(Imagem: cadoiro do Belelhe, em fervenzasdegalicia.blogspot.com) Otero Pedraio deixou escrita umha frase que passou a converter-se em parte da linguagem comum: “Galiza é o país dos mil rios”. Pola densidade da nossa rede hidrográfica e o accidentado do terreno, o país apresenta umha especial riqueza de cursos fluviais, que é também riqueza de flora e fauna, de património e toponímia. Neste outono e inverno climatologicamente estranhos, mas generosos em precipitaçons, podemos contemplar os seus cursos cheios, e aproveitar os bons dias de primavera para conhecer os seus recantos mais desconhecidos: as fervenças.
Como acontece sempre que falamos de natureza, o europeu médio, urbano, conhece as fervenças polas imagens que entrárom no seu fogar em repetidos documentários sobre o mundo natural. Hoje internet permite-nos pesquisar e logo conhecer sobre o terreno. O meritório blogue “fervenzas de Galicia” regista mais dum cento de cadoiros que podemos desfrutar, sempre que o figermos com respeito e discreçom.
As caídas de água vinculam-se com o mais espectacular da paisagem, e assim estamos afeitos a ver a distáncia o conhecido Salto del Ángel, o cadoiro venezuelano com quase um kilómetro de altura, ou a imponhente Tugela, na Sudáfrica, que vai por trás no ranking por apenas 30 metros de diferença. As pessoas melhor informadas saberám que a Europa tem os seus próprios monumentos naturais, como a colossal fervença norueguesa Morgelfossen, que cai desde quase 800 metros de altura antes de esfragar-se contra o leito fluvial.
Se fixermos umha pregunta sobre o conhecimento popular das fervenças, é possível que déssemos com um grande silêncio. E porém, apesar de as nossas fervenças serem de dimensons mais humildes, som algumhas das jóias mais notáveis do património natural e paisagístico. Os devanceiros conheciam-nas muito bem, mesmo se estas se atopavam (como é frequente) em espaços recónditos. E assim, a língua volve a exibir a sua riqueza, para denominá-las abanqueiros, cadoiros, freixas, rugidas, rugidoiros, saltos, ou saltos de água. No caso de serem pequenas, recebem o nome de cachoadas, cachoeiras, cachons, calhons ou pincheiras. Desde que o uso da língua em tempos pre-modernos era muito preciso, nomeadamente quando se tratava de delimitar o território, o galego diferencia as distintas partes da fervença: o lugar onde a água “salta” devido ao desnível é a censa; a fervença, propriamente, seria a parte escumosa; e finalmente, a poça onde a água brua e ergue umha nuvem de pingas em suspensom é a mergulheira.
Como todos os lugares inóspitos, acordárom a desconfiança da sociedade campesina; como as praias ou os cúmios dos montes, estes espaços incultos, sem lavrar, inóspitos, vírom-se sedes de forças escuras; ainda que, na ambivalência própria da cultura popular galega, também inspirassem lendas de raiz pre-cristá onde um vizinho era submetido a provas por mouras ou encantos. Entre as tantas lendas relacionadas com cadoiros e poças, topamos a do Poço Sangoento, perto do Monte Seixo, um dos grandes referentes da Gallaecia pagá, segundo mostra a pesquisa recente.
De Viana à Marinha
Agás contadas zonas de penichairas ou depressons (Terra Cha, Límia, Berzo), o relevo do nosso território, a infinidade de montes, outeiros e vales, facilita a proliferaçom de cadoiros, de norte a sul, e das serras mais esgrévias. Quem quiger conhecer o salto de maior altura, em queda nom directa, de toda a Galiza, terá que viajar ao rio Cença, em Vilarinho de Conso, no coraçom da bisbarra montanhosa de Viana. O Cença é um afluente do Bibei que desce em baixada abrupta por mais de cem metros. Como mais umha mostra da desconsideraçom de tantas empresas inescrupulosas pola paisagem, cumpre dizer que umha pedreira cercana, na paróquia de Castinheira, alterou o curso do Cença, e portanto a própria fervença.
Muito longe de ali, na Marinha, tem grande sona a Fervença do Escouridal, no rio Ouro, entre os concelhos de Alfoz e Valadouro. Os especialistas afirmam que o conjunto tem umha queda de até 150 metros, mas a parte estrita do cadoiro nom supera os 80 metros. De igual beleza, ainda que da metade de altura, é a Fervença do Belelhe, no rio do mesmo nome, no concelho de Neda, e muito perto das emblemáticas Fragas do Eume. O cadoiro do Belelhe cai 45 metros e forma umhas poças naturais. Pola sua cercania à Ferrol, é das fervenças mais conhecidas do país, muito querida por parte da populaçom urbana. Com ela rivaliza em altura umha seimeira mais oculta, mas de parecida beleza, que se topa nas montanhas orientais. Referimo-nos à fervença de Vilapocende, em Sam Martim de Návia: na demarcaçom municipal da Fonsagrada, o rio Portelinha cai 50 metros no seu caminho cara o Návia. Por cima de ambas as duas está a do rio Toxa, em terras do Deça. Visitá-la é afundar nas terras de Carvoeiro, onde se acha o mosteiro do mesmo nome, fundado no século X, e quiçá dar também com a igreja de Breixa, umha das jóias do nosso románico.
Dos cadoiros modestos ao monumento natural do Éçaro
Dúzias de seimeiras podem levar o qualificativo de modestas, sem isso restar-lhes nenhum tipo de valor ambiental ou estético. O desejoso de perder-se por vieiros pouco transitados pode visitar (entre muitas e muitas outras) a de Entrecruzes, em Bergantinhos, onde o rio Outom se achega ao Rio Grande; a de Férveda, em Silheda, com os seus 15 metros de altura, e parte integrante dum Lugar de Interesse Comunitário chamado Branhas de Gestoso; a das Hortas, entre Touro e Arçua, na paróquia de Dombodám; a de Toxosoutos, no rio Sam Justo, quando este se achega ao Tambre quase na Ria de Noia.
O nome que mais sona a todas as galegas e galegos é, porém, o Éçaro. O lugar, único na Europa, foi profanado polas barragens de Ferroatlántica. Manuel Fraga pagou favores ao capitalista Villar Mir e, durante décadas (desde os anos 80) o povo foi privado de ver a única fervença europeia que cai a pico sobre o mar. É em Dumbria, ao pé do Monte Pindo, que com os seus 630 metros abre passo à Costa da Morte, e que foi para os precursores o nosso Olimpo Celta. Em 1724, um Frei Martim Sarmento viageiro já deu conta desta impressionante obra da natureza, que no século XVIII era chamado “cadoiro”. Os visitantes dim nas crónicas que desde as terras do interior já se ouvia, e difuminava o horizonte com umha nuvem de pingas e vapor. Tem um desnível de 155 metros e cai durante quase 50, numha paisagem marcada por microformas graníticas muito especiais, e povoada polo carvalho anano. Dando a razom parcialmente ao movimento popular, a Junta modificou parcialmente o aproveitamento de Villar Mir, e agora as visitantes podem ver durante todo o ano como o cadoiro cai ao mar. A zona Pindo-Éçaro é Zona de Especial Conservaçom, mas o estatuto está muito longe da reclamaçom do povo organizado: Parque Natural, como defende a associaçom do mesmo nome. Possivelmente o dia em que um governo galego digno de tal nome blinde estes espaços como realmente se merecem, vivamos entre um povo que estima o seu, dotado dumha República galega que conserva as suas jóias.