Achegamo-nos ao entruido lucense da mao de José Manuel Blanco Prado, que fai um percurso antropológico polos entruidos mais senlheiros do nordeste galego.
Características gerais do entruido
O entruido é umha expressom latina que significa dumha perspetiva cristiá “adeus à carne”, já que se relaciona com os derradeiros dias em que se podia comer animais antes da chegada da Quaresma. Assi o manifesta a seguinte cantiga:
Adeus, martes de Antroido
Adeus, meu amiguinho
ata o Domingo de Páscoa
nom comerei mais toucinho
Entre as características mais salientáveis do entruido assinala a dimensom ritual, onde a máscara e o disfarce atingem forte protagonismo. Ademais, é também concebido como um tempo para o excesso, no comer e no beber, e para a folgança. Este ritual também é o cenário da burla e da crítica social e política, neste sentido um bom exemplo som os sermons, quase sempre escritos por pessoas de grande engenho e inventiva. Ainda podemos assinalar outra face do entruido que tem a ver com um período de transiçom sazonal cara a primavera e como símbolo de vida e fertilidade frente a morte, momento de renascimento da primavera. Finalmente, destaca desta festa senlheira o carácter público frente ao privado, as casas abrem as portas a todas as vizinhas e colaboram na festa de forma direta ou indireta, favorecendo os relacionamentos afetivo- sexuais.
Ciclo do entruido do nordeste galego
Seguindo o esquema do grande intelectual, teórico do nacionalismo galego e etnógrafo Vicente Risco este é o ciclo mais comum do entruido, com as vilas e aldeias mais significadas por José Manuel Blanco:
DIA | VILAS E ALDEIAS |
Domingo Fareleiro | Ribeira de Chantada, Santiago de Arriba |
Xoves/Quinta-feira de compadres | Vilas da Terra de Lemos (Bóveda, Monforte de Lemos, Pantom, Póvoa de Brolhom, o Savinhao, Sober…) |
Domingo corredoiro | Ribeira de Chantada. Há ofícios em Santiago de Arriba. Intervenhem volantes, peliqueiros, e maragatos. |
Xoves/Quinta-feira de comadres | Vilas da Terra de Lemos. O mais importante para o autor: Monforte de Lemos. |
Domingo de entruido | Bailes, concursos de disfarces e desfiles como os das madamas e galans em Salcedo (Póvoa de Brolhom), que também saem o martes de entruido. A representaçom de ofícios em Salcedo, Santiago de Arriba (Chantada) e em Nogueira (Chantada). |
Luns/Segunda-feira de entruido | O Urso de Salcedo, Póvoa de Brolhom. |
Martes/Terça-feira de entruido | Jogos e ofícios de Santiago de Arriba (Chantada). Participam voltantes, choronas, peliqueiros e maragatos. No entruido do “Val do Franco” (Ansemar, Balmonte, Goberno) atualmente som importantes os seguintes atos: O sermom, o testamento, a Queima e finalmente o baile. |
Mércores/ Quarta-feira de cinza | Enterros da sardinha na cidade de Lugo e nas vilas de Burela, Monforte de Lemos, Vilalba, Viveiro… |
Sábado e domingo de Pinhata | Em vilas como Lourençá celebram bailes e desfiles de disfarces. A queima do Entruido em Ribadeo, que é o maior da província |
O ENTRUIDO RIBEIRAO
As máscaras som um símbolo das inversons da ordem, dos valores e constituem, dalgum modo, umha representaçom do homem como animal face o homem num âmbito social. Em suma, é patente o confronto entre natureza e cultura. Os dias de festa som considerados como um tempo de lazer e de grande liberdade, ainda que esta apenas fique refletida nas suas aparências externas, já que a inversom dos valores e a encenaçom de diferentes comportamentos, eventos e profissons sociais tenhem como fim o fortalecimento das instituiçons de poder.
Igualmente o entruido também serve para acrescentar o sentimento de pertença a umha unidade social, neste caso à parróquia, já que cada umha delas tem o seu peculiar jeito de celebrar a festa: vestir-se de volantes; intervir como mecos nos ofícios, etc. Este sentimento tam arraigado da identidade nestas comunidades da Ribeira chantadina pode possibilitar umha projeçom supra-parroquial na procura dos elementos comuns desta práticas festivas em prejuízo dos particulares. Finalmente a riqueza e diversidade cromática dalgumhas máscaras, como os volantes, assi como o rítmico som das duas duzias de campainhas, que levam nos seus cintos, esperta vivências, sentimentos e move os vizinhos a fazer parte do evento.
O Urso de Salcedo
Nas sociedades antigas europeias os ursos associavam-se com seres do submundo já que se cria que os seus espíritos moravam no interior da terra. Assi, o urso, na sua letargia invernal, permanece numha cova durante meses. Comenta-se que se o urso, ao acordar, sai da cova e vê tudo negro -período de lua nova- acaba o período invernal; mas se é lua cheia voltará a dormir quarenta dias mais. Dai que nos entruidos dalgumhas localidades peninsulares e europeias nom seja de admirar ver como os rapazes se tisnam de negro para que o urso veja tudo negro. Polo contrário, em Salcedo, o indivíduo nom se tisna a si próprio, senom que é tisnado polo próprio urso.
