Provocaçons iniciais

O Estado, no sentido do Estado racional, somente se deu no Ocidente (WEBER, 2012 [1920], p. 517).

Penso que se a teoria do Estado (…) se pode perpetuar, é porque se move num universo independente da realidade (BOURDIEU, 2012, p. 46)

As duas passagens de Weber e Bourdieu, logo acima, representam bem os debates que serão objeto deste capítulo, acerca daquilo que normalmente convenciona-se por Estado nas ciências sociais e, especificamente, nas Relações Internacionais. Nos debates acadêmicos é bastante comum referir-se a Estados ou Estados-nação sem haver qualquer tipo de problematização do que são tais entidades, devido a uma percepção hegemônica de que são entes dotados de território e população com o monopólio legítimo da violência física dentro de suas fronteiras. Nas palavras de Halliday (2007, p. 91) os teóricos das relações internacionais supõem que nós sabemos o que ele é: Bull, que é uma comunidade política; Waltz, que é, na prática, uma co-extensão da nação. Como um todo, as relações internacionais consideram como dada uma definição específica: o que se pode classificar de totalidade nacional-territorial. Assim, o ‘Estado’ (…) abrange em forma conceitual o que é percebido visualmente no mapa político – o país como um todo e tudo o que está dentro dele: o território, o governo, o povo e a sociedade.

Como forma de melhor compreender a discussão sobre a temática, é necessário fazer os seguintes questionamentos: i) quando se fala em Estado nas ciências sociais e no dia a dia, como o visualizamos? ii) O Estado é comparável a um sujeito dotado de racionalidade e que sempre busca a maximização dos ganhos individuais? iii) se os Estados são entidades “vazias” para os “teóricos clássicos”, ou o lugar onde ocorrem as lutas por hegemonia entre classes para o marxismo, como se pode explicar as diferentes formas de atuação dentro de suas estruturas e que reverberam de formas distintas nos meios doméstico e internacional?

Esses questionamentos têm o intuito de provocar uma autorreflexão acerca da complexidade da temática a ser trabalhada, além de evidenciar um assinalável vazio teórico nos grandes debates das ciências sociais – mais especificamente nas Relações Internacionais – impondo muitas vezes uma lógica ontológica acerca do Estado, ou seja, como um conceito dado, estático, único e imutável. A própria tentativa de propor uma “Teoria Geral do Estado”, trabalhada nas ciências políticas, se fundamenta nos modelos anglo-saxônico e francês, baseando-se num tipo de realidade bastante estrita – geográfica e epistemologicamente ocidental. Todavia, a formação e estruturação dos Estados ao redor do globo acompanharam dinâmicas distintas daquelas que as “teorias gerais” tentam impor, calcado numa realidade de invisibilização na “maioria das universidades que tendeu a ignorar a vasta literatura produzida, embora nas línguas europeias, fora das fronteiras formais da Europa e Euro-América” (THIONG’O, 1993, p. 07).

O colonialismo foi responsável pela destruição e apagamento dos diferentes modelos de organização sociais não-ocidentais, assim como pela imposição de estruturas políticas e sociais exteriores às realidades locais das colônias. Não há como desvencilhar a violência colonial com suas dinâmicas hierárquicas de centro-periferia, da análise sobre a concepção de Estado. O capitalismo/colonialismo foi responsável, através de um processo de co-constituição com o Estado moderno, de impor violências (físicas e simbólicas) contra populações não-europeias – instituindo a questão de raça como classificação hierárquica (MBEMBE, 2016; 2017) – políticas sexuais de “domesticação” e inferiorização das mulheres (FEDERICI, 2017) e contra grupos “não-conformados” e “minorias” no espaço da soberania estatal (BLANEY, INAYATULLAH, 2000).

Essas violências foram legitimadas em nome, muitas vezes, de uma construção da unicidade étnica, social, linguística e cultural sob a égide do capitalismo/colonialismo, assim como de um modelo “mono- organizativo” do Estado (GARCIA LINERA, 2006). Esse tipo de modelo opera, basicamente, a partir dos ideais liberais de normas, funções, instituições e formas de representação política que privilegiam setores e grupos de poder nas sociedades periféricas (e não só), excluindo das discussões, das práticas políticas e decisórias grande parte da população.

É seguindo tais perspectivas que se podem criar possibilidades de compreender a complexidade das lutas políticas – domesticamente e a nível internacional – promovidas nos contextos pós-coloniais, que tem em suas estruturas domésticas questões como: luta de classes, colonialismo interno, disputa entre diversos grupos de interesses: políticos, sociais, econômicos, raciais e sexuais. Como será exposto ao longo do artigo, é, no mínimo, problemático discutir o Estado moderno e desconsiderar a violência colonial como projeto fundador e formatador na construção da modernidade ocidental na periferia. Para isso, há que se alargar as discussões e a própria agenda teórica para visões e contextos outros, a partir das práticas e conhecimentos produzidos no Sul global, com intuito de se levar em consideração os distintos processos ocorridos tanto no centro do capitalismo global, quanto na periferia do sistema mundo moderno, evidenciando o colonialismo como esse projeto estruturador da necropolítica.

Estado e o discurso tradicional: entre a homogeneidade estrutural e as “classes perigosas”

Ainda impressiona a dificuldade nos dias atuais – principalmente quando se fala a partir da periferia do sistema mundo moderno – em se trabalhar a questão do Estado e em compreender o seu aparato institucional/repressor, ideológico/simbólico e seus mecanismos de atuação nos planos doméstico e global. Normalmente, quando se trabalha sobre a temática na disciplina de Relações Internacionais, é preponderante a presença da lógica de que essa entidade se baseia numa tríade racional, neutra e homogênea, elevada à categoria divina. A necessidade em divinizar, por meio da tradição clássica, parte do pressuposto de que o Estado está acima de qualquer ponto de vista, agindo de forma neutra, desparticularizada e racional, com intuito de obter os maiores ganhos possíveis para si enquanto representante de um alegado ‘interesse geral’ (MBEMBE, 2016; BOURDIEU, 2012; HEGEL, 2014).

O Estado, para os teóricos tradicionais, é uma húbris do ponto zero, tendo alcançado o status metafísico de divindade, observando e ordenando a todos que estão abaixo de si e situando-se acima do “bem e do mal”2. Poulantzas (2000, p. 131), chama a atenção sobre como os teóricos liberais/tradicionais concebem o Estado, como coisa-instrumento e o Estado concebido como Sujeito. O Estado como Coisa: a velha concepção instrumentalista do Estado, instrumento passivo, senão neutro, totalmente manipulado por uma única classe ou fração, caso em que nenhuma autonomia é reconhecida ao Estado. O Estado como Sujeito: a autonomia do Estado, considerada aqui como absoluta, é submetida a sua vontade como instância racionalizante da sociedade civil. (…) Ela relaciona esta autonomia ao poder próprio que o Estado passa por deter e com os portadores desse poder e da racionalidade estatal: a burocracia e as elites políticas especialmente.

