Umha imagem difundida polo programa de televisom espanhol Espejo Público mostrando a última foto de Diana Quer antes de ser assassinada é o mais recente dos acontecimentos mediáticos que nos deixam bem presente o papel disciplinador, assinalador e culpabilizador que venhem desenvolvendo desde a desapariçom da jovem os meios. Como já tem acontecido no passado com casos semelhantes, este é o escolhido para lançar mensagens de medo e aviso às mulheres. A sentença está na televisom desde hai muito tempo.

O caso Alcásser e a sua retransmisom ao vivo constitui nos anos 90 umha linha vermelha. Para algumhas analistas dos meios de comunicaçom representa o nascimento da televisom lixo. A recriaçom do sofrimento através da exposiçom pública do corpo supliciado das raparigas, a dúvida sobre a sua escolha de sair nessa noite, a utilizaçom da dor das famílias, a animalizaçom dos vitimários… Todo este cóquetel foi analisado em umha tese doutoral por parte da feminista Nerea Barjola. A partir da mesma apresentou as suas principais conclusons em um livro que, pola primeira vez, analisa com umha focagem política toda a intençom disciplinante que se encontra detrás do relato dos factos que oferecem os meios de comunicaçom. Ela defende que em um momento em que o feminismo estava a tomar corpo e presença na sociedade, a funcionalidade desse discurso atemorizante por parte dos meios supunha umha reacçom e umha mensagem de regresso à casa para todas as adolescentes do Estado espanhol. É um acontecimento que ainda hoje desperta medo em muitas mulheres dessa geraçom, recriado periodicamente. Umha telesérie realizada por Bambú producciones e comercializada por Netflix é o último exemplo de recriaçom do relato terrorífico.

A autora foi entrevistada pola revista Pikara no momento de lançamento do seu livro, e umha das perguntas que se lhe formulou é se considerava que o caso Diana Quer poderia estar a cumprir hoje a mesma funçom que cumpriu Alcásser no seu momento. A falta de um estudo mais pausado, ela encontrava certos paralelismos.

Susana Griso ou Nieves Herrero, as mesmas mestras de cerimónias

Um especial realizado por Nieves Herrero em 1993 está considerado como o máximo ponto da manipulaçom e transformaçom de um feminicídio em umha telesérie até a converter em um produto de consumo. Tanto o reality De tú a tú conduzido pola jornalista como o programa ¿Quién sabe dónde? De Paco Lobatón servírom para fixar umha mensagem de terror em toda umha geraçom através da exposiçom pública dos corpos das raparigas e da recriaçom grotesca da dor através da identificaçom com as adolescentes. Paralelamente, mensagens em favor da aplicaçom com rigor extremo da lei servírom também para criar um clima de punitivismo e repressom.

Susana Griso, no programa de Antena 3 Espejo Público, está hoje a jogar um papel paralelo. Em umha emissom desta semana, coincidindo com o início do juízo, a jornalista abria umha informaçom aludindo ao seu conteúdo como primícia e conteúdo chave. A última imagem tomada no telemóvel da jovem assassinada é o conteúdo chave, segundo o programa. E é-o porque forma parte do relato culpabilizador que estám a jogar os meios. Com essa imagem “ chave” o que a jornalista está a argumentar que a jovem é responsável pola sua própria desapariçom ao ir vestida dessa maneira. Mais alá do censurável que chega a ser exibir fotos do telemóvel da jovem na semana do juízo para lograr quota de pantalha, o verdadeiramente grave é o que essa imagem quer dizer.

Mais alá do censurável que chega a ser exibir fotos do telemóvel da jovem na semana do juízo para lograr quota de pantalha, o verdadeiramente grave é o que essa imagem quer dizer.

Tal e como aconteceu em Alcásser, os programas televisivos estám a ser e vam ser ( quando se celebre o juízo depois do seu adiamento) parte do juízo.

Javier Negre, um jornalista ultra que nos apresentou o curriculum vitae de Diana Quer como prova

Javier Negre está agora mesmo novamente de actualidade por realizar umha série de documentários por entregas sob o título Vivir bajo la dictadura independentista. Também se colou na campanha do partido ultra VOX nas eleicçons passadas. A uniom entre misogínia e patriotismo deste jornalista espanhol é total. Nom por acaso estamos em um momento de exaltaçom máxima dos valores masculino-espanhol-patrioticos: agressividade, violência verbal, cenificaçom de política de homens e para homens, em definitiva.

