(Imagem: Carlos Lesmes numha sessom do Conselho Geral do Poder Judicial) A extrema direita, nas suas diferentes fracçons, declarou desde o primeiro momento que pretende “tombar este governo”. Para tal estratégia, o controlo do poder judicial revela-se um elemento chave, e o PP mobilizou nesta semana todas as suas correias de transmisom no mundo judicial para blocar a perda de poder dos seus afins; no extremo contrário, o PSOE dedica-se com todas as suas forças a situar nos resortes chave, caso da Fiscalia Geral do Estado, responsáveis que conduzam o conflito catalám segundo as teses da direita moderada. Unidas Podemos, auxiliar incondicional de Pedro Sánchez, desdiz-se do seu programa e assume que o poder judicial dependa dos partidos.

Aconteceu o esperado, e a primeira grande colisom entre os dous pilares partidários do Regime cenificou-se na passada quinta feira. Foi no Conselho Geral do Poder Judicial, órgao que teoricamente encarna um dos poderes independentes do Estado de Direito. O seu plenário elegeu como Fiscal Geral do Estado Dolores Delgado, que substitui María José Segarra.

Nos anos vindouros, a fiscalia estará em maos desta madrilena de 58 anos, que dá o salto, sem transiçom, da sua condiçom de deputada e Ministra de Justiça, à fiscalia “independente”. Sete dos dezanove vogais presentes na juntança (dous ausentárom-se) votárom em contra. Todos eles som juízes situados polo PP nesse organismo, e acolhêrom-se ao evidente argumento da “nom idoneidade” dessa pessoa para desempenhar o cargo, dada a sua nula independência política. Nem cumpre esclarecer que quando a situaçom é a contrária, e a Fiscalia está pilotada por um afim ao PP, os vogais conservadores votam no sentido oposto. Seja como for, os doze votos restantes permitirám a Delgado exercer a alta responsabilidade. No texto final, redigido por Carlos Lesmes, afim ao PP, explicita-se que a ex-política do PSOE reúne as condiçons, se bem nom se nomea a palavra habitual nestes textos, “idoneidade.”

Dolores Delgado: de Ministra de Justiça do PSOE a Fiscal Geral “independente”
(Imagem: cadenaser)

Armadilhas do Regime

No texto constitucional de 1978 recolhe-se a potestade governamental de controlo da Fiscalia Geral do Estado, numha contradiçom evidente com a divisom de poderes. Este procedimento é um dos que explica – entre outros – a animadversom e desprestígio popular da justiça, salpicada intermitentemente por casos de conivência de juízes e fiscais com os interesses mais obscuros dos partidos. Sem recuarmos muito no tempo, lembremos que o ex-Fiscal Geral Torres Dulce, de ideologia conservadora, demitira-se por fortes pressons do PP tempos mais críticos do ‘Caso Gurtel’. O falecido Juan Carlos Maza, um dos representantes estatais mais beligerantes contra o arredismo catalám, nomeara Manuel Moix como Fiscal Anticorrupçom quando tocava enjuizar a trama corrupta do PP. Eram conhecidas as simpatias direitistas de Moix, que aliás tivo que demitir em 2017, quando se descobriu que possuía 25% dumha sociedade off-shore em Panamá. Apesar do escándalo, Moix afirmara que demitia apenas por “questons pessoais”, enquanto o seu protector, o falecido Maza, afirmava fachendoso que “a Fiscalia nom é apenas independente do governo, senom também de outros sectores do Estado.”

O fedor dos esgotos

Por se fossem poucos os motivos da polémica, o nome de Dolores Delgado traz consigo evocaçons desagradáveis para qualquer democrata. A ex-deputada e ex-ministra é umha das citadas na investigaçom que segue o Julgado de Instruçom n.º 6 da Audiência Nacional contra os negócios ilegais de José Manuel Villarejo, o polícia corrupto e ex-espiom do CNI que cumpre condena em Estremera. Segundo as suas gravaçons, Delgado partilhara jantar em 2009 com o espiom, o juíz Baltasar Garzón e vários mandos policiais. As conversas nom registam nenhum delito, mas si umha relaçom familiar com o representante dos esgotos do Estado, além de comentários insultantes e de mau gosto. Delgado cita um juíz como “maricom” e diz preferir “tribunais compostos por homens, que vam de frente”; aliás, reconhece que numha viagem profissional a Colômbia viu membros do Tribunal Supremo contratar sexo de pago com menores.

O comissário Villarejo tivo várias reunions comprometedoras com Dolores Delgado.
(Imagem: confilegal)

Delgado nunca negou a reuniom nem pediu desculpas polos encontros com os esgotos. Na Comissom de Justiça do Congresso, em setembro de 2018, apenas declarou que “nem os sumidoiros, nem a direita, nem a extrema direita, a vam a amedonhar”. E eludindo os conteúdos reais das gravaçons, dixo que nas fitas “as declaraçons curtam-se e colam-se.” Depois de manifestar que “nom conhecia de nada Villarejo”, declarou que “estivera com ele em três ocasions.”

Podemos: como dizer umha cousa e a contrária

Pablo Iglesias compareceu esta semana diante dos meios para dizer que a eleiçom de Delgado era correcta, desde que ela “pedira desculpas públicas” polo acontecido. Tais desculpas, em sentido estrito, nunca tiveram lugar. Podemos confia em que a mediaçom de Delgado sirva para atrazer o sector mais reformista do independentismo catalám, por volta de ERC, que vê possível um referendo pactuado sem as condiçons unilaterais dum verdadeiro exercício da autodeterminaçom. O papel de Delgado também poderia ser chave para indultar os presos e presas independentistas cataláns, parte dos quais desfrutam já dos permissos que se lhe soem negar a prisioneiras políticas galegas ou bascas.

Um dos ideólogos da esquerda reformista, Juan Carlos Monedero, dava nestes dias um bom exemplo de equilibrismo político ao escrever que o Regime de 78 deixara como herança a incidência dos partidos na Fiscalia Geral, no Tribunal Constitucional, no Tribunal Supremo ou no Tribunal de Contas. Umha questom que “cumpre solucionar com um pacto de Estado, para que nenhum governo nomee ninguém vinculado a ningum partido” e se garanta assim a independência da justiça. No entanto, continua o professor, apesar do injusto desta situaçom “nom se pode ser ingénuos em questons judiciais”. A eleiçom de Delgado passa assim a ser legítima. “Poderiam fazer-se melhor as cousas?” pergunta-se o intelectual. “Sem dúvida, numha democracia mais sensata.”

Ficam pois no esquecimento as declaraçons de Pablo Iglesias e Echenique há apenas um ano e médio: “quando um ministro fai algo incorrecto, pouco ético ou ilegal, tem que demitir”, dixeram a propósito de Delgado. Em abril do 18, a sua formaçom apresentava umha reforma para garantir a independência do Ministério Público espanhol: os votos em contra de PP e PSOE tombaram-na.

Nom cumpre irmos a fontes da esquerda revolucionária para acusar a incongruência. Ramón Espinar, um dos ex-dirigentes de Podemos em Madrid, dizia que a eleiçom de Delgado seria “umha cacicada imprópria de quem devem encabeçar a regeneraçom moral e democrática.” Alejandro Gámez, advogado de Podemos, criticou também a decisom, e assinalou que Delgado é umha política que “mentiu, muito ligada a Baltasar Garzón, e conhecedora dos sarilhos da Audiência Nacional.”