Trata-se de um pensamento que ancora na visão de Hegel (2014 [1837]) que considerava o Estado como o grau máximo do desenvolvimento de uma sociedade, onde os indivíduos desenvolveriam todas as suas potencialidades de forma livre, justa e racional. Para ele, o estado de natureza seria a condição “da injustiça, da violência, do impulso natural desenfreado, dos feitos e sentimentos desumanos” (HEGEL, 2014, p. 114), em que o Estado seria o último estágio na consolidação da liberdade, ou o fim em si mesmo, tornando a subjetividade do sujeito em objetividade, contrapondo o “Eu” individual pelo o universal.

No Estado a liberdade torna-se objetal e realiza-se de modo positivo. (…) Só no Estado é que o homem tem existência racional. Toda a educação aponta para que um indivíduo não permaneça algo de subjetivo, mas se torne objetivo no Estado. (…) O homem deve ao Estado tudo o que ele é; só nele tem a sua essência. Só pelo Estado tem o homem todo o valor, toda a sua realidade efetiva e espiritual (HEGEL, 2014, p. 108-09).

O pensamento hegeliano em princípios do século XIX começou a formatar uma ideia de “teoria geral do Estado”, conjugando os ideais do pensamento moderno ocidental com os processos constitutivos dos Estados no contexto europeu. O sistema estatal na Europa, a partir dos séculos XVI e XVII, era visto como formado por “Estados modernos” – termo amplamente utilizado no debate teórico em RI –, dando suporte a uma concepção de que o processo de desenvolvimento europeu estaria num estágio superior ao de outras sociedades, no sentido de que o termo “moderno” representa o novo e o superior, enquanto tudo aquilo que não seja parte da modernidade está representado pelo “primitivo” e atrasado, a exemplo das sociedades periféricas que viviam sob o jugo colonial.

A ideia de Estado cultivada no pensamento moderno ocidental era a de uma instituição distinta da sociedade, como um ator com autoridade máxima em regular as populações dentro de seus territórios (SHARMA; GUPTA, 2006). Essa percepção pode ser bem delineada na própria concepção hegeliana, em que “o próprio Estado é um abstrato que tem a sua realidade, puramente universal, nos cidadãos; mas é real, e a existência puramente universal deve determinar-se na vontade e atividade individuais” (Hegel, 2014: 134), ou seja, Hegel afirmava que o Estado era uma abstração, no sentido de não estar constituído de forma física e sim através da construção da sociedade, transformando, desse modo, numa entidade que Bourdieu (2012) convencionou como ficcional não-ficcional.

A representação do Estado como um sujeito ativo, detentor de História, de feitos e direitos é bastante clara no pensamento de Hegel (2014, p. 118-119), o qual afirma que o Estado, as suas leis, as suas instituições são suas; seus são os direitos, e também a propriedade exterior na sua natureza, no seu solo, nas montanhas, no ar e nas águas como seu território, sua pátria. A história deste Estado, os seus feitos e os feitos dos seus antepassados são seus, vivem na sua memória, fizeram deles o que são e pertencem-lhes.

Aqui há um intenso processo de reificação de uma entidade abstrata, em que tudo aquilo que há dentro das suas fronteiras, assim como as conquistas para além de seu território, poderiam ser considerados feitos dessa entidade estatal. Nesse momento, o Estado se transforma num objeto fora da sociedade, dos desígnios humanos e se torna um sujeito onipotente, onisciente e onipresente em nossas vidas, havendo um vazio-homogêneo em suas estruturas. “Ele” já não é mais operado pela sociedade, mas é “fim para si – conservação para fora”, em que “surge o racional, a justiça e a consolidação da liberdade” (HEGEL, 2014 [1837], p. 21).

A “vontade estatal” que Hegel propugnava não era aquela referente à vontade individual do liberalismo, mas uma vontade geral, que na figura do Estado, seria ambicionada de forma racional e objetiva (BONAVIDES, 2001), lapidando, de modo inicial, aquilo que viria a ser trabalhado posteriormente como “interesse nacional”, pelas escolas realistas e liberais em Relações Internacionais3. O pensamento de Hegel não pode ser destituído de seu contexto histórico, contemporâneo da Revolução Francesa, do expansionismo napoleônico e da consolidação territorial e institucional prussiana pós-napoleônica, que veio a contribuir sobremaneira nas suas formas de ver e conceituar o Estado na filosofia política.

O que se observa nos escritos políticos hegelianos é a sua condução para uma “estadolatria”, no sentido da divinização do Estado, sendo este o fim último do desenvolvimento das potencialidades humanas. Nas palavras de Hegel (2014, p. 110) “poderia dizer-se que o Estado é o fim e os cidadãos os seus instrumentos. (…) O divino do Estado é a Ideia; ela existe sobre a terra”, o que demonstra bem a categorização estatal como uma “húbris do ponto zero”, um ponto de vista sobre todos os outros pontos de vista, despersonalizado, pois a sua despersonalização garante-lhe a possibilidade em se alçar a categoria divina.

Esta linha hegeliana de construção do conceito de Estado moderno foi aprofundada, como é sabido, por Max Weber (1864-1920) no início do século XX, dando uma fisionomia burocrática/institucional a essa entidade. Para Weber (2012 [1920]) o Estado é uma dominação institucional em determinado território, detentor do monopólio da coação/violência física legítima consentida pela população abrangida nesse território. Nesse sentido, o autor adiciona aos fundamentos hegelianos a institucionalização da violência pelo Estado, como sendo o responsável pela manutenção da ordem pública – internamente através da polícia – e da segurança externa – por meio da administração militar (exército).

Weber ainda conceituou sobre a questão da burocracia, como necessária para o pleno desenvolvimento dos interesses do Estado (WEBER, 2006; 2012). Para ele “a burocracia moderna destaca- se por uma qualidade que torna seu caráter inescapável essencialmente mais definitivo do que o daquelas outras: a especialização e o treinamento racionais” (WEBER, 2012, p. 540-541), ou seja, é um “corpo” baseado na máxima especialização das funções, com a finalidade de dotar o Estado de plena capacidade em atuar de forma racional. Weber ainda acreditava que “a razão decisiva para o avanço da organização burocrática tem sido sempre, puramente, a superioridade técnica sobre qualquer outra forma de organização” (WEBER, 2006, p. 57).

A administração burocrática significa a imposição de uma hierarquia dentro da estrutura social baseada no saber (BRAGA DA CRUZ, 2008). Esse saber, retratado por Weber e, posteriormente, pelos teóricos da corrente tradicional, se baseia na ideia de especialização do conhecimento e da prática por intermédio dos serviços institucionais, sendo a “prática” fundamentada no decurso dos serviços administrativos dos funcionários públicos. A burocracia toma através do pensamento weberiano, ares de um corpo completamente distante da subjetividade humana, onde emoções e sentimentos não encontrariam lugar na estrutura, cabendo única e exclusivamente os anseios racionais. Como afirma Braga da Cruz (2008,p. 690), o burocrata age sem ódio nem paixão, por conseguinte sem ‘amor’ nem ‘entusiasmo’, sob pressão de noções despretensiosas de dever; o funcionário ideal desempenha a sua função ‘sem consideração pela pessoa’, formalmente, de um modo igual para ‘toda a gente’, ou seja, para todos os interessados que se encontrem em idêntica situação de facto.

