodeados de artefactos, longe da vegetaçom e do ar fresco, e privados de vida social para além dos telefones. Mais do que nunca, e apesar de levarmos um par de dias de quarentena, temos saudades da natureza e dos espaços abertos da liberdade e os longos horizontes. Por isso nesta terça conhecemos a águia, para que nos anime um emblema de soberania e de força.

A palabra águia é apenas um nome comum para nomear várias aves da família Accipitridae, algumhas endémicas do sul da Europa. Na Galiza som-nos familiares a águia calçada ou a águia albela, mas hoje imos falar da águia por excelência: a Aquila chrysaetos, que nós nomeamos águia real, e nos países de língua inglesa alcumam ‘golden eagle’, águia dourada. Se o leom foi desde os alvores da história (rivalizando com o urso) o rei das bestas, a águia foi a rainha das aves. Na contemporaneidade perdeu importáncia para os humanos e a veneraçom esgotou-se, polo que foi mais e mais danada pola nossa destruçom industrial.

A diferença de quase todos os animais que povoam esta secçom cada semana, a água nom precisa descriçom, sendo como é a mais afamada de todas as aves. Ora, como é habitual confundirmos as diferentes aves de rapina, permita-se-nos dar algumha pincelada: estamos ante um animal de porte imponhente, com até 90 centímetros de cumprimento; a envergadura com as asas extendidas chega aos dous metros. A sua cor é castanho escuro, mas a plumagem amarela da testa e do lombo quiçá inspirasse algumha língua para defini-la como dourada. Dourado é o seu peteiro, que escurece para negro. A diferença de outros animais, a fêmea é maior do que o macho. Quem quiger identificá-la em voo deve fixar-se na forma triangular das asas, e também nas faixas branca e preta da sua cauda.

Por milhares de anos dominou os céus da Europa. Nom admira, desde que precisa de cordais rochosos e zonas de bosque; precisamente aquela orografia que definia o nosso continente. No sul habita umha subespécie denominada Aquila chrysaetos homeyeri, e a paisagem galega valia-lhe de fogar à perfeiçom. Precisa de grandes alturas, e a nossa Terra tem-nas; toda a faixa occidental do território, nomeadamente as comarcas irredentas do Berzo ou da Cabreira, eram-lhe predilectas.

Serras ourensanas, território da águia. Imagem: turgalicia.com

A águia real é o modelo de súper-depredador: caça todo tipo de espécies e ninguém a ameaça, nom sendo o ser humano. Estudos ornitológicos demonstrárom que pode caçar mais de 50 tipos de presas. Para além do coelho ou a lebre, os seus preferidos, tenhem-se registado ataques contra cabras montesas, rebezos, cervos, outras aves de rapina…e até lobos. Com os seus kilogramos de peso, as suas temíveis gadoupas e um peteiro que desgarra, a águia real lança-se desde as suas atalaias sem hesitaçom.

Adoita ter mais dum ninho, sempre de grande tamanho, e situado em paredes rochosas de difícil acesso, ou em árvores muito copudas. Acolhe dous exemplares monógamos com as suas crias, em galego chamadas aguiotos. Em março desova, e precisamente agora, até o mês de setembro, entramos na jeira de maior visibilidade. As águias aproveitam as correntes térmicas para elevar-se até alturas ventajosas, e é entom quando podemos contemplar como pairam.

Sobrevive na Galiza?

A águia real recebeu protecçom internacional já na década de 70, ao abeiro do conhecido Convénio de Berna, que no seu anexo II registava a sua vulnerabilidade. As mudanças da paisagem rural e de montanha a partir desde a década de 60, e até bem entrados os 90, causárom a sua diminuiçom em toda a Europa. A partir de entom começam políticas de protecçom ou reintroduçom, com resultados duvidosos. Na Galiza, no 2007, associaçons ambientalistas e ornitológicas pedírom um compromisso mais decidido da Junta na defesa da espécie. A proliferaçom das linhas de alta tensom, os cebos com velenos deixados polos caçadores, e obviamente a invasom eólica fixérom quase desaparecer esta espécie do seu hábitat natural. Levemos em conta que um núcleo familiar de águias reais precisa um espaço de arredor de 100 kilómetros quadrados polo que mover-se, com o que qualquer vulneraçom de espaços virgens resulta daninha.

Na jeira que vai de 1997 a 2005 a Junta de Galiza apenas desenhou um plano de protecçom parcial para as águias reais do Jurês; na primeira década deste século, afirmava-se que viviam várias parelhas na serra dos Ancares e em Jares, na Veiga, no Maciço Central. Segundo o blogue naturalista rios-galegos.com, em 2016 estavam registadas polas instituiçons 13 parelhas (parte delas reintroduzidas), mas o gestor do web nom se atreve a certificar a informaçom.

A águia e os mitos

Por que a águia real inspirou poderio? Podemos começar a rastejar na etimologia: para alguns estudiosos, a palavra latina Aquila procede de Aquilus, “preto”; para outros, de Aquilo, vento do norte. Negrura, altura, força, rapacidade…seja como for, todo adjectivo que se lhe apujo historicamente vinculou-se com a força. Lucano e Plínio o Velho tinham a crença de que a águia podia mirar directamente à luz do sol sem cegar-se. A ideia seguiu vigorante durante a Idade Média. Na Grécia, Zeus converte-se em águia com frequência, e em Roma a ave é emblema de Júpiter. Associa-se com o Império e o emperador; ao ser este soterrado, ceivava-se um águia para subir a sua alma ao céu. Nos Salmos bíblicos, compara-se a juventude (a energia) com a águia, e num contexto bem distinto, o da mitologia nórdica, umha grande águia empoleira-se na copa de Yggdrasil, o freixo que sustém o mundo.

Ao que parece, os celtas gostárom de animais mais humildes (o salmom, o cervo, a doninha, o cam, o lobo) e a águia nom sobressai especialmente na sua mitologia. Associamos de sempre aos Impérios, e por isso os galegos, vítimas dum Império que nasceu no leste, nom parecemos identificar-nos com um emblema que utilizou Roma, logo a Castela de Isabel “A Porca” (como lhe chamavam os velhos galeguistas) e finalmente Franco, um galego renegado e inimigo de todo o nosso. Mas devêssemos ter capacidade para dissociar os animais da sua utilizaçom interesseira, e identificar esta ave com outra inspiraçom mais saudável: o horizonte das nossas serras, o silêncio, a natureza nom estragada polo betom e as ánsias de lucro.