Quando Carl Von Linneo estabelece a histórica classificaçom dos seres vivos em 1776, decidiu baptizar o nosso animal da semana como ‘Meles meles’: trata-se do teixugo. A sua semelhança com o urso levou a pensar que era um grande amante do mel, mas hoje parte do naturalismo pom em causa esta afeiçom. Certo ou nom certo, a discreçom proverbial do porco teixo fai difícil observar os seus costumes, e ainda mais difícil resultava antes de as novas tecnologias facilitarem o estudo da fauna. Para as naturalistas, é umha peça cobiçada para fotografar e monitorizar; para o povo de hoje, um grande desconhecido. Nom há tanto tempo, os galegos comiam-no e, na noite da história, os celtas veneravam-no.

Mais um mustélido ajudará-nos, na crónica natural desta semana, a ir completando a família dos pequenos depredadores, e deste modo avançar no conhecimento dos nossos bosques. O povo chamou-no teixo, teixudo, tasugo, ou mesmo porco teixo (da raiz germánica ‘taxo’, ‘tecer’, em alusom ao bem que constrói os seus tobos). Na vizinha Astúries chamam-no ‘melandro’, vincando de novo na sua querência polo mel. Segundo contou o escritor lucense Isidro Novo, na Galiza irredenta, nom há tanto tempo, diferenciavam o simples teixo do porco teixo: este tinha mais gordura, e era portanto apto para ser comido. Se fixermos caso a Álvaro Cunqueiro, nom era raro nas mesas fidalgas, e ele mesmo o provaria, causando problemas de digestom. José María Castroviejo, amigo do mindoniense e caçador, testemunha ter conhecido um teixugo domesticado.

Imagem: reference.com

Estamos ante umha outra lenda nom provada. O certo é que o teixugo nom quer trato com humanos, e mesmo rejeita tê-los a certa distáncia. É um animal nocturno bem identificável: pode alcançar até os 90 centímetros, e os exemplares fortes (normalmente machos) chegam a pesar mais de 14 kilogramos. A cabeça branca, atravessada por duas linhas pretas, fai-no inconfundível. Caminha com patas poderosas para arrastar um corpo baixo e pesado, de cor cinzenta.

Tenhem-se topado restos do antepassado do teixugo de até 4 milhons de antiguidade, alguns deles na Península Ibérica. A paleontologia estabelece que é um ser conformado no Holoceno, originariamente carnívoro, que evoluiu cara hábitos mixtos, menos predadores.

Do bosque ao cubil

Os seus hábitos som nocturnos e solitários. Omnívoro, pode alimentar-se de cascarolos, lesmas e miocas, sem descuidar frutos. O seu território preferido som os boscos mixtos e tranquilos, ainda que também fai incursons em prados e zonas cultivadas. Tem predilecçom polas castanhas, as uvas e o milho, daí a sua má fama entre os labregos. O III Convénio de Berna, vigorante desde inícios de 1982, inclui-o na listagem de espécies protegidas, se bem a Junta nom tomou nenhuma medida concreta para a sua protecçom.

Cubil do teixugo. Imagem: flickr.com

Tremendamente agressivo com quem violar o território, dispom de gadoupas mui ameaçantes. Numha visita cuidadosa polo monte, podemos ver as suas pegadas, que sempre deixam marcadas cinco dedas com as suas correspondentes unhas. Estas armas naturais, com as que se defende de lobos ou raposos (nom sempre com sucesso) tenhem porém outra utilidade: som pequenas excavadoras com as que construir os tobos. O cubil do porco teixo é umha das obras mais assombrosas da engenharia animal: podem-se extender até 14 metros baixo terra, e servem para acolher famílias numerosas, de mais de vinte membros. O teixugo é monógamo e cria camadas de até cinco filhos; canaliza a violência contra espécies rivais, mas nom se tenhem testemunhado liortas intrafamiliares. Pesquisadores descobrírom que o cubil do teixugo dispom compartimentos diferenciados, e mesmo habilita berces para os cachorros. Trata-se dos poucos animais que constrói latrinas, e repugna-lhe o lixo. Cámaras camufladas tenhem descoberto que, se um raposo quer apropriar-se do cubil do teixugo, limita-se a deixar na entrada os seus excrementos. O teixugo nom pode aturá-lo, e lisca com toda a família.

Significado mítico

As sociedades antigas de ambos os continentes observárom no teixugo certas virtudes, e tencionárom emulá-las. Parte dos povos nativos norteamericanos, admirárom a sua pertença a um determinado território, e o zelo que ponhia em defendê-lo, mesmo arriscando a vida. Nas lendas de tradiçom oral, aparece equiparado (ou intercambiado) com o glutom, ambos animais laboriosos e leais à sua zona. No caso da China, e ao que parece por coincidências fonéticas entre ambas as palavras, equipara-se ‘teixugo’ com ‘felicidade’, se calhar pola vida aparentemente prácida, recolhida e familiar do mustélido.

Mais perto de nós, no mundo escandinavo, os viquingos comiam asada carne de teixugo nas suas incursons e, nom sabemos se com conteúdo simbólico, os guerreiros levavam a sua pele para se tapar da cintura para embaixo. Na nossa Terra, segundo Quintiá Pereira, a mao de teixugo era utilizada como amuleto contra o mau de olho. Cornos ou cairos, na cultura tradicional, entendiam-se barreira contra influências demoníacas, segundo a lei do ‘similia similiabus’ (um poder maligno nom atacará quem levar os seus mesmos atributos).

Vidraça em honor ao santo irlandês, que baixou ao inferno vestido com pele de
teixugo. Imagem: har22201.blogspot.com

Entre os celtas gálicos, o teixugo tinha atributos de poder e realeza. Julio César conta que pactuou com um monarca de nome ‘Tasgetio’ (da raiz ‘taxos’, teixugo). Em antropónimos e topónimos do norte dos Pirineus aparecem também as formas ‘Tascos’, ‘Tasgillus’, ‘Tasca’, ‘Tasciovanus’. Na tradiçom greco-romana, a graxa de teixugo aparece venerada como potente medicamente, e sabemos que também na Galiza tradicional se utilizava para sandar os ouvidos. Na Irlanda, o santo Molaisse, segundo a lenda, baixou ao inferno protegido por pele de teixugo para resgatar um leproso. O rei mítico irlandês Tadhg mac Céin, regente dumha ilha, era o ‘Rei Teixugo’. E ainda na tradiçom galesa achamos a alusom de outra das características do teixo: a voracidade. O conto do ‘Broch ygkot’ fala dumha saca de teixugo na que colhem objectos incontáveis, pois imita a glutonaria do animal. Eis alguns dos atributos do porco teixo, animal que desconhecemos mas que, como todos os seus vizinhos nos bosques, é o nosso vizinho desde tempo imemorial.