Na difícil batalha pola sobrevivência, certos animais exibem força; outros, rotinas mui medidas e eficientes; ainda há quem estabeleça cooperaçons produtivas entre espécies. Mas também topamos seres que desdobram recursos múltiplos e umha certa inteligência mui flexível. Nesta categoria sobranceia o golpe ou raposo, que em distintas culturas do planeta foi condenado ou enxalçado a partes iguais, como pícaro interesseiro, ou como emblema da astúcia. Hoje que padece massacres injustificados em nome do desporto, queremos dar a conhecer e homenagear o golpe.

Em toda a Europa, e atrevemo-nos a dizer em todo o mundo habitado (agás na Austrália, onde é espécie invasora) conhece-se o porte deste formoso animal: corpo pequeno e esbelto, longa cauda, orelhas de grande tamanho, triangulares, e um focinho afiado e prominente. Se repararmos nos seus olhos, veremos umha pupila vertical que sugere observaçom e picardia. No mundo existem doze espécies de Vulpes. O que habita entre nós, e em geral no oeste da Europa, é o ‘Vulpes vulpes’, do que existem 45 subvariedades locais. O raposo europeu ainda apresenta outra nota de beleza, a sua cor vermelha e prateada.

Imagem: wikipedia.org

Em galego recebe os nome de raposo ou raposa, zorro, e também golpe, termo que se fai comum ao norte do Tambre. A palabra raposo procede etimologicamente de ‘rabo’, pois os nossos devanceiros devêrom ficar assombrados da sua longa cauda, mesta e sedosa. Outros idiomas aludem ao mesmo: em galês é ‘llwyrog’, isto é, ‘mesto’, em referência ao pelo da cauda. Em inglês, a palavra ‘foxy’, que deriva de ‘fox’, utiliza-se para salientar a beleza física em humanos. Umha certa sensaçom de harmonia desprende-se aliás dos movimentos do raposo: o conhecido naturalista espanhol Rodríguez de la Fuente foi dos primeiros em reparar nos movimentos do animal filmando-o em cámara lenta, e concluiu que eram os jogos de equilíbrio da cauda os que permitiam manter o ponto de equilíbrio. O raposo nom é um fondista extraordinário, como o lobo, e numha jornada nom soi percorrer mais de 7 kilómetros. Ainda, um galope ágil e veloz permite-lhe sortear as situaçons mais apuradas.

Oportunismo e sobrevivência

O raposo tem múltiplos inimigos, a começar polos depredadores como o lobo, e a seguir polo súper-depredador que é o homem (neste caso podemos utilizar a palavra sem acepçom genérica, pois som homens mais do 99% dos caçadores). Num contexto de relativa paz, o golpe pode chegar aos 15 anos de vida, mas nas difíceis condiçons do assédio, nom adoitam passar dum lustro. Contodo, som estas condiçons adversas as que permitem desdobrar à raposa todas as grandes dotes de sobrevivência. O oportunismo começa pola versatilidade territorial, pois tanto podem estabelecer-se como sedentários, como praticar umha mobilidade medida. Em parelha ou em pequenas famílias, habilitam tobos para as etapas de mau tempo ou para a jeira da criança.

Naturalistas descobrírom que as tobeiras adoitam ter um corredor de cinco ou seis metros, e nalguns casos topárom-se acobilhos de até 17 metros de longitude. Constrói-nos nos lugares mais inacessíveis: cantis, beiras mui costentas, fendas de rochas escarpadas, e cuida-se de que a orientaçom seja cara o sul e garanta melhor temperatura. Na semana passada víamos como por vezes o golpe desputa a vivenda ao teixugo: rouba-lha com excrementos ou restos animais, pois o nosso animal de hoje nom tem a higiene do porco teixo. Porém, certos estudiosos dim que por vezes partilha hábitat com este animal, compartimentando-o por mútuo interesse.

Mas quiçá a maior mostra do seu oportunismo é o amplo rango alimentário da espécie. Um estudo da antiga URSS descobriu que o golpe podia alimentar-se de até 300 espécies animais, nas que se incluem pequenos roedores, mustélidos e invertebrados, e obviamente aves. A sua predilecçom polas pitas levou ao ódio do agricultor desde tempo imemorial.

