A Europa atlántica, e dentro dela Galiza, está habitada por carnívoros minúsculos que apenas o naturalista mais pacientudo pode detectar: som os mustélidos. Entre eles salienta a ‘doninha branca’, também conhecida como ‘arminho’, que subsiste com dificuldades nas comarcas mais nortenhas do país. A populaçom que a conhece e estima abraia-se com a sua flexibilidade, o seu andar a choutinhos e, por riba de todo, com a brancura que pode acadar a sua pelagem. Mas pouca gente conhece a importáncia simbólica que tivo na cultural europeia, nomeadamente na irmá Bretanha.
Os mustélidos extendem-se por todo o mundo, com a excepçom da regiom austral. Som de tamanho pequeno ou médio, rosto alongado e pelagem fina e apreciada, daí a tendência da indústria peleteira a explorar cruelmente todas estas espécies. Ao nom serem rivais para o ser humano, dado o seu pequeno tamanho, o povo apenas os considerou animais falsos e vorazes (fam estragos nas galinhas), mas sem dar-lhe a impopularidade do lobo. Na realidade, som depredadores muito agressivos com um fenótipo plenamente adaptado para a perseguiçom e captura de presas.
Som quase todos eles seres crepusculares que gostam de mover-se entre lusco e fusco ou em plena noite. Polos seus movimentos rápidos e a grande preferência por agochos (fendas, covas, oquidades), nom é doado localizá-los.
Caçadora silenciosa
A doninha branca (Mustela arminea) enquadra-se na subfamília dos mustelinos; é, portanto, parente cercana do visom, as marta ou a donicela, com a que tanto se parece. O naturalista López Seoane registou no século XIX que era enormemente frequente na Galiza mas, tristemente, a situaçom mudou para pior, e hoje recolhe-se para os espaços mais frios, húmidos, e menos humanizados. No Cantábrico é velha conhecida: em Astúries baptizárom-na como ‘papalvina’ (em alusom ao papo branco).
Algumhas guias de natureza apontam que é, como os seus parentes, animal nocturno, mas na realidade carece de ciclo de sono regular, e podemos ver com luz ou sem ela, quando alterna os seus descansos intermitentes com sessons de caça. No verao é mais visível, e nos dias longos podemos vê-la a corricar por prados; na época estival loze um lombo pardo, que branqueja na invernia. Nos países mais nortenhos, com menos horas de sol e temperaturas mais baixas, alcança umha cor perfeitamente branca, e apenas conserva umha pequena pelagem preta no extremo da cauda. Suavidade e brancura fixérom-na animal cobiçado para os tratantes de pele, que artelhárom à sua conta um lucrativo, e tremendamente cruel, mercado do arminho. Os países escandinavos, a Rússia ou o Canadá vírom o florescimento deste negócio.
É um animal silandeiro com poucos rivais na discreçom. Habita em agochos quase invisíveis baixo as pedras, ocos em árvores velhas ou tobos metidos em matogueiras mestas. A sua dedicaçom principal é a caça: ataca ratas, ratos, leirons, lagartos, pequenas aves e insectos, ainda que tampouco nom renuncia, se lhe cumprir, aos froitos silvestres.
É improvável toparmo-la, e menos frente a frente. Com isso e contodo, na época de cria a hembra vira agressiva, e nom duvidará em atacar qualquer que se lhe achegar, mesmo o ser humano. Ao ganharem independência e fazerem-se adultas, as antigas crias passam a ser criaturas solitárias e muito territoriais, batendo-se com quem desputar o seu espaço.
Tradiçons e lendas: a doninha bretoa
Fora dos interesses estritamente naturais, muitas pessoas conhecem a doninha polo conhecido quadro de Leonardo da Vinci ‘A dama do arminho’. Leonardo retratou nele Cecilia Gallerani, amante do seu patrom Ludovico Sforza, duque de Milám. A presença dumha doninha acarom da moça nom é azarosa, pois o animal arrastou sempre um simbolismo poderoso. Reis e posteriormente juízes adornárom-se com capas bordadas com pele de arminho, pois o seu branco sugeria pureza. Aliás, Ludovico era parte da ‘Orde do Arminho’, instituiçom cavaleiresca europeia organizada baixo o lema “Malo mori quam foedari” (“melhor morrer do que manchar-se”).
E é a pista de Ludovico a que leva, numha reviravolta da história, ao papel da doninha na cultura da Bretanha, e por extensom no mundo céltico. No século XIV, Joám da Bretanha fundou a orde de cavalaria do mesmo nome, que passou à posteridade por aceitar mulheres e pessoas nom nobres. A divisa da orde passou a ser “A morte é melhor do que a mancha” (“Kentoc’h Mervel Eget saotret Bezan”, em bretom, e “Potius foedari quam mori”, em outra versom latina da frase anterior), e converteu-se em divisa daquela naçom. A lenda diz que a duquesa Ana de Bretanha (séculos XIV e XV) ficou assombrada ao ver a atitude do arminho numha caçaria. Rodeado, o animal rejeitou fugir por umha lameira, e em troca revolveu-se e enfrentou os atacantes. A duquesa salvou-lhe a vida e escolheu o animal como emblema nacional e representaçom viva do valor. Outros estudiosos do mundo céltico dim que a história aconteceu-lhe ao duque breto-romano Conan Meriadoc no século V.
Seja como for, a mancha preta do arminho loze hoje na bandeira da Bretanha, a Gwen ha du (“branca e preta”), inventada em 1923 e inspirada aliás nos emblemas grego e estadounidense. Os nacionalistas modernos reconhecêrom assim o peso da heráldica medieval e relacionárom-na com as democracias contemporáneas; dado o papel simbólico do animal naquele país, a partir da década de 50, o movimento bretom utilizou de novo como distinçom honorífica umha banda inspirada na antiga orde medieval da doninha, e que leva entregando-se a persoeiros relevantes com periodicidade regular.
Entre as muitas coincidências -explicadas ou nom, azarosas ou lógicas- que unem a Galiza com a Bretanha, damos com mais umha: a semelhança das nossas divisas nacionais: “denantes mortos que escravos” nom se diferencia demasiado de “a morte é melhor que a mancha”. A doninha, este caçador pequeno e silandeiro, inspirou as nossas irmás do norte.