O Estado, através do aparato burocrático, agiria de forma igualitária e não discriminatória com toda a sociedade, tendo em vista que sua estrutura, formada dentro da lógica racional, abarcaria todos de maneira formal e impessoal. Nas palavras de Poulantzas (2000, p. 136), os teóricos tradicionais fundamentaram tal entidade como uma “repartição hierárquica homogênea dos centros de poder, em escala uniforme, a partir do ápice da pirâmide para a base”, em que o aparato burocrático estatal seria o organizador e racionalizador dos interesses da sociedade.

Na visão weberiana, tal constatação está, também, ligada a própria formação do capitalismo nas sociedades ocidentais, em que a construção do Estado moderno só foi possível através da modernização da economia. A constituição do Estado moderno ocidental encontra-se “em conexão muito íntima com o desenvolvimento capitalista moderno”, fazendo-se necessário expor que tal projeto “não surgiu em nenhum destes Estados irracionalmenteconstruídos, nem podia surgir, pois essas formas modernas de empresas, comseu capital fixo e seus cálculos exatos, sãomuitosensíveisairracionalidadesdodireitoedaadministração4 (WEBER, 2012, p. 530-531).

O sentido de burocratização do Estado, trabalhado por Weber, está intrinsicamente ligado ao projeto da modernidade/colonialidade, sustentado no capitalismo, colonialismo e eurocentrismo. Sua concepção de Estado moderno, ou seja, mais “avançado”, se baseia num claro preconceito aos contextos existentes na periferia do sistema mundo, representado por povos e, consequentemente, Estados irracionais que agem de forma sentimental e sem objetivos concretos. De acordo com Weber (2012, p. 580) na Alemanha, abstraindo-se da inexistência da cultura latina do café e do temperamento, mais sério, organizações como os sindicatos, mas também como o Partido Social- democrata, constituem um contrapeso muito importante ao atual domínio irracional da rua, típico de nações puramente plebiscitárias.

É este pensamento moderno ocidental que inspira as teorias tradicionais/clássicas que trabalham a noção de Estado em Relações Internacionais tomando-o como uma estrutura dada e estática sem a preocupação por uma problematização mais aprofundada sobre tal entidade. Ora, face a este não questionamento, vale a pena perguntar onde se encontram as estruturas sociais na constituição e operação do Estado? O Estado está para além das lógicas raciais e sociais impostas nas sociedades que viveram sob a modernidade/colonialidade?

O Estado visto para além da homogeneidade hierárquica: a luta declasses

O Estado, nas teorias tradicionais de Relações Internacionais, é trabalhado de uma forma dúbia, ora como um sujeito – o que envolve um processo de antropomorfização – ora como elevado à categoria divina. O processo de antropomorfizar tal entidade acaba por fazer enxergá-la como se fosse uma pessoa dotada de intenções humanas, em que se acaba por imaginar, por exemplo, que “os Estados Unidos têm ‘interesses de segurança’ no Golfo Pérsico; que eles ‘acreditavam’ que esses interesses foram ameaçados pela ‘conquista’ do Kuwait pelo Iraque; (…) que suas ações foram ‘racionais’ e ‘legítimas’, e assim por diante” (WENDT, 2014, p. 242).

O Estado é representado nessas perspectivas como um indivíduo totalizador, ou seja: unitário, racional, homogêneo e neutro, reverberando numa concepção de “interesse nacional” único. O Estado seria dotado de um único interesse, baseando-se em quatro objetivos e necessidades universais: “sobrevivência física, autonomia, bem-estar econômico e autoestima coletiva” (WENDT, 2014, p. 244). Esses quatro objetivos são pensados a partir do tripé liberal/iluminista de “vida, propriedade e liberdade” e estendidos ao nível doméstico/estatal e internacional.

Por outro lado, há um processo de divinização, por vezes abarcado nas teorias políticas “clássicas”, de tornar o Estado como um tipo de Deus – fundindo-se com a ciência administrativa – parte do pressuposto de que esse ente detém “o ponto de vista dos pontos de vista a partir do alto, que já não é um ponto de vista, uma vez que é aquilo que pode ter um ponto de vista sobre todos os pontos de vista. Esta visão do Estado como quase Deus está subjacente à tradição da teoria clássica e funda a sociologia espontânea do Estado, que se exprime naquilo a que por vezes se chama a ciência administrativa, ou seja, o discurso que os agentes do Estado produzem a propósito do Estado, verdadeira ideologia do serviço público e do bem público” (BOURDIEU, 2012, p. 18).

Foi em claro contraste com estes pressupostos que o pensamento marxista veio apresentar uma leitura do Estado não como uma entidade unitária, racional e homogênea, mas sim como um aparato/aparelho que servia a interesses de certos grupos de poder, como uma “forma de organização que os burgueses adotam, tanto para garantir reciprocamente a sua propriedade e a de seus interesses, tanto em seu interior como externamente” (MARX e ENGELS, 2006 [1932], p. 98). Falar de Estado é ter em mente as diversas estruturas econômicas e sociais que permeiam as sociedades capitalistas e suas relações de produção que reproduzem tais lógicas em suas próprias estruturas/instituições. As grandes contribuições das abordagens teóricas marxistas para a compreensão da realidade dos Estados centraram-se em questões como ideologia, sociedade civil e política e classes.

A teoria marxista tem como peculiaridade a sua grande variedade teórica, acerca da ideia do Estado, incluindo uma visão mais ortodoxa de que “o Estado se reduziria à dominação política no sentido em que cada classe dominante produziria seu próprio Estado (…) e manipulá-lo-ia à sua vontade, segundo seus interesses” (POULANTZAS, 2000, p. 10), enquanto outras perspectivas enxergam tal entidade como o lugar de frações, lutas e cooptações de classes no seu aparato institucional. O Estado seria, então, o produto da impossibilidade de conciliação entre as classes sociais, ou seja, uma estrutura essencial para a imposição dos interesses de uma classe em detrimento de outra.

De acordo com Lenin (1917), baseando-se no pensamento de Marx, “o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma classe por outra; é a criação de uma ‘ordem’ que legalize e consolide essa submissão, amortecendo a colisão das classes”5. Apesar das abordagens feitas incialmente por Marx, Engels e Lenin acerca do Estado, foi só no século XX que tais análises vieram incluir uma visão mais complexa do relacionamento entre o Estado e a sociedade, numa tentativa de se construir uma teoria do Estado capitalista – até então considerada ausente no marxismo (ALTHUSSER, 2006).

Particular e reconhecido destaque assumem, a este respeito, as abordagens feitas por Antonio Gramsci (1891-1937), enquanto esteve preso durante vários anos no período do governo fascista de Benito Mussolini na Itália. Seu trabalho foi marcado por uma abordagem mais cultural e ideológica, contrastando com as análises marxista-leninistas de cunho economicista – sem que isso implique, automaticamente, que Gramsci tenha abdicado de tratar as questões referentes às relações de produção capitalista (Barret, 1996).

