Francisco Martínez López, Quico (Cabanas Raras, Berço, 1925), foi um dos últimos militantes comunistas antifranquistas do Movimento Guerrilheiro Leom- Galiza, do qual faria parte de 1947 a 1951. Condenado a morte polo regime do ditador Franco, cruzaria os Pirineus com três companheiros mais (Atravesado, Manolo e Jalisco) e ficaria exilado durante vinte-sete anos na França, onde continuaria sendo militante do PCE. Voltaria, no entanto, à sua Terra em 1977 para continuar a defender os princípios éticos revolucionários que o levaram a luitar contra a ditadura fascista e, o que para ele ainda era mais importante: “preservar e dignificar a memória cativa da guerrilha”.
Atualmente mora em El Campello (Alacant), onde preside a Associaçom Archivo, Memoria y Exilio. Uma nova trincheira a partir da qual desenvolve um intenso trabalho crítico a respeito do que ele chama pacto do esquecimento, em relaçom à Lei de Amnistia de 1977. Uma aliança de estado que garantiria a impunidade das elites franquistas, consolidando a continuidade das estruturas de poder do regime fascista e violando gravemente os princípios de verdade, justiça e reparaçom que devem auxiliar às vítimas em casos de terrorismo de estado. A autarquia judicial espanhola, lembra, “continua a infringir o Direito Internacional” que qualifica como imprescritíveis os crimes de lesa humanidade.
No decorrer do X Seminário sobre Memória Histórica de Nova Escola Galega, em que participa, temos a oportunidade de falar com ele. Com 94 anos conserva a vitalidade própria de quem viveu e luitou por um mundo de justiça; no passado, com as armas; hoje, com a palavra emocionada que resgata da história a uma geraçom ergueita perante a ignomínia fascista.
Como influenciou na tua vida nascer no seio duma família republicana, na comarca mineira do Berço?
A minha mae era uma ativista. Era uma dessas mulheres do 31 que, sendo católica, destacava no movimento de mulheres. Eu tinha 9 anos quando foi a revoluçom de outubro de 1934; a minha mae encabeçou um comité de solidariedade de apoio com as mulheres da minha vila para proteger aos mineiros e, como houvo uma derrota militar (2000 mortos, 30.000 presos e muitos fugidos), a minha casa foi o refúgio destas pessoas.
Aos dez anos colava cartazes e repartia propaganda a favor da República. Gostava de fazer parte das discussons políticas dos mais velhos, entre eles, as do meu tio Amador que me levou de bicicleta a Ponferrada para marchar com os mineiros e estudantes em maio de 1936. Depois do 18 de julho, com dez anos, o que desejava era crescer para incorporar-me ao combate antifranquista.
Depois, na minha vila Cabanas Raras, havia muitas casas envolvidas em ajudar aos fugidos como o caso do meu pai. Assim puderom fugir dos falangistas assassinos, que nom tinham nem ideologia, apenas ignorância e um ódio artificial.
Como começou a tua participaçom no Movimento Guerrilheiro Leom- Galiza?
Quando me incorporei à Guerrilha em 1947, na primeira fase de organizaçom guerrilheira, a Federaçom extinguiu-se porque havia orientaçons diferentes nas cúpulas dos partidos políticos e as tensons entre elas e dirigentes como Girón ou Parra cada vez eram maiores porque eles sabiam mais do que os “Estados Maiores” em temas de guerrilha. Outro factor que provocou a rutura do nosso grupo como o Exército Guerrilheiro foi que nós nom tolerávamos um comportamento alheio à sociedade como viver em covas ou ir uniformados. Nós éramos um produto do povo e mantínhamos contacto com ele assim que a visom militarista que nos afastava das pessoas, e que provavelmente vinha de Moscovo ou Paris, nom era a nossa. Criticamos também as “depuraçons” entre companheiros e inclusive pedim explicaçons ao partido quando estava exilado na França, mas nunca guigerom esclarecer este tema.
Como era a relaçom entre a vossa Guerrilha e o resto da sociedade?
