(Imagem: bichosedemaisfamilia.blogspot.com) O dito popular fala da Galiza como “país dos mil rios”; este tesouro natural que multiplica a vida e enriquece a paisagem dá acobilho a milhares de espécies que, quiçá por pouco espectaculares e de comportamento discreto, tendemos a esquecer. Um deles é o merlo rieiro, um passarinho de apenas 18 centímetros que mede como nenhum outro a qualidade das águas. Esta ave de aparência frágil é também um prodígio do desenho natural para sobreviver em tramos dos rios feros aos que os humanos nos custa aceder.
O povo galego baptizou-no como merlo rieiro, merlo peixeiro, merlo troiteiro, merlo acuático ou merlo riadego. Nom come peixe, mas em certa medida imita os hábitos dos pescadores e fai da água um segundo hábitat, quase tam natural como o primeiro. Recebe a denominaçom científica de Cinclus cinclus e pertence à família Cinclidade, que se extende pola Europa, América e Ásia. Nom tem nada a ver com a família dos Turdidae, embora partilhe nome popular com o merlo comum.
Quem caminhar por atençom os nossos rios terá ocasiom de topá-lo; habita em toda a Galiza e na cornixa cantábrica, e ainda que desaparece (desconhecemos os motivos) da costa atlántica francesa e bretoa, reaparece nas Ilhas Británicas e chega cara o norte a terras escandinavas. Também habita o centro e o leste do nosso continente. Segundo estudos ornitológicos, a Galiza tem das densidades mais altas de merlos rieiros nos seus cursos fluviais, o que é umha grande notícia: três ou quatro parelhas a aninharem nuns dez kilómetros de rio demonstram que as águas tenhem um alto índice de pureza. Cada família de pássaros ocupa um tramo duns 3 kilómetros, repartindo-se pacificamente o curso fluvial por treitos com os seus semelhantes. O merlo rieiro é das aves chamadas bioindicadoras, isto é, dá-nos prova da saúde dum ecossistema. Apesar do efeito daninho que lhes causas as minicentrais, a voracidade capitalista nom conseguiu fazer deste passarinho umha espécie ameaçada.
Alguns blogues naturalistas indicam que foi avistado em águas mansas. Porém, quem quiger encontrá-lo, por norma geral, terá que caminhar rio arriba, lá onde o curso alto começa a alcançar pendentes superiores ao 5% de desnível. Se a visitante fixesse incursons em canhons, zonas esgrévias de muita rocha, e até fervenças, alô estará com muita provabilidade o nosso merlo. Entre os meses de março e setembro fai-se especialmente visível, e na temporada de verao podemos assistir à sua mudança de plumagem
Nom é difícil de distinguir: machos e fêmeas som idênticos: tenhem pelagem castanho escura, quase negra, e no papo salienta umha grande mancha branca, como um babeiro. A cauda, curta, permite as suas manobras aquáticas, das que logo falaremos. Surprende, isso si, o tamanho das suas gadoupas, que lhe serve para manter-se ancorado em difíceis posiçons, mesmo baixo a água.
Um grande mergulhador
A sua alimentaçom preferida som as larvas, escaravelhos aquáticos e cabalinhos do demo, todos eles muito presentes nas zonas de águas rápidas, canhons, livres de minicentrais, proliferaçom de lixo incontrolado e poluiçom de agrotóxicos. É precisamente nesse hábitat onde o merlo rieiro pom em jogo todas as suas dotes naturais para a sobrevivência: os seus olhos, como os dum mergulhador humano, cobrem-se baixo o rio dumha membrana que impede o passo da água; cerram-se ouvidos e orifícios nasais. E, valendo-se dumha curiosa protecçom muito desconhecida, o seu corpo segrega um aceite protector que impermeabiliza a plumagem, de maneira que fica totalmente enxoito poucos minutos depois de sair da corrente. A sua média de permanência baixo a água é de 10 segundos, sem embargo alguns avistamentos situárom medírom a sua resistência, em ocasions, em médio minuto. É capaz de andar baixo as águas inclinando o seu corpo contra o fundo do rio.
Resistente mas nom invulnerável
O facto de o merlo riadego estar fora de perigo poderia levar-nos a certa despreocupaçom sobre a sua saúde, como a de tantos representantes da fauna galega. Mas nom esqueçamos que a saúde deste passarinho é, fundamentalmente, a saúde dos rios, e estes continuam a estar ameaçados desde várias frentes: o deterioramento dos bosques de ribeira, as barragens, os efeitos das cinzas dos incêndios sobre as águas, o envenenamento químico. Ainda, a esta listagem de perigos soma-se mais um: a excessiva pressom humana. No verao passado, e numha crítica que passou desapercebida, a associaçom ADEGA alertou contra o anteprojecto de Lei de Pesca Continental. Substitui a norma vigorante de 1992, e pretende, para o ecologismo “ordenar a pesca exclusivamente da perspectiva desportiva ou turística, esquecendo a importáncia de conservar os ecossistemas aquáticos.” A norma introduz um novo tipo de águas de “aproveitamento privado”, usufrutuados por particulares, e que derivarám muito provavelmente numha híper-exploraçom dos rios, com risco para todos os seres vivos que os habitam. Como pano de fundo, a turistizaçom: em declaraçons a Nós Diario, os ecologistas manifestavam que “se alvisca umha clara intençom de converter a pesca nas águas continentais galegas num elemento mais de atracçom turística e de negócio, na linha do ‘efeito Jacobeu’.” Os tramos livres de rio, escarpados e longe da pressom humana, som os que quer o merlo rieiro para caçar e construir ninhos inacessíveis.