Estes dias de temporais atlánticos, chuvieiras e luz decrescente, fai-se difícil evocar a Galiza mais mediterránea. Mas esta existe, como temos apontado em várias crónicas semanais de natureza. Nas comarcas do surleste, e de maneira isolada nalgum dos nossos microclimas, subsiste a oliveira. Som os restos de extensas plantaçons que os castelhanos decidírom eliminar nos primeiros dias da sua ocupaçom. O Licenciado Molina, autor de ‘Descripción del Reyno de Galicia’ no século XVI, lembra a província de Ourense inçada de olivares.

Os cientistas baptizárom-na como ‘Olea europaea’ para a distinguir dos seus 34 parentes de espécies semelhantes. Nasceu no oriente mediterráneo, mas diz-se que há 5000 anos colonizava já o occidente da Europa. Logo, as aventuras coloniais levárom-na a América e Austrália. Os galegos e galegas concebemo-la, nom de todo justificadamente, como exótica, e campa como espécie bem diferenciada na nossa paisagem. Normalmente baixa (ainda que pode acadar os 20 metros), de toro retorto e cortiça esburacada, a oliveira traz o verde pardo e prateado, pouco habituais nos nossos horizontes. Poucas pessoas sabem da sua parentela com espécies arbustivas como os jasmins, ou de árvores como o freijo. Gosta de habitar os vales ou as abas de monte orientadas para o sul. Resiste mui bem as calores extremas e as secas, mas por baixo dos 5º, esta árvore definha.

Oliveiras, castinheiros e vinhas. Estampa típica do surleste galego. Imagem: variedadesdeolivo.blogspot.com

Atentos aos detalhes mais miúdos, os nossos devanceiros vírom características da oliveira que a faziam digna de grande estima: resistente às secas, com fundas raízes (de até seis metros) que topam água em terrenos áridos; longeva e resistente. Mas sobretodo fornecedora dum produto, o azeite, de grande virtude medicinal e alimentária. No passado as virtudes consideravam-se poderes mágicos, e os mitos explicavam a sua origem.

A árvore e os deuses
Desta volta nom viajamos à Europa occidental e nortenha, senom aos páramos de médio oriente. Sabemos que os hebreus consideravam a oliveira a árvore da bençom, pois com o azeite, considerado de virtudes sobrenaturais, ungiam os monarcas. A pomba de Noé traz de terra firme umha polinha de olivo.

Idêntico procedimento cerimonial aplicou-se a Cristo, e daí a origem etimológica do nome como ‘o ungido’. Nos Jardins de Getsemani -literalmente ‘Moinho de Olivos’- bota Cristo a sua derradeira noite em companhia dos discípulos, segundo o Novo Testamento, afincado na sua fe na pior hora. Judeus, cristaos e também mussulmanos. Para os três grandes monoteísmos, a oliveira é sagrada, e no Corám aparece associada em vários capítulos com a palavra ‘luz’. A Grécia clássica, no mesmo contorno geográfico mas em chaves mentais nom semíticas, associou a oliveira à vitória. Trata-se da versom mítica dos poderes sanativos do azeite (poderoso anti-inflamatório e fonte de nutriçom), e da capacidade regenerativa da árvore que o produz.

Do Antigo Testamento a Picasso: o ramo de oliveira como emblema de esperança

A oliveira na Galiza: geografia e cultura
De tempos romanos datam os restos dum moinho de azeite no bairro viguês de Teis. E do nosso passado romano ou medieval procedem topónimos como Oliveira (Arnoia ou Poio), Olveira (Teo ou Ribeira), Ponte Olveira (Maçaricos), ou Olives (Estrada). Os Reis Católicos ordenárom eliminar as grandes plantaçons de oliveira da Galiza no seu processo de doma e castraçom, beneficiando assim o monopólio andaluz. Décadas depois, a monarquia austracista proibirá o comércio corunhês com América, completando o bloqueio da economia galega por Castela. As oliveiras sobrevivírom apenas na Galiza como exemplares únicos em cada igreja paroquial, assegurando a produçom de azeite para o ritual. Rosalia eternizou a desde entom clássica oliveira eclesial: “cemitério de Adina /encantador /olivos escuros de velha recordaçom.”No século XIX, os impostos muito gravosos sobre a oliveira levárom muitos labregos a abandonar o seu cultivo, que perdeu terreno em favor do vinho. A primeiros do século XXI, a empresa Abril recuperou a comercializaçom massiva de azeite galego.

No entanto, por séculos, o povo recordou o seu poder sanador e potenciou muitas lendas. A antropologia clássica de Vicente Risco e Bouça Brei, ou a actual de Marinho Ferro, registou os muitos rituais que utilizavam a oliveira. Para se proteger da Companha, fazia-se um círculo no chao com a pola da árvore; nas moradas, queimavam-se folhas de oliva para se proteger contra o lôstrego; e o temor aos maus espíritos conjurava-se queimando-as na lareira.

A oliveira e a naçom
Longe do poder simbólico do carvalho, a oliveira tivo um papel também para a afirmaçom nacional galega. Umha das capitais da Galiza obreira, Vigo, é a ‘cidade olívica’, nomeada assim por umha das suas árvores emblemáticas. Herdeira da velha oliva viguesa é a árvore que hoje loze em Alfonso XIII, a poucos metros do mar.

O Rexurdimento progressista da Galiza recordou esta árvore. O jornal dos regionalistas de esquerdas em tempos difíceis era ‘La Oliva. Periódico de política, literatura e intereses materiales’, fundado em 1856, e cujo subtítulo se rebaptizou como ‘Periódico de Galicia’. A reacçom nom gostava deste jornal com presença de Murguia ou Aurelio Aguirre, e umha orde governamental fechou-no provisoriamente em 1857. Juan Compañel, o editor que tirou do prelo ‘Cantares Gallegos’, dava também a lume ‘La Oliva’. O seu local, lugar de memória do movimento galego, acolhe hoje em dia o Centro Social A Revolta, referente arredista com dezasseis anos de vida.

No local que hoje ocupa o CS A Revolta Juan Compañel editava o boletim galeguista ‘La Oliva’

Mas quiçá o posto preeminente da oliva no imaginário galego se deva a Cabanilhas. O cambadês foi eleito como poeta nacional polas Irmandades, e este nom defraudou ao criar toda umha panóplia de símbolos perduráveis para a Galiza: a fouce agrarista, o Santo Graal do Cebreiro, e também a oliveira acompanhando a bandeira nacional. Em homenagem a Porteiro Garea, o líder malogrado do novo movimento, Cabanilhas escreveu: “O coraçom aberto / a toda verba amiga / e numha mao a fouce / e noutra mao a oliva /arredor da bandeira azul e branca.”