Chamavam-nos, alguns, os do monte. Porém, eu nunca vivim no monte. Estávamos nas casas dos vizinhos, onde tivem a oportunidade de descobrir uma sociedade implicada, nobre, singela; com uma dose de humanismo que agora já nom se pode ver. Eu vi até o sublime do compromisso, por exemplo quando uma família me deu alojamento apesar de que mataram a outro vizinho por dar auxílio a outro guerrilheiro e nom leram nem a Marx, nem a Lenine, nem a Pablo Iglesias. Esse é o povo com o que se constroi o futuro. Como aconteceu entre 1931 e 1936, quando surgirom um monte de organizaçons operárias, locais, de mulheres, etc. que nom se conseguiram criar nos cem anos anteriores. Isto foi graças ao Estado que permitiu que as pessoas fossem protagonistas.
Na homenagem às mulheres solidárias com os presos no campo de concentraçom de Rianxo e à tua companheira de guerrilha Consuelo Rodríguez, reivindicaste o papel das mulheres na luita guerrilheira anti-franquista. Por que?
A figura da mulher está ligada ao nascimento da guerrilha. Quando íamos às casas, quem estava ali todo o dia? As mulheres, que estavam duplamente familiarizadas com nós e comunicávamos-lhes as razons que nos levaram a essa situaçom e elas tomavam partido. Ademais faziam tarefas de informaçom, de “enlace” e algumas, como Chelo, incorporavam-se à guerrilha. No seu caso e no da sua irmá a entrada na guerrilha foi depois da queda de 1945, na qual forom detidas por volta de 500 pessoas entre o Berço, Ourense e parte de Lugo. Se as tivessem apanhado, provavelmente teriam quinze ou vinte anos de cárcere.
O dela foi dramático porque lhe matam ao pai e à mae, a quatro irmaos e ao companheiro. Chelo tivo um papel importante na tentativa de libertaçom de companheiras/os da guerrilha que estavam num cárcere de Ourense. Mobilizara a duas mulheres e já lhes tinham preparadas as peças duma pistola para introduzi-la na cadeia, mas essa operaçom fracassou porque forom descobertas as presas e, depois, fusilárom-nas.
Que che pareceu a homenagem? Pensas que parte da historiografia foi injusta como estas mulheres, reproduzindo estereótipos machistas?
Emocionei-me muito na homenagem a todas as mulheres de Rianxo e particularmente com as palavras dedicadas a Chelo porque é o que eu sinto. Há historiadores que tenhem a estas mulheres ausentes e muitos caírom na armadilha de que eram as “amantes de”, nom guerrilheiras. Haveria que ser muito mais objetivos.
Nos últimos anos Chelo dizia-me: “Quico, ficamos sós, há que ser dignos até o último momento”, ela nom perdeu nunca o norte! (Quico emociona-se ao falar da sua companheira de guerrilha).
Como foi a tua vida no exílio, na França?
Ali éramos um cla transplantado da guerrilha, em meio doutros espanhóis que havia por ali, mas que eram doutro tipo. Porque aqueles exilados eram honestamente refugiados, mas nom viviram a nossa época e tinham outra visom da Espanha, eles pensavam que toda Espanha era franquista e isso era errado.
Cheguei a ser responsável da minha organizaçom na França (PCE) que tinha 10.000 militantes e muitas vezes confrontei a comunistas do meu partido porque qualificavam negativamente às pessoas que chegavam da Espanha e eu dizia-lhes: “tu nom sabes de onde venhem, se calhar venhem de ser torturados e de luitar o que tu nom luitaste porque estavas dentro da zona republicana, mas os que ficarom fora dessa zona, que?”. Também havia alguns dirigentes que, com quatro livros que lerom, pensavam que podiam orientar as luitas em lugares que nem sequer conheciam.
Viajei por toda França e por diferentes países europeus e sempre tratei aos meus companheiros de igual a igual. Isso aprendi-no na Guerrilha, a igualdade.
Após 40 anos de franquismo e outros tantos dum regime nominalmente democrático que nom depurou as estruturas de estado do fascismo, que valoraçom fas em relaçom às políticas de Memória Histórica?
Ainda hoje nom há nunhuma lei espanhola que anule os juízos falsos contra os antifranquistas, que nom cometeram delitos e continuam a aparecer como delinquentes. Por outra parte, os passeados fôrom soterrados nas valas e a maioria nom tiverom nem juízo.