Javier Negre escreveu umha reportagem em El Mundo intitulada Las otras desapariciones de Diana Quer onde referia como argumento possível da desapariçom da jovem a sua tendência perene a desaparecer, as suas “amizades perigosas” ou a má relaçom que mantinha com a sua irmá e mae. Nas horas em que o jornalista escrevia esta hipótese culpabilizadora da jovem madrilena, ela já fora assassinada.

Apenas esta peça periodística foi superada por umha outra da sua autoria intitulada El amor zero de los Quer. Nela, o jornalista-lixo afonda nos problemas de parelha dos pais da jovem e, mui em voga por parte da misogínia reaccionária que vivemos no presente, sementava a dúvida sobre os problemas mentais da mae de Diana Quer.

Javier Negre, jornalista-lixo que se tem destacado por contribuir ao relato culpabilizador de Diana Quer ou na sua própria mae

Mais umha vez oculta-se que o feminicídio tem lugar por causas estruturais e procuram-se respostas na culpabilidade das mulheres. Na própria asassinada ou, desta volta, na mae.

La Voz de Galicia e Moncho Ares também contribuem ao relato culpabilizador

Comentário a parte merece umha notícia assinada por Moncho Ares em La Voz de Galicia intitulada Las víctimas del Chicle: jóvenes, altas, delgadas, morenas y con pelo largo. O jornal corunhês com este artigo realiza um salto adiante mui importante. Extende a todas as moças a possibilidade de serem vítimas e, aliás, adjunta ao relato o modus operandi do assassino de Diana Quer para recriar o terror. Este relato assinala de maneira clara como culpáveis das agressons às moças por terem os atributos referidos no cabeçalho do artigo. Desta maneira, culpabilizando as mulheres, descarrega-se de culpa a um sistema que permite que um homem acose mulheres com o seu carro até consumar umha violaçom ou assassinato. Lembremos que Abuin Gey violou sua cunhada com a cumplicidade e silêncio do seu entorno social e familiar. Entom cabe perguntar-se se a cunhada de Abuin Gey era também morena, de pelo longo, jovem e delgada ou que é o que acontece para que ele e miles de homens decidam violar ou agredir como norma comum mulheres. O eixo central que sobresai em todos os relatos sobre violaçons e agressons sexuais, ou de feminicídos, é a ocultaçom de todo um contexto social e político que os possibilita e ampara por um lado e a culpabilizaçom da vítima e das mulheres em geral por um outro.

O eixo central que sobresai em todos os relatos sobre violaçons e agressons sexuais, ou de feminicídos, é a ocultaçom de todo um contexto social e político que os possibilita e ampara por um lado e a culpabilizaçom da vítima e das mulheres em geral por um outro.

E aqui devemos lembrar um dado que amiúde os meios de comunicaçom maioritários nom colocam cima da mesa, na sua funçom de altofalantes do morbo e a criaçom de conteúdo-produto. A maior parte das violaçons nom tenhem lugar na rua ou a maos de desconhecidos. Um estudo realizado por Norma Vázquez e publicado pola Direcçom de Atençom a vítimas de violência de género do Governo Basco no ano 2009 recolhe que a maior parte das denúncias por violaçons e agressons sexuais tenhem lugar em um domicílio e só o 9% dos agressores utilizárom umha faca para intimidar a vítima. Em Castela e Leom, Adavas, um organismo anólogo ao basco, assegura que só entre o 12 e o 15% das agressons som realizadas por desconhecidos.

Má filha, má mae, má irmá, má esposa

Umha das provas possivelmente mais evidentes da culpabilizaçom das mulheres que se pode encontrar no caso de Diana Quer é este. Todas as mulheres do relato som más. Procuremos por onde procurarmos encontraremos referências na imprensa sobre os problemas de todo tipo protagonizados por todas elas.

No caso da própria Diana Quer a contínua alusom da vida privada da jovem, desde as suas amizades até a sua mesma maneira de vestir, constituem o argumento central de culpabilizaçom. No caso da mae da jovem emergem vários paradigmas. Por um lado está o de má mae, por outro lado o de má esposa. Hai um artigo especialmente revelador em este sentido no que se alude à vida íntima da mae como elemento que “enreda” a sua desapariçom. As continuas alusons à sua saúde mental também evocam um dos outros cativérios dos que nos falou Marcela Lagarde: tolas. A imprensa carregou contra a mae da jovem ao publicar mensagens de Whatsup onde lhe recomendaria o consumo de Orfidal. Foi também umha versom avalada polas declaraçons do pai, Juan Carlos Quer.

