Paz Andrade falou dum ‘Mar Céltigo’ para definir a porçom do océano que une todas as fisterras occidentais. Mui provavelmente no passado existisse também um grande Bosque Céltigo: umha imensa selva de caducifólias que cobria os territórios de várias das actuais naçons da Europa. A toponímia, a arqueologia e a tradiçom deixárom-nos algumhas chaves para conhecer o que significavam estas grandes fragas que, a modo de mínimos redutos, ainda resistem entre cultivos agrários e o deserto verde do eucalipto.

O 80% dos bosques primários do planeta -aqueles alheios à intervençom humana- desaparecêrom de vez. Na Europa, a forma deste fenómeno natural era a fraga. O continente devia de ser umha enorme e mesta superfície verde, temida e respeitada polos humanos. Aristóteles e Júlio César falam nas suas obras, quase com veneraçom do Bosque Hercínico, umha selva imensa que cobriria mais ou menos o território da actual Alemanha. Em Bialoweza, na Polónia, sobrevive umha das últimas mostras do bosque primordial europeu. Também o fai em Perucica (Bósnia Herzegovina). Nos Ancares galegos também persiste umha mostra, embora mínima, da velha selva europeia: a fraga de Cabana Velha.

Cabana Velha, nos Ancares. Imagem: noroesteiberico.blogspot.com

Condena cristá, mistério celta

Para a cultura cristá, todas as áreas de natureza virgem associárom-se à força demoníaca: praias ou montes inóspitos, segundo conta a antropologia, tinham que ser civilizadas com a instalaçom dumha capela. O cristianismo, religiom que cindiu desde muito cedo humanidade e natureza, reflectia nesta filosofia o medo ancestral por espaços vastos, incontrolados, escuros. A nossa actual Vilalva foi no passado Monte Negro, mas a aristocracia rebaptizou-na para investi-la dumha categoria elevada e nobre.

Nom sempre foi assim. Umha das peças mais celebradas da cultura céltica é o Caldeiro de Gundestrup. Data da Idade do Ferro e foi elaborado em prata. Apesar de se achar na Dinamarca, a crença maioritária situa-o como um presente das elites celtas, possivelmente galas, a classes dominantes amigas. Nele aparece representado o deus Cernunnos, que os estudiosos vencelham com a fertilidade, a natureza e a força. Com os bosques primordiais, portanto. Cernunnos leva um torques e cornos de cervo e acompanha-se sempre de serpes, cans, bois ou ratos. Parte dos animais venerados polos celtas foram logo proscritos polos cristaos. A Europa mais ancestral concebia pola contra a vida selvagem como mostra da força, e associava esta com a fertilidade e a bem aventurança. Cernunnos nom é um demo, mas um deus com poder construtor e destrutor, segundo o modelo das divindades indoeuropeias.

Caldeiro de Gundestrup, representaçom de Cernunnos, deus do bosque. Imagem: wulflund.

Da Dinamarca a Louriçám

A arqueologia fala-nos de rotas e contactos culturais dificilmente concebíveis para o europeu de hoje. Umha figura semelhante a Cernunnos apareceu em Santo André de Louriçám, na comarca pontevedresa. Duas aras e um relevo gravárom o seu nome e a sua forma, que se descobriu ao excavar-se um muro da igreja. Mais umha vez, umha divindade com cornos, rodeada de esvásticas e com o queixo alongado. Chamara a atençom de López Cuevillas, que viu neste Véstio Alonieco -este é o seu nome- outro avatar da divindade dos bosques e da fecundidade.

Nom podemos fazer mais que sugestons genéricas sobre a associaçom de Véstio Alonieco com outros aspectos do panteom céltico. Si sabemos, porém, que a religiom desaparecida dos nossos devanceiros tinha umha ligaçom funda com o bosque primordial. O alfabeto druídico ‘ogham’ emparelha umha árvore a cada letra, e cada umha destas árvores coincide plenamente com o bosque autóctone europeu. Em ‘De Bello Gallico’ Júlio César fala da religiom dos druídas, ao igual que Plínio, que recriou ‘os seus sacrifícios e banquetes baixo as árvores’ e as suas cerimónias nos claros das fragas. Tal foi a preocupaçom do império com o druidismo, que esta religiom foi proibida polo Senado em decretos renovados por Tibério. Os romanos exterminárom os resistentes da casta sacerdotal no ano 60 d.C., destruindo por completo a ilha galesa de Ynys Mon onde estes se refugiavam.