O pensamento gramsciano visou “explicar a natureza do Estado em termos de complexidade das relações entre o Estado e a sociedade civil”, mostrando “que a natureza do poder estatal está relacionada à força da síntese dinâmica entre as principais correntes da economia e da sociedade, operando politicamente numa base inclusiva” (GILL, 2007, p. 89). Gramsci (2006 [1930-32]) entendia o Estado como a soma da sociedade civil mais a sociedade política, sendo a primeira representada pelas práticas culturais, enquanto a segunda era concebida como o aparato coercitivo do Estado, ao estilo weberiano (RUPERT, 2007). Para Gramsci, o Estado não podia ser visto como uma entidade neutra e divina, como praticamente propuseram Hegel e Weber, nem através da ideia do ‘Estado como policial’ e significando um Estado cujas funções são limitadas para a salvaguarda da ordem pública e do respeito pelas leis. O fato é encoberto que nessa forma de regime [liberal] (que de qualquer maneira nunca existiu, exceto no papel como uma hipótese limitada), a hegemonia, através do desenvolvimento histórico, pertence as forças privadas, a sociedade civil – que é o ‘Estado’ também, na verdade é o próprio Estado (GRAMSCI, 2006 [1930-32], p. 79).

Dessa forma, ele deslocava e alargava o sentido e o entendimento sobre a ideia de Estado nos debates da filosofia política, colocando-o como um lugar de intensa disputa entre distintas classes que buscam a hegemonia, tornando o Estado num “complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente justifica e mantém não só o seu domínio, mas consegue obter o consentimento ativo dos governados” (GRAMSCI apud RUPERT, 2007, p. 143). A ideia de consentimento, trabalhada por Gramsci, se baseava na lógica da hegemonia, sem a necessidade do uso da força/violência, ou seja, o conceito de ‘hegemonia’ é o centro organizador do pensamento de Gramsci sobre a política e a ideologia, e seu uso característico transformou-o no marco da abordagem gramsciana em geral. A melhor maneira de entender a hegemonia é como aorganizaçãodo consentimento: os processos pelos quais se constroem formas subordinadas de consciência, sem recurso à violência ou à coerção (BARRETT, 1996, p. 238).

Nesse sentido, trazia uma inovação sobre o conceito de Estado e sua relação com a sociedade, evitando cair nas concepções de tipo social-democrática e stalinista, em que essa entidade era vista como potência reguladora da economia e da vida (MEDICI, 2007). A análise sobre o Estado começava a se deslocar, mais fortemente, da ideia de um organismo estático e monolítico, para uma visão de intenso movimento em sua estrutura, através das lutas entre classes e formação de hegemonias, em que o poder estatal estaria a serviço dos interesses de grupos econômicos e sociais que detivessem o poder em determinado período histórico.

Mesmo com as perspectivas levantadas por Gramsci, havia uma lacuna em relação ao desenvolvimento teórico sobre o funcionamento do Estado na sociedade capitalista, principalmente no que se referia à questão da ideologia na formação de consenso na população. Dessa forma, Louis Althusser aprofundou o debate marxista, utilizando-se da tradição clássica acerca da lógica burocrática/repressora – o monopólio da violência física e de estruturas racionais – e do marxismo – que via o Estado como uma máquina incessante de repressão as classes subalternas – acrescentando ao pensamento político a problemática da existência de um Aparelho Ideológico de Estado (AIE). No seu entendimento Gramsci foi o único a percorrer uma certa distância na trilha que estou tomando. Ele teve a ideia ‘notável’ de que o Estado não podia ser reduzido ao Aparelho (Repressivo) de Estado, mas incluía, a seu ver, um certo número de instituições da ‘sociedade civil’: a Igreja, as escolas, os sindicatos etc. Infelizmente, Gramsci não sistematizou suas intuições, que permaneceram em estado de notas argutas, mas fragmentadas (ALTHUSSER, 2006, p. 141).

Para Althusser (2006) toda a luta de classes gira em torno da tomada do poder estatal, sendo, dessa forma, necessário analisar as estruturas que configuram o Estado, visando compreender e possibilitar a tomada de poder pelas classes oprimidas. Enquanto diversos autores marxistas trabalharam a relação entre poder e aparelhos repressivos de Estado, na qual as classes oprimidas buscavam alcançar o poder efetivo de tais aparatos, Althusser afirmava a necessidade de se apoderar dos aparelhos ideológicos, pois qualquer movimento que não o contemplasse, fracassaria.

Diferentemente do Aparelho Repressivo de Estado (ARE), o AIE não está diretamente ligado à repressão física – a exemplo das instituições militares, policiais e judiciais – nem ao âmbito do domínio público, mas sim à esfera privada, ou seja, num primeiro momento, está claro que, enquanto há um Aparelho (Repressivo) de Estado, há uma pluralidade de Aparelhos Ideológicos de Estado. (…) Num segundo momento, podemos constatar que, enquanto o Aparelho (Repressivo) – unificado – de Estado pertence inteiramente ao domínio público, a grande maioria dos Aparelhos Ideológicos de Estado (em sua aparente dispersão) pertence, ao contrário, ao domínio privado. Igrejas, partidos, sindicatos, famílias, algumas escolas, a maioria dos jornais, os empreendimentos culturais etc. são particulares (ALTHUSSER, 2006, p. 115).

A separação conceitual entre os dois aparelhos não significa, automaticamente, que os aparelhos de Estado ajam de formas distintas e separadas, ao contrário, tais aparelhos agem de modo simultâneo entre a repressão e a ideologia. Para que uma classe possa deter um real poder estatal por um longo período, é imprescindível a tomada dos Aparelhos Ideológicos, pois só através da “intermediação da ideologia dominante que [é possível] assegura[r] uma ‘harmonia’ (às vezes tensa) entre o Aparelho (Repressivo) de Estado e os Aparelhos Ideológicos de Estado, e também entre os diferentes Aparelhos Ideológicos de Estado” (ALTHUSSER, 2006, p. 118).

Althusser levava em consideração a necessidade da ocupação dos AIE como meios de garantir a tomada de poder pelas classes oprimidas, assim como conseguiu demonstrar a complexidade dos aparelhos estatais, separando os seus diversos tipos de dispositivos e as suas lógicas de funcionamento6. Entretanto, as análises teóricas feitas pelo autor foram bastante formalistas e institucionalistas, devido a importância que ele havia dado as estruturas internas em detrimento dos enfoques sobre os contextos históricos7 que levavam a tais realidades e como se dariam as lutas de classes pela primazia do Estado, sendo praticamente representados como sujeitos passivos, ou seja, mobilizadas pelos AIE (JESSOP, 2009b).

Dessa forma, mesmo com os avanços produzidos por tais abordagens marxistas, em relação ao pensamento tradicional liberal, ainda haveria diversas lacunas existentes nas análises acerca do Estado, dentre as quais: os Estados se diferenciam (politicamente e estruturalmente) de acordo com os seus contextos; há formação de ideologias, simbologias e violências de dentro para fora, como de fora para dentro do Estado; as disputas são múltiplas e para além das classes sociais; e o Estado não age sempre de forma racional-calculada, mas difusamente. Por esses pontos que se necessita ampliar, urgentemente, a concepção sobre o Estado, suas distintas formas de atuação doméstica e externa e quais os seus impactos nas relações internacionais.

