Em 2017, Iñigo Méndez de Vigo, na altura Ministro de Educaçom, Cultura e Desporto, anunciava que o Jacobeu de 2021 ia constituir “um evento de excepcional interesse público.” Quatro anos antes da celebraçom do ano santo, a casta política, nomeadamente a situada na direita extrema, já se preparava investir grandes esforços na dinámica de fastos. Umha lógica de celebraçom espectacular que acelera a turistizaçom do país e permite medir o sucesso em grandes cifras, sem quaisquer consideraçom social.
Em 2016, a Galiza estivo a piques de albergar cinco milhons de turistas, grande parte dos quais vinham atrazidos pola promoçom compostelana. Em 2017, e segundo cifras oficiais, chegou-se aos cinco milhons, umha cifra simbólica que a Junta pretende bater mais umha vez nesta década que inauguramos. As afirmaçons mais ousadas mesmo falam de 6 milhons. Enquadrado num Plano Estratégico Jacobeu 2021, a dirigência do PP galego prepara os ingredientes que farám isto possível: um investimento de 247 milhons de euros (no mínimo), 5000 dias de celebraçons frenéticas, e um discurso monocorde da mídia para aplaudir e secundar este modelo turístico. Feijoo insistiu que o Jacobeu é umha prateleira para mostrar “a melhor Galiza”. Que entende o PP por tal cousa? Umha sociedade onde está ausente ou silenciado qualquer conflito político social, e em que o riquíssimo património histórico-cultural que nos ratifica como naçom aparece invisibilizado em favor da identidade colonial: “o normal e maioritário na nossa sociedade é um sentimento de pertença e amor a Espanha. O normal e maioritário na nossa sociedade é um sentimento de pertença e amor à Europa. O meu desejo é o Jacobeu 2021 e os que vinherem depois sirvam para fazer ostentaçom deste sentimento, e sejamos capazes de extendê-lo aos pontos onde quiçá se topa algo enquistado.” Por outras palavras, o Jacobeu é umha ferramenta cultural em favor da espanholizaçom, labor para a que contribuirá, continuando o seu papel histórico alheio à realidade da Galiza, a igreja católica.
Os dados do negócio
Claro que, por trás da aparentemente desinteressada defesa identitária, há um suculento mercado eleitoral e empresarial. O PP nom ignora que umha faixa muito ampla do eleitorado é facilmente seduzida com a retórica do ‘mais’: mais infraestruturas, mais carros, mais compras, mais concertos, mais pelegrins, mais hoteis, mais turismo. Em síntese, mais PIB, sem se importar se esse PIB reflecte umha melhora das condiçons vitais da classe trabalhadora, se contribui para a sobrevivência dos ecossistemas, ou se permite que a cultura galega continue a existir.
Na verdade, este ‘mais’ constitui, desde as últimas duas décadas, umha verdadeira ameaça a vários dos piares da identidade galega e da nossa histórica forma de habitar o meio. Segundo nos desvenda a publicaçom soberanista Novas da Galiza no número deste Natal, umha cidade como Compostela depende de modo preocupante da monocultura turística, até o ponto de se ver hipotecada se nom continuar um fluxo desproporcionado de visitantes. 50% da vivenda no casco histórico da cidade já nom pertence aos usos vicinais, senom a alojamento turístico. O PIB da capital depende num 23% dos ingressos turísticos. O sector agrário do concelho, no seu dia importante nos arredores da cidade, representa apenas o 1%. Umha actividade turística, esclarecem os especialistas consultados polo Novas da Galiza, “que beneficia apenas o 1% da populaçom do país, mas que requer do concurso de todo o resto.” Benefícios fiscais, infraestruturas destinadas a tal fim, mega-eventos de lazer, desenhos urbanísticos, todo concorre para favorecer a afluência massiva do turista. A alça de preços em produtos básicos, a privatizaçom de facto de espaços públicos por ocupaçom de multidons, a extensom dum modelo de emprego precário, os alugueres impossíveis, som algumhas das mudanças que padece a populaçom.
Até o poder se assusta
As críticas à turistizaçom, há duas décadas património exclusivo do independentismo e riscadas de ‘fora da realidade’, chegam mesmo agora, timidamente, a esferas do poder. O alcalde compostelano, Sánchez Bugallo, foi um dos promotores da conversom de Compostela em emblema jacobeu, mas neste ano reconheceu à imprensa a necessidade de paralisar -quanto menos temporalmente- a concessom de licenças de andares turísticos. Esta medida visa regularizar um mínimo a existência de 6000 vagas para turistas em 1500 pisos. Constituem um verdadeiro repto para o convívio vicinal e mesmo ameaçam, num limbo legal descontrolado, certos sectores do capitalismo turistizador, como as grandes hoteleiras. Bugallo manifestou que “cumpria rematar com esta insegurança jurídica”, falando mais em nome de outros blocos empresariais que do interesse das vizinhas. Estas já tomam medidas, como fixérom no seu dia em megalópoles como Barcelona: agora, em Compostela, muitas associaçons de vizinhos apoiam-se na bastante indefinida legislaçom para blocar que vivendas do seu prédio virem em ‘andares turísticos.’
Claro que o problema nom é exclusivamente compostelano, como temos analisado neste portal em várias ocasions. No verao, os efeitos destrutivos do ‘efeito Jacobeu’, e da turistificaçom na sua acepçom ampla, deixam-se notar, e mesmo a imprensa comercial regista as queixas de populaçom e políticos locais. Nas Rias Baixas, vários concelhos acolhem mais visitantes do que permitem as suas infraestruturas de esgotos e transportes. Para darmos o exemplo mais conhecido, o de San Genjo, sacrificado historicamente aos veraneios das elites espanholas e galego-espanholas, a populaçom passa de 17000 pessoas a 140000. Viveiro, mundialmente famoso graças ao macro-festival Resurrection Fest, passa nuns dias dos 16000 aos 80000. Ainda que a chuva de dinheiro a locais de hostelaria e alugueres leva a esquecer os efeitos mais duros, estes fam-se notar mais cedo do que tarde: problemas com trazida de água, espaços naturais danificados, sentimento de estranjaria das habitantes nativas, retrocesso no uso do idioma em favor dos mais prestigiosos espanhol e inglês.
O consenso político parlamentar facilita a deriva irracional do mercado turístico, pois nom há nenhuma força que fale explicitamente contra os efeitos espanholizadores e ambientalmente destrutores do fenómeno. A ortodoxia neoliberal, que leva a que no mundo se produzam anualmente movimentos de 1300 milhons de pessoas com o único fim do lazer, mercantilizou a viagem e fijo ainda mais incontrolável a emissom de gases de efeito estufa.