Em 1999, às portas do século que andamos, ficavam apenas na Galiza 190 exemplares de cavalo galego, também conhecido como poni galego ou faca galiciana. Segundo registos de 2012, eram já mais de 1500 estes animais, repartidos em mais de 250 exploraçons, as mais delas nas serras da dorsal que arreda o Atlántico da Galiza anterior. O debalar da espécie arrancara da década de 70, e tinha muito a ver com o fim do nosso velho complexo agrário. O interesse pola sua recuperaçom, palpável na constituiçom da Associaçom do Cavalo de Pura Raça Galega, fijo reverter a situaçom, o que nos reconcilia com um animal que fascinou os humanos desde os tempos das cavernas.

A popularizaçom dos curros, nomeadamente graças à atracçom turística da Rapa das Bestas de Sabucedo, recuperou o protagonismo para o cavalo no imaginário das galegas. Obviamente, nom todos os cavalos que protagonizam os curros som propriamente cabalo do país.

Hoje, o 75% das facas galicianas vivem ceivas, mormente em espaços de monte vizinhal em mao comum. O seu papel na limpeza florestal e na prevençom de incêndios é importante. O termo “raça”, muito presente na linguagem popular, nom é científico, tampouco falando de cavalos. A palavra serve para identificar distintas variedades cujas características se fórom ajeitando ao trabalho para o que a besta foi utilizada: da lavrança à guerra, passando pola viagem ou, em tempos mais recentes, recreio.

Ao nosso cabalo o povo chamou-no besta, cavalo de monte, faca galiciana, garrano, poni galego ou cavalo do país. Cientificamente classifica-se baixo a etiqueta de “Equus ferus caballus”, ainda que há quem o situe como subespécie “Equus ferus atlanticus”. A maioria dos estudiosos relacionam-no sem a menor dúvida com outros fenótipos cercanos: o asturcom, a jaca soriana ou o losino (das terras burgalesas). Todos eles estám emparentados com o póni británico, e historiadores apontam que puido chegar a Galiza com as vagas célticas de 1500 a.C., se fixermos caso às debatidas teses invasionistas. À margem da polémica historiográfica, o certo é que se adapta perfeitamente à geografia esgrévia de todas estas áreas, a climas rigorosos, e a terrenos de monte baixo, escassamente arvorados.

Imagem: feagas.com

Um tópico reiterado diz dele que é um animal selvagem, mas em propriedade trata-se dum cavalo silvestre (a sua relaçom com o ser humano é pontual e medida). Apenas em regions da Polónia ficam exemplares de verdadeiros cavalos selvagens nunca domesticados polo homem. A faca galiciana tem carácter dócil, pode alcançar umha altura de 140 centímetros e apresenta umha planta forte, que em certa medida contrasta com patas finas. É de cor negra e castanha, com pelo muito escuro na crina e na cauda. Se o queremos distinguir de outros parentes cercanos, devemos fixar-nos no topete de pelo negro que cai sobre a fronte, e também no muito pelo que tem no focinho e na queixada.

Os seus antecessores mais remotos viviam há 55 milhons de anos: é o cavalo selvagem, dos que tam poucos exemplares ficam; umha parte deles foram domesticados num processo que acompanhou a revoluçom Neolítica, isto é, o assentamento dos humanos em núcleos permanentes dedicados à agricultura e à gadaria. O cavalo fijo-se doméstico por volta do 4000 a.C. Na Galiza, e ao que parece no mundo celta occidental, acompanhou a guerra. A faca galiciana é descrita em textos de Estrabom e Plínio dedicados às formas de vida dos nossos antecessores. Os celtas da Gália, dim as fontes romanas, eram xinetes excelsos, e muitos galos trabalhárom como mercenários do Império precisamente cabalgando as suas bestas, pois a sua habilidade ao galope era proverbial. Na Galiza, bem mais tarde, a besta aparece muito vinculada à chamada “revoluçom monacal” que destinou parte da terra a espaço cultivável, e a força e resistência da faca galiciana devêrom ser importante no nascimento daquela civilizaçom agrária, que sobreviviu sem modificaçons essenciais até bem entrada a Idade Contemporánea.