O Estado no contexto colonial: soberania como violência e a lógica difusa

Um dos graves problemas existentes nos estudos acadêmicos consiste na universalização de um caso particular, tomado como a verdade única e elevado como exemplo ímpar/uno, ficando à margem outras experiências e estruturas que possam existir fora do contexto universal-provincial (THIONG’O, 1993; APPIAH, 2008; BOURDIEU, 2012). O pensamento moderno ocidental criou e instituiu os seus pensadores como regra de uma forma universal e abstrata, devido as suas características de produção “científica” – aquilo que eles acreditam como unicamente válido, pois o saber ocidental tem significado “o Ocidente generalizando essas experiências da história como a experiência universal do mundo. O que é Ocidental torna-se universal e o que é Terceiro Mundo, torna-se local” (THIONG’O, 1993, p. 25).

Para invertermos essa concepção colonial do saber/poder, é necessário promovermos aquilo que Aimé Césaire afirmou quando escreveu “Carta a Maurice Thourez”, em 19568, em que era imprescindível “um universalismo depositário de todo o particular, depositário de todos os particulares, o aprofundamento e coexistência de todos os particulares” (CESAIRE, 2006, p. 84), reconhecendo o diálogo entre diferentes perspectivas e saberes. Nesse sentido, necessita-se, primeiro, desmistificar a própria ideia que há sobre o Estado, como sendo uma entidade absoluta e material, a exacerbação do poder na sociedade.

Para Bourdieu (2012, p. 56) o Estado é uma “ficção não ficcional”, pois é em grande parte, produto de teóricos. Acontece o mesmo com os juristas que dizem que o Estado é uma ficção jurídica. Têm razão e, ao mesmo tempo, não refletem concretamente nas condições sociais que permitem que essa ficção não seja fictícia, mas funcional.

O Estado é uma ficção, no sentido de não se conseguir enxergá-lo como uma entidade constituída onde se encontra o Estado? – além de ser uma criação e um produto de teóricos, sujeitos e grupos de interesses9 que o delineiam a partir de suas cosmovisões e seus contextos. Ao mesmo tempo o Estado não é ficcional, pois, apesar de não o visualizarmos em sua materialidade, conseguimos sentir a sua presença a partir dos seus diversos aparelhos estatais – burocracias e ideologias produzidas em seu interior – a exemplo da polícia, das leis, dos valores etc. que imprimem o dia a dia da sociedade, por meios físicos e/ou simbólicos.

Não se pode ignorar que o nascimento do Estado moderno – com corpo burocrático, soberania e monopólio da violência física e simbólica – está intimamente ligado ao desenvolvimento do capitalismo, desde o século XV, que é um dos constituintes da modernidade-colonialidade. Por ter sido produto e produtor da modernidade-colonialidade, o Estado traz na sua base as contradições inerentes à lógica do capital (de relações de produção), do colonialismo (da construção e hierarquização do conceito de raça) e do patriarcalismo (desigualdades de gênero e sexuais), promovendo assim uma complexidade de articulações nas suas estruturas e ações domésticas e externas10 (SANTOS, 1982; POULANTZAS, 2000; FOUCAULT, 2010; MBEMBE, 2016, FEDERICI, 2017).

Apesar disso, o entendimento sobre o Estado moderno foi trabalhado para que se criasse uma ideia de linearidade e unidade, no sentido de que essa entidade seguiria uma linha histórica evolutiva – ao estilo do processo do desenvolvimento filosófico, trabalhado por Hegel – e de que promoveria a unidade social de um determinado território, largamente teorizado pela filosofia política iluminista dos contratualistas. Na realidade, o Estado passaria a agir por interesse de certos grupos de poder, de modo a concentrar o que então era disperso e a homogeneizar o que era plural, não aceitando outras normas que não aquelas constituídas. Cultura, línguas e identidades foram apagadas em nome de uma unidade, ou seja, “onde havia o diverso, o disperso, o local, passa a haver o único” (BOURDIEU, 2012, p. 153).

Necropolítica: a soberania como exclusão e repressão ao Outro

Tal entendimento foi sendo construído pelos teóricos moderno-ocidentais baseados na “Paz de Vestefália”, um acontecimento histórico do século XVII e tido como paradigmático e considerado pelo conhecimento dominante como fundador da centralidade da soberania no sistema internacional desde então. A instituição da soberania seria, de acordo com esse conhecimento dominante, o reconhecimento do Estado como o único poder atuante dentro das fronteiras estabelecidas, enquanto que no plano internacional se caracterizava pela “horizontalidade formal das relações entre os Estados” (FRANCA FILHO, 2006, p. 103). Para o pensamento moderno ocidental, a formatação do Estado moderno está diretamente ligada à introdução da soberania na sua organização física e simbólica, responsável pela unidade doméstica e igualdade no plano internacional (KRASNER, 2001)11.

Foi criada, a partir do termo “Estado moderno”, uma sensação de unicidade cultural, social, ideológica e econômica em seus territórios, baseados numa perspectiva de que a soberania teve a capacidade de centralização do poder e da violência legais, extinguindo as conflitualidades existentes na sociedade, até então anárquica12. A soberania agiria de forma paradoxal, em que “o soberano está, ao mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento jurídico”, abalizada na ideia de que ela só existe e age dentro de um ordenamento jurídico legal – mesmo que decida decretar um estado de exceção13 (AGAMBEM, 2010).

O discurso da soberania foi formatado dentro do pensamento moderno ocidental como o lugar da produção de normas específicas por uma sociedade composta por homens e mulheres, livres e iguais, que estabelecem um contrato entre si como forma de uma autorregulação de seus direitos em prol da paz social e da própria liberdade (MBEMBE, 2016). A soberania, a partir de Vestefália, foi representada como o reconhecimento mútuo entre as partes, tendo a racionalidade lugar central na possibilidade de criação de uma sociedade política, a nível doméstico e internacional, respeitando a autoridade do soberano através de uma ordem jurídica europeia. De acordo com Mbembe (2016, p. 133)

Dois princípios-chave fundam essa ordem. O primeiro postula a igualdade jurídica de todos os Estados. Essa igualdade se aplica especialmente ao “direito de guerra” (de tomar a vida). (…) O segundo princípio está relacionado com a territorialização do Estado soberano, ou seja, a determinação de suas fronteiras no contexto de uma ordem global recentemente imposta. (…) Sob o Jus publicum, uma guerra legítima é, em grande medida, uma guerra conduzida por um Estado contra outro ou, mais precisamente, uma guerra entre Estados ‘civilizados’. A centralidade do Estado no cálculo de guerra deriva do fato de que o Estado é o modelo de unidade política, um princípio de organização racional, a personificação da ideia universal e um símbolo de moralidade.

Todavia, essa concepção de um contrato social adotado por indivíduos racionais, invisibiliza a violência perpetrada por grupos de poder, na tentativa de impor um modelo de Estado e sociedade ordenados e fundados na lógica colonial. Boaventura de Sousa Santos (2010, p. 36), afirma que o colonial constitui o grau zero a partir do qual são construídas as modernas concepções de conhecimento e direito. As teorias do contrato social dos séculos XVII e XVIII são tão importantes pelo que dizem como pelo que silenciam. O que dizem é que os indivíduos modernos, ou seja, os homens metropolitanos, entram no contrato social abandonando o estado de natureza para formarem a sociedade civil. O que silenciam é que, desta forma, se cria uma vasta região do mundo em estado de natureza (…) a que são condenados milhões de seres humanos sem quaisquer possibilidades de escaparem por via da criação de uma sociedade civil.