Em pleno medievo, a querência céltica polas fragas continua visível na literatura. Aparece com força na Matéria de Bretanha, particularmente no mítico bosque de Brocelianda, a 30 km de Rennes, como cenário das aventuras do rei Artur.

Desenho de Véstio Alonieco. Imagem: karrapucho2.blogspot.com

Ecos do passado. Do Courel ao Eume

A propaganda turística afirma em ocasions, falsamente, que na Galiza há restos do bosque primordial. Por seu turno, a propaganda política diz interesseiramente que na Galiza ‘medra o bosque autóctone’. Nem umha nem outra afirmaçom resistem umha achega rigorosa. O bosque primordial desapareceu há muito, e o bosque que medra -produto do abandono da produçom agrária- nom é só o autóctone, senom o monocultivo industrial de pinheiros e eucaliptos.

Com a pequena excepçom citada de Cabana Velha, toda fraga galega tem pegada humana. Si é certo que o seu valor natural é grande, pois a sucessom ininterrupta do ecossistema durante centos e centos de ano, sem danos da civilizaçom, fijo a estes espaços acadarem o que chamamos ‘clímax’, a sua forma de maior desenvolvimento. Caminhando com respeito o interior dumha fraga, podemos experimentar a nossa cativeza, e sentir quanto menos umha pequena parte da desaparecida veneraçom polas forças naturais.

As fragas inçam a toponínima e a onomástica galega, prova de que noutrora inçárom a nossa geografia. Ao leitor ou leitora avisada virám-lhe de imediato à mente as fragas de Catasós ou a Devesa da Rogueira. E, por riba de todo, irromperá a imagem dumha das jóias mais valiosas do país: as Fragas do Eume.

Trata-se das fragas costeiras melhor conservadas de toda a Europa. Ocupam umha extensom de 9126 hectares entre os concelhos de Cabanas, a Capela, Monfero, Pontedeume e as Pontes. O Eume, o rio que nasce no Gistral, e as estibaçons esgrévias da Serra da Loba, permitírom este milagre. Apesar da sua protecçom legal (som declaradas Parque Natural e zona LIC desde 1997), nom estám a salvo. Desde a década de 70, tenhem sofrido a pressom dos encoros, de actividades florestais invasivas, e dos incêndios. O mais recente, durante a seca invernal de 2012, arrasou com quase 1000 hectares.

Os biólogos topárom neste bosque um tesouro natural incomparável: mais de 500 espécies de flora, até 28 tipos de fentos (alguns deles pervivências da Era Terciária, quando a actual Galiza tinha clima subtropical), 220 espécies de musgos e hepáticas, e 13 das 15 espécies de anfíbios que vivem no nosso território. A saramaganta, espécie endémica parente da píntega, tem nestas fragas o seu fogar.

A saramanganta, endemismo galego que habita as fragas. Imagem: rios-galegos.com

Muito antes da nossa era de ruído e balbúrdia, o ser humano procurou o silêncio, e as fragas, onte como hoje, eram o lugar perfeito. Historiadores medievalistas afirmam que nesta selva refugiárom-se muitos anacoretas, continuadores da tradiçom ermitá, de origem oriental, que se espalhou na queda do Império. Sam Rosendo, umha das figuras capitais da aristocracia primeira do Reino da Galiza, habilitou para eles o mosteiro de Caaveiro, ainda em pé, em 934. Nunca acolheu mais de nove monges, o que dá ideia do recóndito da zona. Em tempos mais recentes, a blindagem natural do bosque foi aproveitada por galegos e galegas rebeldes que, organizados na IV Agrupaçom do Exército Guerrilheiro, mantivérom um combate desigual contra o terror da guarda civil e a falange no noroeste galego. Por umhas razons ou por outras, a fraga acompanha a história do nosso país desde tempo imemorial.