Mito e fascinaçom

O cavalo acompanha muitas mitologias desde, quanto menos, a recriaçom de cavalos alados por parte dos hititas. Chineses, árabes, gregos, escandinavos ou celtas, por citarmos apenas alguns, tenhem os seus cavalos mágicos. Na compilaçom de símbolos ancestrais, o cavalo figura como um animal mediador entre ambos os mundos (o inframundo e o domínio celestial), possivelmente por ser sempre associado com a capacidade de elevaçom e transcendência. Os chamáns utilizárom-no por isso como emblema da ligaçom com o mundo dos que nom estám, mas que em certa medida se acha presente. As bestas encarnárom o espiritual e também o poder físico, pois pensemos que a domesticaçom do cavalo e o seu uso militar dérom à violência humana um novo alcanço.

Se, como cada semana, mergulhamos especialmente no que nos é mais próximo, o mundo céltico, comprovaremos como o cavalo foi na velha civilizaçom dos occidentais um símbolo de estatus. Dava conta de categoria social e poder militar. Os romanos testemunhárom e reconhecêrom aliás a altura simbólica do cavalo, e chegárom a adoptar Epona, deusa céltica da Gália, representada sempre com umha ou duas bestas, no seu panteom. (Considerava-se a patroa de cabalos, mulas e burros) Nas sagas irlandesas, aparecem vários cavalos com atributos míticos, nomeadamente no Ciclo do Ulster; nos Mabinogion galeses, Rhianonn cabalga umha besta branca. E na irmá Bretanha, que como a Galiza sonha com cidades mergulhadas, os reis míticos da urbe subaquática de Ker-Is cabalgam um corcel negro.

Epona, deusa celta e romana do cavalo. Imagem: vovatia.wordpress.com

Um impacto perene

Quem nom se sentir impressionado polos mitos pode ir ao registo arqueológico e descobrir como o cavalo preside, praticamente sem rival, o panteom animal dos humanos. Em 2011, o Instituto Leibniz para a Investigaçom da Vida Selvagem confirmou, para abraio de muitas, que todos os tipos de cavalos representados na pintura rupestre do Paleolítico europeu existiram de verdade, inclusive aqueles de cor clara e pintas escuras, com aspecto de leopardo. O estudioso Georges Savet, por seu turno, inventariou 4700 pinturas rupestres, para confirmar logo que o 30% das figuras representavam bestas. Os seus desenhos ocupavam lugares altos e visíveis, de proporçons perfeitas. As nossas devanceiras remotas representárom-nas com um realismo que rivaliza com a pintura contemporánea, e fixérom-no há aproximadamente 25000 anos: nem mais nem menos que vinte milénios antes de o cavalo ser domesticado. Qual é o seu significado? Nom o sabemos, e só podemos aventurar hipóteses. De partida, o cavalo nem era animal doméstico, nem tampouco principal fonte alimentícia (pre-historiadoras defendem que esta era o reno).

Imagem: Projecto Equus.

No território que actualmente é a Galiza, também o cabalo acompanhou as primeiras experiências humanas. Em Cova Eirós, o jazigo paleolítico de Triacastela, aparecêrom restos de cavalos; artistas pre-históricos representárom bestas nas pinturas rupestres de Sabucedo, em petróglifos como Campo Lameiro (na Laje dos Cavalos já aparecem xinetes cabalgando) ou na Serra da Grova, já da Idade do Bronze.

A querência polo cavalo na nossa cultura ancestral nom passou desapercebida aos amantes do património. De facto, a secçom de Arqueologia do Instituto de Estudos Minhoranos tem lançado o “Projecto Equus”, que tem como objectivo o estudo e conservaçom de todos os petróglifos com representaçom de cavalos que se concentram na Galiza suroeste, e atinge o norte de Portugal. Sem ainda conhecermos umha explicaçom, se ao norte da Ria de Vigo o cervo é o animal mais representado nas gravuras da pedra, cara o sul o cavalo ganha total preponderáncia.