O discurso da soberania promovido pelo pensamento moderno ocidental é completamente díspare daquilo que ele realmente representa. De acordo com Foucault (2010ª, p. 59) “a soberania tem uma função particular: ela não une; ela subjuga”, que no caso do contexto colonial vai além, consistindo “fundamentalmente no exercício de um poder à margem da lei (ab legibus solutus) e no qual tipicamente a ‘paz’ assume a face uma ‘guerra sem fim” (MBEMBE, 2016, p. 132). O direito público europeu não estendia sua concepção de igualdade jurídica às sociedades coloniais, tendo em vista que tais espaços eram considerados ao nível de um “estado de natureza” – desprovido de civilização e, consequentemente, humanidade. Isso pode ser compreendido nos escritos de um dos “pais” fundadores do “Jus publicum Europaeum”, Emmer de Vattel (2004, p. 142; 144-145) tendo o gênero humano se multiplicado bastante, a terra deixou de ser capaz de fornecer- lhe, por si própria e sem cultivo, a manutenção de seus habitantes por muito tempo; e ela não poderia receber cultivo conveniente de povos errantes aos quais ela também pertence. Tomou-se, pois, necessário que esses povos se assentassem em algum lugar e que se apropriassem de porções de terra (…) Eis o que deve ter dado origem aos direitos de propriedadee de domínio.(…)O fato de habitarem de modo nômade essas vastas regiões não pode ser entendido como uma verdadeira e legítima tomada de posse e quando os povos da Europa, amplamente limitados entre eles mesmos, encontram um território de que os selvagens não têm necessidade especial e dele não têm feito uso contínuo e efetivo, eles podem legitimamente tomar posse dele e nele estabelecer colônias (…) Não nos afastamos, pois, das intenções da natureza, ao circunscrever os selvagens a limites mais estreitos (Vattel, 2004: 144-145).

Percebe-se claramente que a lógica vestefaliana da soberania não se estendia até o mundo colonial, pois existia a concepção de que tais contextos eram desprovidos de qualquer tipo de humanidade, habitados por “selvagens” e, consequentemente, inexistindo racionalidade, civilidade ou a própria política. Em suma, as colônias são as zonas da inexistência de um mundo humano e do direito, “onde a violência do Estado de exceção está condenada a operar ao serviço da ‘civilização’” (MBEMBE, 2017, p. 127), o que impossibilita a existência da própria “paz”.

Nesse sentido, a necropolítica sempre foi a regra no contexto colonial, marcado pela suspensão e inexistência de qualquer garantia ou controle jurídico, onde a violência se aplica como meio de “civilizar” tais sociedades “selvagens”. A necropolítica – ao contrário da política enquanto “conjunto de práticas e instituições por meio das quais uma ordem é criada” (MOUFFE, 2015, p. 08) – é a capacidade subjugar ordenamentos pré-existentes e de transformar o mundo da vida em um mundo da morte, a partir da suspensão completa dos direitos e do sentido da humanidade14 (THIONG’O, 2017; MBEMBE, 2017). A fazenda e o processo de escravização no contexto colonial é uma representação clara de um processo fundado na desumanização, uma forma de “morte na vida” – calcada na perda do lugar, dos direitos sobre seus corpos e de qualquer status político – em que a violência no micro espaço da fazenda torna-se um elemento essencial a nível macro do Estado15 (MBEMBE, 2016). Aqui é onde se observa o entranhamento da lógica do massacre com a burocracia estatal, fruto da racionalidade ocidental (MBEMBE, 2017).

O Estado moderno, propagandeado a partir de Vestefália, na realidade é um mito construído pela modernidade/colonialidade e imposto como um modelo universal adotado por grande parte dos países no sistema internacional. Essa unicidade, homogeneidade e respeito da integridade física entre os Estados no plano exterior, não fazem jus ao processo colonial infligido pelo centro imperial, onde a lógica da soberania não se estendia ao Sul global e nem a sua forma organizacional representava a outra terça parte mundial. A “igualdade” e o respeito entre tais sociedades se encontravam bem delimitados cultural e geograficamente, enquanto a diferença e a inferiorização faziam parte do mundo não ocidental. Para Blaney e Inayatullah (2000, p. 32)

O arranjo vestifaliano tem, portanto, servido somente para assegurar a persistência, saliência e a centralidade do problema da diferença na sociedade internacional: como uma diversidade estável dentro das fronteiras nacionais, como uma diversidade inevitavelmente extravasada através das fronteiras e como conflitos entre nações ‘imaginadas’. (…) A teoria e prática contemporânea do sistema vestifaliano – ou ‘sociedade internacional’ como nós geralmente chamamos – funciona primariamente para reforçar esta suspeição da diferença. Na sociedade internacional, o outro está localizado fora, além das fronteiras do Estado.

O Estado no contexto pós-colonial tendeu, portanto, a reproduzir a lógica da necropolítica (capitalismo/colonialismo) em suas próprias sociedades, em que o racismo, a desigualdade social, de gênero e sexual foi tomado como método de “normalização” da sociedade pelas elites nacionais – descendentes diretas da imagem do colonizador branco, hétero e detentor dos meios de produção – como forma de proteger e privilegiar tais grupos sociais em detrimento dos grupos “perigosos” – negros(as), indígenas, mulheres, homossexuais e proletários/camponeses.

Apesar, e para além disso, não se pode entender o Estado como um bloco monolítico, lugar da homogeneidade e unicidade, nem lugar da disputa entre duas classes antagônicas buscando a tomada do poder, pois isso impede uma análise mais apurada sobre como os controles são exercidos, seja por pressões nacionais (colonialismo interno)16 ou internacionais (neocolonialismo). Sociedade e Estado não podem ser vistos como dois conceitos “duros” e distintos, mas como conceitos que se correspondem e co-constituem a realidade, em que um molda o outro coetaneamente e de maneira variável. A transformação no processo constitutivo do Estado ocorre pela diversidade da própria sociedade e pelas correlações de força política, formada por diversos grupos étnicos, sociais, sexuais e “cujo acesso ao Estado é determinado pelo seu poder, riqueza e habilidade política” (HALLIDAY, 2007, p. 95).

Considerações Finais, não tão finais: compreender e transformar a luta política nos contextos pós-coloniais

Ao contrário do que pretendem as teorias tradicionais, sobretudo as que se tornaram hegemónicas nas disciplinas das ciências sociais, um olhar crítico sobre a realidade tão heterogênea dos Estados implica que eles sejam entendidos como organismos formados por vários campos e aparelhos institucionais e simbólicos, nos quais os diversos grupos atuam para conquistar seus espaços existentes nas inúmeras estruturas estatais, colocando em ação seus diversos interesses (SANTOS, 1982; POULANTZAS, 2000; MITCHELL, 2006; BOURDIEU, 2012). Nas palavras de Poulantzas (2000, p. 131), “o Estado não é pura e simplesmente uma relação, ou a condensação de uma relação; é a condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classe”, em que o Estado se mantém através das diversas lutas e forças distintas dentro (e fora) de sua organização interna.