Urso de Salcedo
Por outra parte, o professor Yvon Dupouy menciona que noutros lugares os criados realacionam-se mais com a figura do caçador e defendem às vítimas de tal jeito que nom duvidam em matar o urso. Polo contrário, em Salcedo o urso é umha importante entidade benfeitora da comunidade. É um símbolo, que anuncia a primavera e, portanto, mostra-se como instrumento benfeitor da fertilidade, que acontece nesta época.
Finalmente o etnólogo francês Jean Dominique Lajoux defende que as máscaras protagonizadas por ursos som testemunhos afastados dumha religiom de origem paleolítico, um antigo culto ao urso, que existiu em todos os lugares onde viveu ou viviram estes animais.
Xoves ou Quintas de Compadres e Comadres em Lemos
Antigamente o entruido constituía um tempo de lazer, que era aproveitado por todos os integrantes dumha comunidade. Nos concelhos das Terras de Lemos o máximo nível de participaçom tinha lugar nos Xoves de Compadres e de Comadres, tempo em que se permitia umha inversom da normalidade da vida quotidiana refletida num confronto amistoso, mas também real entre homens e mulheres com motivo da queima ou nom dos diferentes bonecos realizados por algum dos coletivos. Esta luita simbólica entre ambos os dous géneros propiciava umha relaxaçom e um desafogo psicológico.
Xoves de comadres. Babela (Distriz) (Monforte). A Cantina de Distriz
Nos nossos tempos, umha série de fatores como a emigraçom, o envelhecimento da populaçom rural, as mudanças da nossa sociedade propiciados polos efeitos da globalizaçom e por umha maior mercadorizaçom, os novos jeitos de lazer devido à televisom, Internet, discotecas, etc. motivaram o declive de muitos rituais nom apenas do entruido, senom também doutras festividades. Neste vale, graças ao trabalho de muitas pessoas continua a celebrar-se, ainda que se perdeu o confronto direto entre géneros e se produziu umha oficializaçom do entruido por parte das administraçons locais que, segundo Marcial Gondar, pode acarretar certa manipulaçom e controlo com umha perda do potenical criador associado dos participantes.
Xoves de compadres. Capela de Sam Lázaro (Monforte). Critica municipal.
Contudo, este xoves continua a cumprir umha relevante funçom pedagógica e didáctica. Isto é devido a que os diferentes grupos de bonecos, quer compadres, quer comadres, representam diferentes eventos sociais, muitos objeto de burla e crítica, alguns de louvança. Ademais, nalgumhas comunidades rurais os bonecos costumam encenar velhos ofícios e tarefas quotidianas. No entanto, cada vez é mais frequente umha intervençom indireta no entruido mediante a observaçom, que dumha maneira direta através da intervençom.
O Entroido no Val de Francos, Castro de Rei
Desde 1992 as parróquias de Ansemar, Balmonte e Governo celebram neste formoso vale o entruido como refletem as seguintes estrofes:
Já que três povos se unirom,
com umha grande ilusom,
numha tarde de harmonia
fam esta celebraçom.
Balmonte, Governo e Ansemar,
juntas o Antroido vam festejar
é tam fermosa esta uniom
que mesmo agranda o coraçom.
Neste entruido apreciamos umha inversom de roles que está refletida nos diferentes disfarces e máscaras que se encontram no campo da festa, sobresaindo as dos fareleiros, que desenvolvem umha performance teatral, espontânea e improvisada ao atuar, com o seu rol característico, entre as pessoas assistentes ao evento. Os fareleiros tenhem também o objetivo de manter a ordem no campo da festa, de abrir passo à comitiva do entruido e de evitar que os espetadores se acheguem de mais à queima.
Máscaras do entruido. Ansemar. Década de 50 do S. XX. Fot. Bernardino Barreiro Fareleiros. Máscara típica do Vale do Franco. ano 2008. Fot. J. M. Blanco Prado
Ademais, este entruido, do mesmo modo que acontece noutras comunidades galegas, é um importante elemento identitário para as vizinhas que moram neste vale agarimoso e formoso, de Francos. Este carácter identitário nom vem dado pola homogeneizaçom de ideias e jeitos de agir dum sistema que impom uns critérios uniformes, senom pola criatividade e espontaneidade dos membros dessa comunidade, na qual se celebra o evento. Além disto, a dança e a música constituem os elementos cume onde a libertaçom da sensibilidade é mais notória, tornando-se patente na rutura das normas, que presionam as condutas dos integrantes dumha comunidade. Deste modo, toda festa possibilita um trânsito do quotidiano a situaçons onde a espontaneidade, a diversom e o relaxamento dos costumes podem ter lugar.