O vagalume, o pequeno insecto luminoso, esmorece quase até a desapariçom, também na nossa Terra. Poderia tratar-se de mais um dado estatístico a consignar na lista inacabável de extinçons causadas polo ser humano, particularmente desde que o capitalismo reina no planeta. Porém, nem o luzecu é mais um animal a engrossar as nossas listas, nem a sua desapariçom passa sem efeito entre os humanos. O pensador comunista italiano Pier Paolo Passolini explicara o passo da Itália popular, labrega e obreira, a umha sociedade de consumo, num famoso artigo: “A desapariçom dos vagalumes.”

Em fevereiro de 1975, no jornal “El Corriere della Sera”, Passolini escrevia: “a inícios dos anos sessenta, por causa da poluiçom do ar e, sobretodo, no rural, por causa da poluiçom da água, começárom a desaparecer os vagalumes. O fenómeno foi rápido e fulminante. Depois duns poucos anos os vagalumes já nom estavam mais (som agora um recordo, bastante desgarrador, do passado: e um homem velho que tiver esse recordo, nom pode reconhecer-se a si mesmo nos moços e, portanto, nom pode proferir aqueles formosos laios de saudade de outros tempos). A esse “algo” que aconteceu há umha dúzia de anos vou-no chamar “a desapariçom dos vagalumes.”

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Quando a natureza mudava a ritmo rápido e violento, constata Passolini, também o fai a sociedade italiana, a sua modernizaçom nas chaves do individualismo, as compras massivas, a mercadotécnia e a aspiraçom à classe média universal; som duas mudanças numha. A primeira delas preocupou primeiro aos naturalistas, e posteriormente ao conjunto da sociedade mais consciente.

Um insecto extraordinário

A inícios do século XX, o naturalista francês Jean-Henri Fabre dedicou um dos capítulos dos seus “Souvenirs entomologiques” ao vagalume, que considerava o animal um dos mais afamados insectos europeus: “curioso animalinho que para celebrar as suas miúdas alegrias acende um faro na ponta do ventre. Quem nom o conhece, polo menos de nome? Quem nom o viu nas calorosas noites de verao a vagar entre as ervas, semelhante a umha faísca caída da lua cheia. A antiguidade grega chamava-o Lampyris, que significa portador de lanterna no rabo.” O vagalume é um animal da orde dos coleópteros e da família dos Lampyridae; ela agrupa por volta de 2000 espécies com a faculdade da bioluminiscência, isto é, a capacidade de emitir luz. Algumhas línguas (também o galego em certos termos) apom-lhe o nome “verme”, mas Fabre esclarece que isso nom é exacto: “chamá-lo assim poderia ser causa de confusom, desde que nom é propriamente um verme. (…) Com efeito, tem seis patas curtas que sabe usar perfeitamente; é um becho que anda aos passinhos. No estado adulto, o macho está correctamente vestido de élitros, como verdadeiro coleóptero que é. (…) A hembra conserva durante toda a sua vida a forma larvária, ainda que algo semelhante à do macho, que também é incompleto enquanto nom chegou à madureza do apareamento.”

A sua afamada luz é umha ferramenta do apareamento, e acender o ventre vem ser assim como um sinal de aprovaçom do pretendente, nomeadamente as fêmeas. A luzinha permanece acesa entre 6 e 8 segundos, e os cientistas ainda nom dérom decifrado o significado de algumhas emisons lumínicas muito regradas e em perfeita coordenaçom. O que abraiou às especialistas é a sua alta eficiência, desde que quase o 100% da energia investida por este insecto de 16 centímetros transforma em luz, sem esbanjar-se quase nada em calor. O segredo químico por trás deste logro está estudado: provém da combinaçom da enzima luciferina com oxigénio, cálcio e trifosfato de adenocina. As hembras conseguem um brilho mais intenso que os machos, e mesmo as larvas emitem luz.

O vagalume precisa de ambientes húmidos e temperaturas altas (a sua estaçom por excelência é o verao). Pode aninhar em madeiras apodrecidas, e as suas larvas alimentam-se de lesmas e cascarolos. Apesar da sua aparência, som depredadores ferozes, que som quem de dar a volta a um cascarol para devorar a sua carne aos poucos.

