Na Galiza somos vários os meios de comunicaçom que trabalhamos na nossa língua dumha perspectiva comunitária: sem subvençons, com escaso ou nulo apoio empresarial, sem o suporte de agências, e valendo-nos apenas do apoio generoso dos sectores organizados do país. A nossa luita nom parte de zero, e além de antecedentes remotos (com o jornal bonaerense A Fouce em primeiro plano) hoje queremos lembrar um dos nossos precedentes directos: o o boletim cultural A Gralha, que há um quarto de século abriu as portas do reitegracionismo e da causa galega a centos de moços e moças de todo o país.

Corria o mês de fevereiro de 1994. Na nossa Terra, o fraguismo vivia em pleno assentamento, o independentismo entrava em debalar trás a queda do EGPGC, e o nacionalismo virava mais e mais institucional. Sem internet nem móbeis, um novo tecido juvenil baseado no trabalho voluntário inçava a Galiza de colectivos reintegracionistas de base: Artábria em Ferrol, CRÊS em Ogrobe, ARO em Ordes, Meendinho em Ourense, Bonaval em Compostela…com muita ilusom, autofinanciamento, e sem mais contacto que apartados de correios e algum telefone fixo, punham-se os primeiros alicerces do que seria um grande movimento associativo, idiomático obviamente, mas também político, declaradamente independentista e combativo.

Imagem: arquivo CS Mádia leva

A Gralha, editada em Ourense, era de partida umha modesta folha agitativa: “um boletim que nom pretende ser outra cousa que porta-voz das Associaçons Reintegracionistas Galegas”. Língua e biodiversidade vam sempre ligadas, e por isso as promotoras esclareciam as razons do cabeçalho: “Longe de vermos nas gralhas o que outros pobres de espírito, aves feias e agoirentas, vemos uns passaros sóbrios e livres que no seu grasnar manifestam, como o afamado corvo de Poe:-Nunca, nunca mais. Nunca mais. Nunca mais Galiza desunida, nunca mais a Língua deturpada, nunca mais…” Com palavras muito contundentes, da Gralha manifestavam: “dada a actual situaçom de genocídio cultural que vive o nosso povo, dessangrando-se dia após dia, este precisa de todas as maos, ou melhor dito de todos os cérebros, polo que se fai imprescindível a tua colaboraçom.”

Nesta sua primeira fase, o boletim dá conta das muitas actividades de rua dos colectivos reintegracionistas de base, oferece pequenas noçons da grafia histórica, e completa-se com umha secçom de passa-tempos. Na altura a publicaçom chegava aos mil exemplares, cantidade nada desprezível na época. Repartia-se de graça e apoiava-se em assinantes e trabalho militante, com muita insistência nas bibliotecas públicas e nos centros de ensino meio.

Da questom cultural à questom política

Com umha contundência que quase desapareceu da literatura panfletária galega, a Gralha significava-se por apontar contra o servilismo cultural, que atou tantos intelectuais à grafia ILG-RAG, e que em geral produziu um pensamento medíocre. No verao de 1994 denunciavam: “foi criado o Instituto Super-Piñeiro, queremos dizer o Super-Instituto Ramón Piñeiro, com umha funçom fiscalizadora e por que nom dizê-lo, inquisitorial, para um absoluto controlo do mundo cultural, a cultura enlatada que tanto odiava Castelao.”

Imagem: arquivo CS Mádia leva

Do mesmo modo, a Gralha nom poupava críticas à marginaçom que padecia o reintegracionismo nos meios do nacionalismo institucional, e à sua benevolência com o oficialismo cultural: “nom nos suprende a ausência do Reintegracionismo (n’A Nosa Terra), pois sempre nos usam para encher as cartas ao director, anúncios e suscriçons. Mas o máximo do desprezo é dar espaço no seu semanário a gentes que tenhem pouco que opinar sobre o galego e a normalizaçom (…) Também nom podiam faltar os integrantes do Circo Normativo, os que vivem e bebem do idioma, dos subsídios, das prebendas e do circuito do castrapo.”

Em cada número detecta-se umha orientaçom mais social e política (que nom partidária), e a sua análise da questom idiomática passa a ser umha análise da questom nacional galega em toda a sua dimensom. Depois dum ano de trabalho, em 1995 afirmam que podem dar novos passos, desde que “aumentam as ideias, aumentam os assinantes, aumenta o número de colaboradores e a Gralha precisa dum ninho mais espaçoso. Aproveitamos o ensejo para, a partir do próximo número, remodelar as secçons e introduzir novas colaboraçons (…) serám o duplo de páginas”, diz-se no número 5.

