Nesta semana, a controvérsia num programa de imprensa rosa de máxima audiência, com verniz político, saltou à actualidade. A sua apresentadora, a conhecida Ana Rosa Quintana, amoestava um professor universitário de esquerdas, Juan Carlos Monedero por manifestar que em Bolívia se estava a produzir um golpe de Estado, retrucando as declaraçons do ex-ministro do PP Álvarez Margallo. “Nom imos permitir os convidados dirigirem o programa”, manifestou. O exemplo, um bocado burdo, continua porém umha intervençom de manual a favor da reacçom, no mundo e na América Latina: reproduzir os discursos dos golpistas, contando sempre com a presença dumha voz dissidente sob controlo para dar imagem de pluralidade.
É possível que a imprensa capitalista, defensora confessa do sistema parlamentar, seja quem de fazer apologia de golpes de Estado em sistemas representativos? Nom só possível, senom frequente, como vimos a partir do caso ucraíno em 2014 ou, mais recentemente, venezuelano. Em janeiro de 2019, a prática totalidade dos cabeçalhos espanhóis lançárom-se a umha campanha puramente propagandística a favor do deputado venezuelano Juan Guaidó, auto-proclamado presidente do país. Segundo um estudo realizado por Pascual Serrano, especialista na análise crítica dos meios, a reproduçom mediática do acontecido há dez meses baseou-se de partida em plenas falsidades: enquanto a imprensa espanhola (ABC) dizia que Guaidó assumia a presidência ‘com o apoio das forças armadas’, na realidade, o político direitista fazia a sua declaraçom acompanhado de apenas vintecinco soldados rasos, que aliás foram levados baixo engano a apoiar a declaraçom. E se a posta de longo pretendia representar o golpista ‘na base militar La Carlota’, dava umha rolda de imprensa na auto-estrada, aclamado apenas por uns poucos centos de pessoas. Claro que os poderes fácticos nas redes sociais ajudavam na tarefa, e a empresa twitter, secundada por governos como o de USA e Canadá (apoiantes do golpe) censurava contas chavistas como a de Diario Vea, Correo del Orinoco, ViVe Televisión ou Ministerio del Poder Popular para la Mujer.
Na realidade, o guiom passa por inchar um apoio popular mais que questionável. Os termos utilizados para tal operaçom, ganham ecos épicos: ‘Insurrecçom’ (diário Marca), ‘Guaidó convoca militares e povo’ (El País), ‘Venezuela tenciona botar o ditador Maduro’ (La Voz de Galicia). No janeiro passado, as multidons venezuelanas congregárom-se diante do Palacio Presidencial, respondendo ao chamado de Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional Constituinte. Se é certo que os opositores agitavam as ruas para deslocar o chavismo da centralidade das ruas, o protesto nom tinha um grande alcanço: 50 pessoas feridas e dez detidas em todo o país. Como Serrano recordou, mesmo bem longe da conflitividade que pode agitar um país europeu na actualidade. Na França dos coletes amarelos, o 1 de maio saldava-se com 40 pessoas detidas e até 300 detidas.
Como é sabido, a operaçom fracassou, e de ‘Operaçom Liberdade’, a mirrada oposiçom direitista rebaptizou-na como ‘Operaçom Protesto Sostido.’ Mas um ano depois, e com pior fortuna para as classes populares, repete-se na Bolívia.
Golpe boliviano
Apesar da aceitaçom por parte do governo dumha segunda rolda eleitoral exigida pola OEA, e apesar dos reiterados chamados ao diálogo de Evo Morales, na Bolívia a oposiçom oligárquica, apoiada na polícia de cinco departamentos e em parte do exército, entendeu que a via violenta era mais rendível. Trata-se, segundo a definiçom que dam as ciências sociais, dum golpe de Estado: ‘interrupçom inconstitucional dum chefe de Estado por parte de outro agente estatal’. Segundo os manuais contra-insurgentes do século XXI, os velhos golpes puramente militares do passado virárom em híbridos com presença de grupos civis de agitaçom, bloqueios económicos, e por riba de todo, trabalho intensíssimo dos meios informativos. A violência contra a Bolívia indígena e plurinacional leva-se adiante, mesmo segundo o critério do Tribunal Supremo Eleitoral, que validou os resultados das urnas.
O papel da prática totalidade da imprensa é clamoroso: ‘Evo Morales demite-se como presidente da Bolívia depois de os militares reclamarem a sua saída’, diz El País. O mesmo jornal diz que ‘os militares saem à rua com a polícia para evitarem sangue e loito’. Com um tom ainda mais exaltado, ‘El Mundo’ participa da apologia da violência retratando o presidente Morales como ‘O indígena que sucumbiu ao mele do poder’. O apoio dos meios espanhóis centra-se agora em Jeanine Áñez, a vicepresidenta do senado escolhida a dedo polo comandante Williams Kaliman. Confessa integrista religiosa e xenófoba com os indígenas num país com 41% de populaçom originária, Jenine representa um partido que tem apenas o 4,24% dos votos nas eleiçons presidenciais. Entrou com a Bíblia na cámara representativa aos berros de ‘ele voltou’ (em alusom a edus) Para os criadores de opiniom, abondo para presidir um Estado favorável aos interesses oligárquicos.