Betom, luz artificial e químicos: um tempo novo

A Itália dos 60 viviu o que a Galiza afrontaria umha ou duas décadas depois: umha extensom imparável dos espaços urbanos, com o seu correlato de invasom de luz, construçons de betom, verquidos em rios, dessecamento de branhas e gándaras e extensom dos agroquímicos. Perdêrom-se zonas húmidas, ganhou-se a espaço à escuridade nocturna, simplificou-se a fauna, e o luzecu foi encolhendo os seus domínios, privado de alimentos e desorientado pola luz artificial. Na década de 70, e sem que a maioria dos pensadores se atrevessem a apontá-lo, Passolini afirmou com agudeza que nom vivíamos umha mudança pequena: “já nom estamos mais perante, como todos já sabem, a “tempos novos”, senom a umha nova época da história humana: dessas épocas da história humana cujos limites atingem milénios.” A sociedade de consumo que nascia das ruínas da civilizaçom rural, do velho orgulho proletário e da cultura popular, Passolini dedicava-lhe estas palavras: “este povo converteu-se num povo degenerado, ridículo, monstruoso, criminoso. Apenas cumpre sair à rua para adverti-lo.”

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É exagerado relacionar a mingua ou desapariçom dum insecto tam aparentemente intranscendente com a entrada numha nova era? Para os materialistas vulgares, a relaçom do ser humano com a natureza sempre é mediada pola noçom de exploraçom e aproveitamento: as árvores importam porque som lenha, as pitas porque dam ovos, os porcos porque dam carne, e todo o resto som alimanhas que nos levam importunando desde tempo imemorial. Mas como o filósofo Santiago Alba salientou, a humanidade, além de “cousas de comer” e “cousas de utilizar” sempre se preocupou com as “cousas de mirar”: as maravilhas. O vagalume, que nem se aproveita nem se come (tem de feito um sabor espantoso, segundo os cientistas, pola sua cantidade de lucibufagina, o que o livra de muitos depredadores), foi umha das maravilhas das galegas e galegos. O escritor Manuel Rivas, em “Umha espia no reino de Galiza”, chama a atençom de que é o ser vivo com mais nomes: “Contam-se quase cem sinónimos. O vagalume é umha autêntica estrela na memória luminosa da cultura pop galega.” Eis algumhas das denominaçons, quase todas elas metafóricas: becho de lume, cozinheiro, coco de luz, velha do caldo, velha dos valados, velhinha da cea, verme cautivo, verme da luz, verme da noite, luzerna, luzeiro, coroceiro, pirilampo…

Como tal, estivo muito presente na cultura popular e letrada. Wenceslao Fernández Flórez dedicou-lhe um capítulo da obra “El bosque animado”, e recordou que na década de 40 “os meninhos de Cecebre afirmam que o verme luminoso oculto na silveira é umha velhinha que cuida o lume da sua ceia de farinha de milho.” Iglesia Alvarinho dedicou-lhe uns versos que som quase umha oraçom: “Dai-nos, Senhor /um alpendre de sombras e de luar / para cantar / e um carreirinho de vagalumes /polas hortas viçosas do teu reino.”

Esta querência mantivo-se no povo e, nos inquéritos que se realizam periodicamente sobre as palavras mais formosas do galego, vagalume aparece sempre como umha das mais destacadas.

Nalguns países como a China e México, as autoridades habilitárom santuários de vagalumes, umha forma artificiosa de compensar a sua extinçom. Wuhan, em Hubei, ou Nanacamilpa, em Tlaxcala, som lugares consagrados ao “turismo de vagalumes”, um triste consolo contra a perda das noites de verao e dos hábitats mais singelos onde vivia o animal. Certamente, a umha sociedade que se assiste passiva à cercana desapariçom das noites estreladas por causa da rede de milhares de satélites do 5G, pouco pode preocupar-lhe a desapariçom de insectos dos que nom conhece nem o nome. Há, porém, esperança: naturalistas ainda o detectam brilhando na Galiza, e futuros hábitos de sensatez energética quiçá deam mais espaços e fôlegos à velhinha do caldo.