Esta carragem nom tem nada a ver, sem embargo, com o instinto exterminador dos caçadores desportivos do presente, que o acusam de acabar com lebres e perdizes. De facto, o golpe é um grande controlador natural de roedores, o que acaba por beneficiar o labrego. O naturalista ourensano Pablo Rodríguez Fernández ‘Oitabén’ descobriu umha fasquia desconhecida da raposa: dispersa sementes que revitalizam os montes através dos seus excrementos. Muitas figueiras, cerdeiras, érvedos, estripeiros, devem-se aos golpes que transportam sementes no aparelho digestivo.

Muito presente no folclore

Pola sua extensom planetária, o zorro ou raposo (for ou nom for ‘Vulpes vulpes’) ocupou o seu lugar em todas as mitologias. Na Europa tivo tal potência no folclore que chegou a figura protagonista dos livros infantis. Na tradiçom literária europeia aparece em romances do século XII, nos que se origina a personagem de Roman de Renart; num clássico como ‘O conto do sacerdote’ de Geoffrey Chaucer, o golpe ocupa já o seu espaço como pícaro e renarte.

Roman de Renard, o raposo por excelência da literatura medieval,
representado em tempos modernos como pelegrim a Compostela.
Imagem: michelinewalker.com

Procurarmos onde procurarmos, o golpe figura com um destes três atributos (ou com os três juntos): inteligência, engano e transformaçom. Na mensagem por volta da raposa há umha grande ambivalência, e assim topamos também visons negativas do animal: para os árabes simboliza a covardia, pois é um animal que, nas luitas desiguais, nom dá batalha, senom que finge estar morto. Na Bíblia, som alcumados de rapososo os ‘falsos profetas’, e nas lendas de certos povos norteamericanos é o companheiro do coiote, ao que remata por enganar. Os marinheiros de muitas costas, incluídos os galegos, tinham como regra nom escrita nunca falar a bordo de curas, cobras ou raposos, pois mentá-los atrazeria a desgraça. Na guerra mundial, o general nazi Erik Rommel foi alcumado polos seus inimigos como ‘o raposo do deserto’ pola sua capacidade de utilizar o engano no campo militar.

Mas nom todo é negativo, nem de longe: para a tradiçom finesa, a inteligência com que se maneja o raposo tem muito de virtuoso, face a figura do mal e a força bruta associada com o lobo. Na língua inglesa, o verbo ‘outfox’ significa ‘superar em inteligência a outra pessoa’ num reto ou desafio. Esta noçom passou à cultura popular contemporánea em muitos ámbitos. Sem irmos mais longe, a inícios da passada década, o arredismo publicou umha revista teórica intitulada ‘O Golpe’. O nome procurava associar estratégias de inteligência e renovaçom sócio-política com a habilidade proverbial do animal para sair adiante em condiçons adversas.

Ecologistas boicotam cada ano o Campionato de Caça do Raposo.
Imagem: galiciaconfidencial.com

Como todas as sociedades agrárias, o nosso povo conviviu em relaçom conflituosa com o animal, numha espécie de relaçom de vizinhança em tensom: o golpe está presente nas denominaçons de ‘barbas do raposo’, ‘cereixa do raposo’, ‘chícharo do raposo’, ‘uva do raposo’ e ‘ovo de raposo’, nomes que denominam plantas, froitos, flores e cogomelos; também no ‘zorromeco’, umha figura típica para assustar os nenos fedelhos. Os caçadores de antes chamavam-no ‘Perico’, ‘Domingos’, ‘Pedro’, ‘Xan’ ou ‘Bravio’ para despistá-lo. Mas este choque com o golpe, que era tratado com umha mestura de enfado e carinho, nada tem a ver com a morte industrial planificada hoje pola Federaçom Galega de Caça com subvençom da Junta. Segundo o web rios-galegos.com, estas batidas levam eliminado 75000 raposas entre 2011 e 2017.

Há justo dezoito anos, em fevereiro de 2002, o jornal de referência da direita espanhola na Galiza intitulava sobre a caça do raposo: “150 hombres sin piedad”. E recolhia umha declaraçom jubilosa dos caçadores: “imos polos terroristas.” Está todo dito.