Dumha perspectiva genericamente galeguista, a publicaçom apoia toda causa social e política relacionada com o país, e assim em 1997 vemo-los editorializar favoravelmente a favor dum hipotético governo galego em coaliçom entre BNG e PSOE (naquelas eleiçons o nacionalismo batera os seus registos eleitorais históricos). Ainda, a simpatia mais marcada é com o arredismo, que já na altura apostava com clareza pola ortografia histórica. No verao de 1996 a Gralha dá notícia da assembleia constituinte da AMI, “com umha organizaçom à altura dos mais grandes eventos”, no ano seguinte denuncia-se a intervençom policial contra esta organizaçom numha manifestaçom na Corunha, e no mesmo número entrevista-se Árias Curto, com o cabeçalho “A guerrilha como vida”. Na Gralha também se dá eco à fundaçom de Siareiros Galegos (na altura com este nome, apenas em masculino), ao juízo a insubmissos e, como nom podia ser de outro modo, ao nascimento do Movimento de Defesa da Língua, que vai coordenar de maneira efémera todo o reintegracionismo de base. O boletim mediará numha das pequenas controvérsias dos 90, a legitimidade e o efeito das pintadas independentistas que começam a inçar os muros do país. Em outubro de 96, desconhecidos ousam pintar no monumento a Bóveda em Poio, e corrigem a palavra “Galicia” por “Galiza”. Para muitas, mesmo galeguistas, foi umha ofensa. A Gralha editorializa: “os graffitis som berros nas paredes, cantos à liberdade de expressom, desde que nom destraguem o património histórico. É o recurso que lhe fica ao povo, quem nom tem voz na comunicaçom social. (…) Com todo este panorama no nacionalismo mais representativo (a utilizar a forma “Galicia”), compreendemos a decisom que algumha mao anónima poda tomar para corrigir a ignomínia, o insulto a Bóveda e de passagem a todas as pessoas que contribuírom com a sua vida à formaçom do nosso sentimento nacional colectivo. Alguns chamarám-nos vándalos, mas nom importa, será um acto de restauraçom do património.”

Normalizaçom pola base

É esta, quiçá, a palavra que melhor lhe acai à Gralha. A visom galego-portuguesa da língua existia e praticava-se em organizaçons políticas e armadas independentistas, mas nunca tivera o formato dum boletim dirigido ao grande público. Milhares e milhares de rapazas conhecêrom na altura a existência da grafia histórica, labor reforçado com a ediçom da “História da língua em banda desenhada.” Aliás, o boletim foi precursor na difusom massiva de material formativo e propagandístico galego: livros galegos e portugueses, camisolas com motivos do galeguismo clássico, colantes reivindicativos. E também os hoje clássicos “GZ”, apresentados ao público em dezembro de 1996: “dum tempo a esta parte veu-se popularizando um adesivo com a letra G sobre um fundo com umha banda azul. Devemos prescindir da banda que lhe dá um aspecto folclorizante ou regional, e fazermo-lo sobre fundo branco como qualquer outro país (…) os códigos empregados nos autocolantes (de matrículas) seguem umha convençom internacional adoptada (…) polas Naçons Unidas (…) Portanto, dado o nome da nossa naçom ser Galiza e nom qualquer outra forma deturpada, é polo que aquí reclamamos: GZ.”

Pensamento de reintegracionistas como Carvalho Calero foi levado à rua por
publicaçons como a Gralha. Imagem: cadernodacritica.wordpress.com

Obviamente, a boa acolhida recebida pola Gralha em círculos galeguistas explica a sua difusom, até a sua desapariçom em 1997. Mas por trás da sua continuidade está um trabalho muito constante e desinteressado construído com o esforço militante, esforço que o país deve agradecer. Nuns tempos sem selfies nem redes sociais e muita menos egolatria, as fotos dos protagonistas estám ausentes, e nenhum dos artigos está assinado por pessoas concretas. Mas satisfaçom abonda é ter contribuido para a socializaçom de elementos tam importantes da nossa luita nacional, muito vivos duas décadas mais tarde.