O fenômeno Estado tem, portanto, que ser considerado pela heterogeneidade dos atores existentes na sociedade e pelas próprias contradições inerentes ao processo capitalista, levando em conta os contextos em que se inserem. O Estado seria a constituição-divisão, de lado a lado, de todas essas correlações de forças, um produto que ao mesmo tempo produz consensos e dissensos, repressão e neutralização, exclusão e integração, o qual defino como Estado difuso, através das contribuições conceituais de Sousa Santos (1982) e Poulantzas (2000). De acordo com Poulantzas (2000, p. 134-135) “o Estado, (…) não é, não pode ser jamais, como nas concepções do Estado-Coisa ou Sujeito, um bloco monolítico sem fissuras, cuja política se instaura de qualquer maneira a despeito de suas contradições, mas é ele mesmo dividido”.

Dessa forma, a função política do Estado passa a ser pautada pela tentativa de dispersão dessas contradições e lutas, “de modo a mantê-las em níveis tensionais compatíveis com os limites estruturais impostos pelo processo de acumulação e pelas relações sociais de produção em que ele tem lugar” (SANTOS, 1982: 24). Esse processo de dispersão se baseia num conjunto articulado de “mecanismos de dispersão” (SANTOS, 1982: 25), que podem ser utilizados de diversas formas pelo Estado, dependendo das condições históricas e da intensidade das lutas entre os diversos grupos, com vistas de pacificação das contradições sociais – no sentido lato do termo, a tudo que abarque o nível da sociedade abrangendo questões de classe, etnia, religião, gênero etc.

A utilização de tais mecanismos não implica automaticamente na criação de uma paz institucional ou social na estrutura doméstica, mas pode provocar também uma exacerbação das polarizações e da violência na sociedade e, consequentemente, na própria estrutura do Estado (SANTOS, 1982), como se repara atualmente, tanto no contexto brasileiro, regional latino-americano e internacional. O Estado não tem uma estrutura centralizada e piramidal, da qual bastaria um grupo se apoderar de tal unidade e impor seu controle absoluto, controlando toda a organicidade do Estado. A instituição de uma hegemonia ou dominação por parte das elites como vemos atualmente no Brasil, ocorre através de métodos de agregação e cooptação de tais grupos com outros, impondo uma lógica de colonialismo interno – exclusão e violência doméstica através do Estado a grupos historicamente excluídos na sociedade.

Ante a essa percepção da heterogeneidade do Estado, de organização e lutas políticas, vem se delineando na atualidade novas formas de disputas em torno do aparato social/estatal, do qual Boaventura de Sousa Santos (2004, p. 38) convencionou de “novíssimo movimento social”. Em relação a esse “novíssimo movimento social”, Santos (2004, p. 38-39) afirma que, o processo de descentralização a que, devido principalmente o declínio de seu poder regulador, está sujeito o Estado nacional tornar obsoletas as teorias do Estado até agora prevalecentes, tanto as de raiz liberal como as de origem marxista. A despolitização do Estado e a desestatalização da regulação social induzidas pela erosão do contrato social indicam que, sob a denominação “Estado”, está emergindo uma nova forma de organização política mais ampla que o Estado: um conjunto híbrido de fluxos, organizações e redes que se combinam e solapam elementos estatais e não estatais, nacionais e globais. O Estado é o articulador deste conjunto.

Não é possível tentar compreender as relações sociais a partir de uma lógica monocultural, que veja o mundo como uma luta dicotômica entre ciência/senso comum, civilizados/bárbaros, desenvolvidos/subdesenvolvidos e democracias/ditaduras (SANTOS, 2010; GROSFOGUEL, 2007; MIGNOLO, 2014). Ou seja, é necessário observar que as estruturas que nos permeiam – em toda a sua diversidade –, estão entrelaçadas entre si, formando um complexo sistema de interações raciais, políticas, econômicas, sexuais e culturais em diversos níveis – local, doméstico, regional e internacional. Essas relações não agem de forma independente ou simplesmente de modo hierárquico, mas sim heterarquicamente, de modo que estão entrelaçadas dentro de uma rede global do capitalismo/colonialismo agindo de forma mútua e incidindo diferentes aspectos e contextos (CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007).

A possível formação de uma hegemonia por grupos historicamente excluídos vai muito além da simples apropriação das instituições superiores, como a eleição de um governo de oposição à lógica do capitalismo/colonialismo. Necessita-se, para além disso, criar meios interculturais (WALSH, 2006) que possam modificar o entendimento estático sobre determinadas questões econômicas, sociais, étnicas e sexuais, e perceber que o controle não se aplica somente pelo alto e pelos núcleos de poder, mas também pelas margens – de fora para dentro (SANTOS, 1982; JESSOP, 1990; POULANTZAS, 2000).

Uma ação sócio-política que privilegie a interculturalidade é base para questionamentos e resistências contra a necropolítica existente em nossas sociedades periféricas. Mas, para além disso, a interculturalidade tem a possibilidade de articular estratégias de lutas17, como afirma Catherine Walsh (2006, p. 50): “Ao adicionar uma dimensão “outra” epistemológica e de existência a estes conceitos – uma dimensão concebida em relação com e através de verdadeiras experiências de subalternização promulgadas pela colonialidade – a interculturalidade oferece umcaminho para pensar desde a diferença até a descolonização, a descolonialidade e a construção e constituição de uma sociedade radicalmente distinta. O fato de que este pensamento não transcende simplesmente a diferença colonial, mas que a visibiliza e rearticula em novas políticas da subjetividade e uma lógica diferente, é crítico pelo desafio que apresenta à colonialidade do poder e ao sistema mundo moderno/colonial.”

Demonstrar isso é visibilizar e evidenciar possibilidades de ação, resistência e de alternativas a essas pressões externas e internas. Desenvolver hábitos de coexistência, abrir diálogos e participações com capacidade co-decisória pelos movimentos sociais e a sociedade civil, pode ajudar a corroborar com um projeto que abarque a base da sociedade e o mantenha mais horizontal, pois empodera a população contra as influências dos grupos de interesses hegemônicos. De acordo com Appiah (2008), uma das possibilidades de respostas genuínas é buscar o porquê sobre questões estruturais, a exemplo do funcionamento do Estado no contexto colonial/Capital, ou seja, “envolve ver não só um corpo em sofrimento, mas uma vida humana desperdiçada” (APPIAH, 2008, p. 164).

Há que se construir uma nova política, que leve em perspectiva as capacidades humanas, não exclusivamente pela “ego-política” – “penso, logo conquisto” resultante da modernidade-colonialidade – mas por uma “geo” e corpo-política que reconheça a totalidade do ser e das suas formas de ação (FANON, 2008; MIGNOLO, 2014). As possibilidades de ação contestatória do “status quo” e de transformação na política ocorrerá com um processo de descolonização do ser e do saber. Os processos emancipatórios só terão a capacidade de ocorrer com a participação dos movimentos sociais e da sociedade civil.

Em suma, é importante levar em consideração a afirmação de Thiong’o (1993, p. 28-29), ao qual estudando outras comunidades, nossas comunidades ou qualquer outro fenômeno social é importante para ver o fenômeno na natureza, na sociedade e até na academia, não no seu isolamento, mas em conexões dinâmicas com outros fenômenos. É importante relembrar que processos sociais e intelectuais, até disciplinas acadêmicas, agem e reagem entre elas não contra um terreno espacial ou temporal de quietude, mas de constante luta, de movimento e luta das quais trazem mais luta, mais movimento e mudança, até no pensamento humano.

