Philip Alston é um profissional australiano que desempenha desde 2014 a responsabilidade de Relator Especial sobre a extrema pobreza e direitos humanos; este cargo fai parte dum chamado sistema de Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos humanos, que agrupa expertos independentes devotados a processos de investigaçom e monitoreo, apriori sem dependências políticas. Todos eles trabalham de forma voluntária, nom fam parte do staff da ONU nem recebem salário nenhum. Na semana passada, Alston publicava um informe sobre a pobreza no Reino de Espanha que a imprensa servil se cuidou de noticiar nos cabeçalhos.

O informe final de Alston apresentará-se no Conselho de Direitos Humanos da ONU no vindouro junho. As palavras que aparecem no rascunho do seu trabalho nom som equívocas: “apesar de Espanha estar a prosperar economicamente, demasiadas pessoas seguem em dificuldades (…) a recuperaçom post-recessom deixou muitos atrás, com políticas que beneficiam as empresas e os ricos.” Para o australiano, as classes populares “tenhem que lidar com serviços públicos fragmentados que sofrêrom sérios curtes depois de 2008 e nunca se restaurárom.”

Exclusom sanitária e serviços sociais

Alston salienta a exclusom sanitária das e dos imigrantes que nom podem demonstrar levar em território espanhol mais de 90 dias, e aponta que o próprio Ministério de Sanidade reconhece isto como um problema para o que nom se coloca soluçom. Em coincidência com o movimento social que na Galiza (e noutras naçons) livra batalha pola sanidade pública, Alston considera que o sistema estatal de saúde está a ser “privatizado”, e culpabiliza os responsáveis políticos por nom darem dados sobre a verdadeira dimensom deste processo.

Em troca dum fácil acesso aos serviços sociais, diz Alston, o sistema espanhol está preso dum “imenso sistema burocrático”, que pom a obsessom documental por diante da facilidade na atençom, e da efectividade na atençom. Entraves injustificáveis em qualquer caso, mas ainda agravados num Reino que, em pleno 2018, tinha um 26% da sua populaçom em risco de pobreza. Se atendermos aos dados da infáncia, estas cifras chegam ao 29%. Ainda sem cair em situaçom de pobreza, mais de 55% da populaçom tem experimentado dificuldades para chegar a fim de mês. Umha taxa de desemprego do 13% é o duplo da média europeia. Na mocidade, ascende ao 30%.

Favelas em Espanha. Imagem: elconfidencial.com

Pobreza generalizada

A diagnose é talhante, e reproduziremos literalmente as palavras de Alston. “Espanha devesse olhar-se no espelho. O que vai ver nom é o que desejariam os mais dos espanhóis, nem o que formularam os responsáveis políticos: pobreza generalizada, alto nível de desemprego, crise de vivenda de proporçons inquietantes, sistema de protecçom totalmente desajeitado que arrasta deliberadamente grande número de pessoas à pobreza, sistema educativo segregado e anacrónico, sistema fiscal que brinda mais benefícios a ricos que pobres, e mentalidade burocrática fundamente arreigada em muitas partes do governo.”

As alternativas nom aparecem, por mais que Alston reconheça que um novo governo “progressista” quiçá se decida a afrontá-las: “os formuladores de políticas falhárom em grande medida às pessoas que vivem na pobreza, e os direitos sociais raramente se levam a sério. A vivenda de baixo custo quase nom existe, e o sistema para oferecer assistência social está em falência, é impossível de gerir, e fai possível com que as famílias com rendas mais altas se beneficiarem mais das transferências de efectivo do que as pobres. Por enquanto, as empresas estám a pagar a metade dos impostos que antes da crise, apesar de registarem fortes lucros.”

Testemunhos

Alston realizou trabalho de campo, e o seu informe recolhe palavras das próprias vítimas dum sistema injusto e deficiente. “Visitei lugares que suspeito muitos espanhóis nem reconheceriam como parte do seu país. (…) Um bairro pobre com condiçons piores do que um acampamento de refugiados (…) onde trabalhadores imigrantes levam anos vivendo.”

Continua Alston: “a palavra que escuitei com maior frequência nas últimas semanas é ‘abandonados’. Conhecim pessoas que perdêrom todas as suas poupanças durante a crise, que tenhem que escolher entre pôr comida sobre a mesa ou quecerem a morada, e que afrontam a possibilidade de serem desafiuçadas.”

A injustiça, diz o técnico australiano, é estrutural: “alguns grupos estám especialmente esquecidos polos políticos, sofrem o impacto da discriminaçom estrutural e experimentam taxas de pobreza desproporcionadamente altas. Espanha tem umha das comunidades de ciganos mais grandes da UE, quase a metade dos quais vivem na extrema pobreza. As mulheres, os habitantes do rural, os imigrantes, as trabalhadoras do lar e as pessoas com discapacidade estám extremadamente desatendidas polas políticas actuais.”

O experto australiano visitou a nossa Terra, e também Euskal Herria, Catalunha, Extremadura, Andalucia e Madrid; além de entrevistar-se com as pessoas mais danificadas, falou com responsáveis políticos, ONG, académicos, e organizaçons da sociedade civil.