(Imagem: hiveminer.com) Amantes da nossa Terra inçam nestes dias montes e vales na procura das setas e cogumelos seródios. A micologia, além dumha afeiçom saudável, tem umha dimensom de negócio desaproveitada na Galiza. Especialistas consideram o país ‘paraíso micológico’, mas o desprezo da plurifuncionalidade do monte, além dumha arreigada micofóbia popular, resta rendimento ao cogomelo. Ora, como sempre que profundizamos no mundo natural, há muito mais que lazer e finanças: a cultura milenária dos cogumelos retrotrai-nos a umha outra relaçom com o selvagem que cristianismo primeiro, e capitalismo depois, tencionárom eliminar.

Há umha década, a imprensa comercial registava já em reportagem que a Galiza comercializava arredor de médio milhom de toneladas de cogumelos, na sua maioria exportados à França e a Euskal Herria. A humidade do nosso clima, o seu carácter temperado, e a riqueza do relevo fam da Galiza terra favorável para este reino. Esteban Sinde, da associaçom Hifas da Terra, reconhecia que o país era sobretodo ‘paraíso quanto a cantidade’, nomeadamente daquelas espécies próprias de solos acedos.

Espanholizada como ‘seta’, este fungo é em galego ‘cogumelo’, derivado do latim ‘cucumellum’. A palavra romana era um diminutivo de ‘cucuma’, um recipiente de cozinha com forma semelhante. Mas de que estamos a falar quando tratamos de cogumelos. Nem plantas nem animais, trata-se de fungos pluricelulares habitantes da humidade, seres heterotróficos que pertencem a um reino de seu, do domínio Eukaryota. Como os mofos e lévedos som, ainda que nom o saibamos, elementos centrais da nossa civilizaçom. Rompem moléculas e, ou bem parasitam outros seres vivos, ou bem se associam a eles em relaçom simbiótica. Graças a eles temos pam, cerveja, queijo e iogures, e descobrimentos salvadores como a penicilina. Ao dedicarem-se à descomposiçom de matéria, é graças aos cogumelos que a vida é na terra tal como a conhecemos. Alimentando-se da matéria podre das árvores, impedem a acumulaçom interminável de folhagem no chao, e permitem a existência de todas as espécies vegetais.

Brincabois ou atolamoscas, temida na nossa cultura popular

Nom vemos muito mais longe dos nossos ecrás de telemóvel e, de olharmos à natureza, fazemo-lo à altura dos nossos olhos, ou ao alto, à cima das montanhas. É por isso que o habitante urbano quase nem concebe a riqueza e importáncia deste nosso acompanhante silencioso. A ciência tem catalogado, num esforço imenso, até 70000 espécies, mas na realidade estima-se que pode haver até um milhom e médio delas no reino fungi.

Assombro antigo

Com intuiçom e carentes de ciência experimental, os antigos, em pontos muito diversos do globo, sabiam que os cogumelos tinham algumha cousa de especial e de diferente face outros seres vivos do planeta. Com efeito, hoje sabemos que o ser vivo mais grande do mundo é umha Armillaria ostoyae, ‘cogumelo de mel’, que vive subterraneamente em Oregom, Estados Unidos. O seu tamanho é equivalente a 1220 campos de futebol.

Umha minúscula mostra do ser vivo mais grande do mundo, em Oregom

O cogumelo de mel forma círculos na superfície, círculos que cada ano vam medrando, alcançando dimensons impressionantes. As sociedades tradicionais ficavam surprendidas por um ser vivo que cada ano ampliava a sua dimensom, que aparecia em tempo milagroso, e que apresentava, por vezes, cores rechamantes. Como temos analisado em outras entregas desta secçom, para os nossos devanceiros celtas -em geral para todas as culturas pre-cristás- qualquer ser vivo que apontasse possível ligaçom entre mundos merecia especial atençom. ‘Redromeira, lar da meiga e da bruxa feiticeira’, diz o nosso refraneiro (a redromeira é o conjunto de cogomelos que medram ao pé dumha árvore)

Micofobia

O galego tem palavras de seu para um número importante de cogomelos: níscaro, manita, caralhám, tortelho, choupano. Além das palavras mais ou menos assépticas, aparecem as denominaçons pejorativas: corno dos mortos, dente de cam, olho de galo, ovo de raposa, pam de bobo, pé de rata, pedra do trigo. E por se restassem dúvidas, o refraneiro fala claro: ‘vale mais fungo perdido que comido’; ‘fungo regalado com discreçom tirado’; ‘o que de cogomelos se farta, nom lhe tem medo à morte’; ‘dum erro fai-se um enterro’ (em alusom à ingesta de exemplares venenosos).

Nom deveu ser sempre assim. Certas hipóteses apontam a que o ódio aos cogomelos arrinca da perseguiçom ao priscilianismo, secta que propugnava a alimentaçom vegetariana e, portanto, quiçá apostasse em consumir o ‘pam do demo’. Sabe-se que os seus seguidores eram obrigados pola Igreja a comerem carne em público, e ainda em datas tam seródias como os anos 90 do século XX, vários curas na Galiza rural predicavam no púlpito a micofobia. O románico, na sua instruçom pedagógica, tem assentado linha semelhante: no fresco románico de Plaincourault, na França, acarom de Adám e Eva representa-se a árvore do Bem e do Mal formada por cinco sombreiros de Amanita muscária.

Umha hipótese histórica aponta que a micofobia galega origina-se na perseguiçom católica ao priscilianismo

Enigmas celtas

Certa reconstruçom histórica dim que a etimologia grega ‘mico’ relaciona-se com ‘Micenas’, fundada por Perseu, segundo a lenda, trás beber auga do sombreiro dum cogumelo. Plínio o Velho, no século I a.C., falava dos cogomelos como ‘Deorum cibus’, isto é, manjar de deuses. E sabe-se que todas as substáncias com poder alucinógeno fórom estimadas como sobrenaturais por muitas civilizaçons. Os berserker, guerreiros nórdicos que entravam em combate em estado de fúria irracional, chegavam ao trance graças ao consumo da famosa Amanita muscaria; na mitologia nórdica, o cabalo de Odim, de seis patas, derrama na sua fugida sangue pola boca, e ao cair esta ao chao transforma-se em cogomelo vermelho. Os celtas tinham por mágico, sujeito a tabu, todo fruto ou fungo vermelho, e também os antigos galaicos deviam saber do potencial alucinógeno de alguns deles. Lembremos que um dos nomes para a Amanita em galego é ‘brincabois’, em alusom ao efeito excitante que provocava no gado que a consumia.

A loucura, nas sociedades antigas, raiava muitas vezes o visionário e profético, por isso substáncias psicotrópicas eram vistas caminho de acesso à sabedoria. Ainda na língua catalá de hoje, umha pessoa tola está ‘tocada al bolet’ (tocada ao cogomelo), o que remite ao poder dos fungos. Sem termos dados directos que puiderem confirmá-lo, parece quase evidente que os druídas, como caste sacerdotal, geririam o consumo de cogomelos para actividades adivinhatórias ou ritos de contacto com o além.