Como n’A esmorga, sabemos do herói em O que arde, Amador Coro, através da língua sem faciana do poder. Numha língua que nom é a nossa dí-se-nos que é o pirómano, um que quase fai arder todo Lugo. Mas também alguém que já pode ser posto em liberdade, e por este motivo, aos olhos dos burocratas da justiça, um pobre homem. Assi volta Amador à casa, que é umha casa no monte, co curral enlamado e a airinha fechada com cancelas de somier. Como quase sempre que o protagonista dum produto cultural é o rural galego, abrolha de contado umha forma de crítica necrológica, mais preoupada por martelar na agonia dumha civilizaçom que por entender as formas nas que esta perdura e perdurará –perdurança que, no caso do rural galego, nom se lhe supom nem por acaso. Pola contra, o filme O que arde compromete-se firmemente coa persistência do que fomos e somos, e fai-no falando-nos desde o presente: a única forma do mundo na que nos é dado intervir.
Logo dum tempo na cadeia que nom sabemos canto durou, Amador volve retomar a vida da casa. Fai-no passeninho, reassumindo os hábitos e os espaços. De quando em vez, a casa expulsa-o e tem que lidar cos seus demos passando a noite no coche. Mas, vagarosamente, casa e vida volvem-se outra vez umha única cousa, essa harmonia que a linguagem do filme representa coas formas mesmas da linguagem entre nós: o cuidado mútuo expressado em feitos materiais, nom em palavras; os agarimos aos animais, animais com nome de cuja vida cuidamos coma do ouro; esse saber aproveitar, sem abusar, o refúgio que dam as castinheiras ou o curso dum regato. Pouco a pouco entendemos que Amador cuida do seu entorno como um radical. Entende a sua história, identifica quem a ameaça, cavila nas formas de acçom que ham prejudicar as lógicas extrativas que desde o franquismo acabam co nosso monte. E leva-as a cabo.
Outro projeto de recuperaçom da casa desenvolve-se em paralelo ao que enxerga Amador. Inácio, de quem nom chegamos a saber se é vizinho ou chegado de fóra, está a restaurar umha das casas do lugar. Intercalando o processo de retorno de Amador, aparecem os trabalhos de rehabilitaçom desta casa vizinha, por parte dum grupo de gente nova que quer levar adiante um projeto turístico para a vivenda. No documentário sobre o caso de Santoalha (Andrew Becker, Daniel Mehrer, 2017) um irremediável binarismo marcava o desentendimento profundo entre indígenas e forâneos com respeito ás formas de se relacionarem co entorno, o que desata umha violência xorda (ainda que nom por isto menos política) entre eles. Porém, em O que arde, deita-se umha olhada benévola sobre as formas ideadas desde o urbano para o aproveitamento dum meio rural que vai ficando sem gente. E os trabalhos de Inacio na casa que devirá casa rural apresentam-se-nos com compaixom, sem traça de julgamento moral, deixando-nos espaço para entender que, assi como as nossas cidades bebérom do rural nos sessenta e setenta, assi há o nosso rural beber das cidades agora. O caso é saber, uns e outros, que é o que estamos chamados a proteger e de que. Amador sabe-o. Inácio também. Benedicta, sobre a qual nom som quem de escrever nem umha palavra, nom tem que o saber. Ela é-o.