A saída para uma verdadeira descolonização do mundo da vida só poderia ocorrer através de um universalismo concreto, baseado num diálogo horizontal entre diversos saberes, resultando em “múltiplas terminações cosmológicas e epistemológicas”, ou seja, “um pluri-verso no lugar de um uni-verso” (GROSFOGUEL, 2007, p. 72). É fundamentado nesse ideal que os estudos descoloniais e pós-coloniais produzem suas abordagens teóricas, levando em conta o lugar daqueles que sempre foram os sujeitos ocultos na colonialidade.

Portanto, a possibilidade de se romper com tal perspectiva só poderá se dar com a descolonização do ser, saber e poder. O processo de transformação da ego-política em que estamos estabelecidos numa corpo-política, poderá ocorrer com a não hierarquização entre a teoria e a prática, pois a teoria constrói a prática e vice-versa – “se faz pensando e se pensa fazendo” (MIGNOLO, 2014). Que possamos romper com a política tradicional através das nossas ações e pensamentos, levando em consideração a diversidade social e de saberes na pluralidade de contextos em que estão inseridos e, acima de tudo, que possamos transgredir e transformar as fronteiras do saber, como bem nos convocava a ativista e intelectual norte- americana bell hooks (2013). Como afirmou Frantz Fanon (2008, p. 191), “é pela tensão permanente de sua liberdade que os homens [e mulheres] podem criar as condições de existência ideais em um mundo humano […] sensibilizando o outro, sentindo o outro e revelando-me outro”.

Notas

1 Este artigo baseia-se, em partes, no terceiro capítulo da tese de doutorado do autor.

2 A húbris do ponto zero, nesse sentido, representa a categorização do Estado num lugar acima de todos os pontos de vista e fora do espaço físico, caracterizando-se como uma entidade neutra, quase divina. De acordo com Santiago Castro-Gómez (2007, p. 83) “Como Deus, o observador observa o mundo desde uma plataforma inobservada de observação, com o fim de gerar uma observação veraz e fora de toda dúvida. (…) De fato, a húbris é o grande pecado do Ocidente: pretender fazer-se um ponto de vista sobre todos os demais pontos de vista, mas sem que esse ponto de vista possa ter um ponto de vista”.

3 Para uma breve análise, ver os autores considerados “clássicos” em RI: Carr (2001), Angell (2002) e Morgenthau (2003).

4 Grifo meu.

6 Para Althusser (2006: 114-115), existiam as seguintes instituições como Aparelhos Ideológicos de Estado: “o AIE religioso (o sistema das diferentes Igrejas); o AIE escolar (o sistema das diferentes ‘escolas’, públicas e particulares); o AIE familiar; o AIE jurídico; o AIE político (o sistema político, incluindo os diferentes partidos); o AIE sindical; o AIE da informação (imprensa, rádio e televisão etc.); o AIE cultural (literatura, artes, esportes etc.)”.

7 Ele mesmo criticava as perspectivas gramsciana e marxistas que davam grande relevância ao historicismo. De acordo com Althusser, o marxismo deveria ser “anti-humanista e anti-historicista” (Jessop, 2007: 99). Ver também: Althusser (2006).

8 Carta a Maurice Thourez foi uma carta enviada por Cesaire ao presidente do partido comunista francês, declarando o porquê de sua demissão devido as diferentes visões de mundo e de ação política entre o partido e Cesaire. O partido comunista francês se mostrava reticente em se posicionar contra os crimes do colonialismo francês no território argelino, dos crimes contra a humanidade que ocorreram na União Soviética, sob o regime de Joseph Stálin, e na invasão à Hungria pela URSS em 1956. Por essas e outras Cesaire declarou que o partido se negava a reconhecer o colonialismo como um regime tão “execrável” quanto o nazismo – que poucos anos antes chocou a Europa pela sua brutalidade

–, o que demonstrava a problemática do eurocentrismo no próprio marxismo.

9 Grupos de interesses se referem à diversidade de grupos existentes na sociedade: políticos, econômicos e de movimentos sociais.

10 Essa complexidade nas estruturas domésticas resulta, em certos momentos, em conflitos entre os diversos grupos, assim como em outros momentos há períodos de consenso entre tais grupos. Essa complexidade interna acabar por reverberar nas ações externas do Estado.

11 A partir dessa perspectiva que surgem os debates sobre o sistema internacional ser anárquico, pois no plano internacional não há nenhum poder acima dos Estados, além destes gozarem de igualdade no plano global. Ver: Krasner (2001), Waltz (2011) e Arrighi (2012).

12 Não só a soberania foi responsável pela criação de uma identidade centralizadora, apesar da sua importância em criar uma ideia de centralização hierárquica e delimitação de um poder soberano (o Estado), mas foi, também, a criação da lógica nacional. A lógica nacional que surgiu em meados do século XIX, se baseia numa criação de uma identidade compartilhada entre a população de uma determinada fronteira, criando um sentimento de pertencimento e igualdade entre todos os cidadãos. Para melhor compreensão, ver: Hobsbawn (1990), Bhabha (1990), Chatterjee (2010), Anderson (2012).

13 Giorgio Agamben (2010, p. 22) discorre primorosamente sobre tal questão, afirmando que “se o soberano é, de fato, aquele no qual o ordenamento jurídico reconhece o poder de proclamar o estado de exceção e de suspender, deste modo, a validade do ordenamento, então ‘ele permanece fora do ordenamento jurídico e, todavia, pertence a este, porque cabe a ele decidir se a constituição intotópossa ser suspensa’”.

14 Nas palavras de Thiong’o (2017, s.p.) “a escravidão, o colonialismo e o armamentismo nuclear são governados pelo mesmo instinto: o desprezo pela vida dos outros, especialmente daqueles que são negros”.

15 Essa violência e “morte na vida” no micro espaço social, mesmo no período pós-escravidão, era presente nas populações negras no contexto diaspórico. Como bem retratado por Angela Davis em sua obra “Mulheres, Raça e Classe” (p. 98-99): “ela era ‘escrava de corpo e alma’ da família branca que a empregava. Sempre a chamavam pelo primeiro nome – nunca por sra , e não era raro que se referissem a ela como

sua ‘preta’, ou seja, sua escrava’ (DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. Ed. Boitempo, 2016).

16 De acordo com Casanova (2002, p. 99 e 105) o “colonialismo interno corresponde a uma estrutura de relações sociais de domínio e exploração entre grupos culturais heterogêneos, diferentes” onde “a exploração é combinada – mistura de feudalismo, escravismo, capitalismo, trabalho assalariado e forçado e serviços gratuitos. ( ) A exploração de uma população por outra corresponde a salários diferentes por trabalhos iguais

(…), a discriminações sociais (…), linguísticas (…), pelas roupas; ( ) jurídicas, políticas e sindicais, com atitudes colonialistas dos funcionários

locais e inclusive federais, e logicamente, dos próprios líderes ladinos das organizações políticas”.

17 Para maior aprofundamento sobre casos e exemplos de estratégias de lutas de populações marginalizadas no contexto latino americano, ver: Walsh (2006) e Garcia Linera (2006).

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