Atualmente há dificuldade para que as pessoas sejam protagonistas. Em 40 anos meterom na medula o terror com assassinatos, com tortura, com violaçons. No entanto levamos muitos anos de democracia. É necessária uma terapia para superar o medo ao outro, a falar, a fazer, etc. é uma doença que provém do franquismo e que os partidos políticos nom forom capazes de resolver porque haveria que fazer justiça e isso era incompatível com a “transaçom” de poderes que se assinou em 1978.
A Lei de Amnistia aprovava-se um ano antes, em 1977. Que efeitos tivo no exercício dos direitos de justiça, verdade e reparaçom para as vitimas do franquismo?
Quando um Estado de Direito reconhece uns direitos, as pessoas que luitavam pola liberadade nom deveriam necessitar duma amnistia. Quem se beneficiou deste processo forom os franquistas que cometeram crimes de lesa humanidade, garantindo a impunidade dos delitos. Na Galiza nom houvo uma guerra como em outros lugares do Estado e, depois da década de quarenta, os fascistas continuarom assassinando impunemente e isso é o crime propriamente dito.
As associaçons memorialistas, como a que presides, desenvolverom nas duas últimas décadas um trabalho fundamental para a recuperaçom da memória das vítimas antifranquistas e para a reparaçom emocional das suas famílias. Que análise fas em perspetiva deste labor coletivo?
Desde o ano 2000 figemos as caravanas da memória e críamos que se ia romper o silêncio de tantos anos porque nos recebiam mui bem em todos os lugares. Ainda assi, durante este tempo, partidos como Esquerda Unida ou o PCE nom compreenderom o fenómeno; eu penso que é por causa da inconsciência. Com Zapatero recebemos alguma ajuda econômica para as exumaçons, mas isso impedia a judicializaçom dos crimes de lesa humanidade. Exumaçons que apagam a pegada do crime, por isso os juízes nom vam, porque é uma paródia, nom há justiça! Eu sei que nom me podo confrontar a esse trabalho porque é humanitário, mas politicamente e do ponto de vista jurídico internacional é um erro.
Nos últimos meses, os meios de comunicaçom estám informando da possível exumaçom do túmulo do ditador Francisco Franco. Qual é a tua opiniom em relaçom a esta medida?
Agora, com o tema da fossa do Franco, penso que nem se vam anular os julgamentos sumários (que é o fundamental), nem vai haver reparaçom… Apenas é fachada. E assi continuamos sendo o segundo país do mundo com mais fossas comuns.
Recebeste recentemente uma chamada para fazer-te uma homenagem em Valência, mas decidiste que nom devia ser algo centrado na tua pessoa, por que?
Eu nom necessito homenagem (indica emocionado). A homenagem é para todas as pessoas que luitarom contra o fascismo, nom para mim. Porque, no fim das contas, tivem sorte de viver. E os que morrerom? Nom tenhem direito à homenagem? Eu dixem-lhes: a mim fazedes-mo com os demais, vivos ou mortos.
O que achas da situaçom política na atualidade e particularmente da repressom que existe no estado contra a dissidência política, particularmente contra o independentismo?
Vai tudo a reboque. Uma desorientaçom terrível que fai que as pessoas nom tenham onde identificar-se. Eu penso que a dia de hoje é importante criar movimento social, ligado aos problemas reais da sociedade. Eu tenho mais fé, faga o que figer, no associativismo. Há que marcar objetivos a longo prazo, formar às pessoas, transmitir valores, ajudar a refletir sobre a realidade, conhecer o seu contexto e nesta tarefa ninguém sobra. Saiba mais ou menos, no coletivo, aprendemos muitas cousas: o exercício da igualdade em grupo, o bem comum como sociedade.
Em relaçom à repressom, eu nom tenho uma cultura independentista, nem regionalista sequer, mas eu respeito a legitimidade dessa ideia para se poder expressar e ser debatida. Em base a que critério se lhe impom a Catalunha ou a Galiza unicamente uma opçom? Por que nom vai ser diferente? Tem uma cultura diferente. Por que uma cultura tem que estar sobre outra? Ou uma tradiçom sobre outra?