Umha das imagens de um titular de imprensa sementando a dúvida sobre a mae de Diana Quer

A mulher de Abuin Gey tampouco fica à margem do seu correspondente perfil-arquetipo machista. E é assi como, depois da confisom dos factos por parte do seu marido, a imprensa a riscou de “traidora” logo de mudar a sua declaraçom.

A animalizaçom do vitimário

Também aconteceu em Alcásser e forma parte do relato que pretende recriar o terror. Mas também ajuda a desculpabilizar o vitimário e ao sistema e a carregar a culpa na vítima. Debuxam-se perfis de homens animalizados ou fora de si. No caso de Abuín Gey os perfís fôrom claros a este respeito, apresentando-o sempre como um “predador sexual” ou umha pessoa com escasso auto-controlo pessoal. “Depredador sexual sin escrúpulos”, de Telecinco, “ Depredadores sexuales en la calle”, de El Correo Gallego apelando à nom derogaçom da prisom permanente revisável.

Este tipo de adjectivaçom procura, como a totalidade do relato, descarregar de culpabilidade ao sistema e aos próprios vitimários. Assi como no caso das mulheres a culpabilidade é máxima, o vitimário actua fora de si ou responde a um passado de dificuldades familiares de todo tipo.

Possivelmente o titular e relato mais impactante na conformaçom do perfil de Abuin Gey foi o esprimido por El Español: “Las tres vidas del monstruo: el pringao del cole, el delator y el asesino”.

Este tipo de adjectivaçom procura, como a totalidade do relato, descarregar de culpabilidade ao sistema e aos próprios vitimários. Assi como no caso das mulheres a culpabilidade é máxima, o vitimário actua fora de si ou responde a um passado de dificuldades familiares de todo tipo. A explicaçom é que, tendo em conta os seus antecedentes, esta é a única maneira em que poderia ter actuado. A petiçom de altas penas de prisom, de medidas de segurança excepcionais ou de maior controlo das mulheres é o passo lógico que nos leva depois de debuxarmos este tipo de cenário terrorífico. A “medicalizaçom” dos juízos e dos casos através da intervençom de forenses e análises psiquiátricos é outra das patas das que se vale a sociedade para negar o caminho da análise social e estrutural do acontecido.

Outra absoluçom: a dos pater-familias

Alicia Murillo escreveu a este respeito umha imprescindível reflexom na revista Pikara. Juan Carlos Quer aparece reflectido nos meios de comunicaçom como a única figura que coloca algo de “sentido comum” ou racionalidade a toda a trama. A autora analisa vários casos semelhantes onde os pais encarnam valores de coragem. Através do seu discurso revelam que a perda de umha filha se relaciona com o seu honor, deixando bem sentado a propriedade da mesma.

Os mesmos também jogam um papel semelhante ao fazerem a sua incursom na política. No caso de Juan Carlos Quer em favor da prisom permanente revisável e também realizando declaraçons em contra do feminismo. Destarte, continuam aprofundando no seu papel frustrado de “salvadores”, desta volta da pátria.

Um relato político com intençons políticas

Umha das concluson às que chega Nerea Barjola no seu trabalho é que todo este tipo de relatos têm um propósito: disciplinamento do corpo feminino e enviar mensagens reguladores da conducta das mulheres. O seu minucioso estudo do caso Alcásser desde o particular, remata por achegar-nos dados reveladores do global, da própria estructura patriarcal que se reproduz através da narrativa dos meios de comunicaçom.

Brincando na actualidade, o paralelismo com o caso Diana Quer é mais do que evidente e, junto com o pano de fundo histórico da mensagem alecionadora e a misogínia contra as mulheres, vam saindo à tona temas e realidades que o movimento feminista está hoje também a enfrentar: a sexualizaçom do corpo das mulheres, a custódia parental, o relato falso das mulheres que denunciam violência machista… Podem parecer açarosas as mensagens mediáticas ou um simples produto televisivo do morbo e da quota do ecrá, mas tenhem umha intençom política inegável e construem o quotidiano das mulheres.