As vozes autorizadas que ditam o código ético das nossas sociedades -nomeadamente os intelectuais tolerados, a mídia e o sistema educativo- apregoam que qualquer proposta política é defendível, sempre que se exprimir pacificamente. Os feitos das últimas semanas deixam claro que esta argumentaçom é falsária, nem os seus próprios vozeiros acreditam no afirmado. Para o pensamento dominante, o “como” nom importa se a causa é boa: a sua causa, a defesa da economia de mercado e dumha orde internacional onde um feixe de Estados poderosos assovalham pequenos países. Pola contra, se a causa desafia as elites político-económicas, nom importa o como se manifestar. Será perseguida com toda a força da excepçom.
A operaçom policial contra os CDR legitimou-se pola alegada preparaçom de futuras acçons violentas independentistas. Antes de estas realizarem-se, a mídia declarou os CDR serem potencialmente terroristas. As suas acçons -curtes de estradas, autoestradas e caminhos de ferro- som julgadas violentas, mesmo se nom comportam danos contra pessoas nem contra infraestruturas.
No entanto, enquanto os manifestantes de Hong Kong tomam aeroportos, estaçons de metros e centros comerciais, muitas vezes equipados com materiais de choque para combater a polícia, a imprensa espanhola e occidental em geral fala de ‘expressons pro-democráticas’. Numha crónica da imprensa espanhola na passada semana, dava voz aos opositores hongkoneses que faziam apologia da violência e da necessidade de ‘haver mortos’ para o protesto realmente avançar.
Idêntica dupla moral no juízo da violência foi aplicado pola imprensa dominante no caso das revoltas contra a Revoluçom bolivariana ou no ‘maidan’ ucraíno, julgado nalgumhas reportagens como umha ‘gesta popular’. Em tal gesta, a violência foi utilizada sistematicamente, incluindo-se o uso de armas longas e a organizaçom de quadrilhas de ultradireita mobilizadas contra os sectores pro-russos.
A resposta do Estado. De Hong Kong à França
Idêntica política de parcialidade é aplicada com a repressom estatal; fiscalizada até o último detalhe quando se trata de poderes que ameaçam a hegemonia occidental, resulta banalizada ou mesmo invisibilizada quando a exercem poderes amigos.
Amnistia Internacional assinala com preocupaçom que, desde o começo da revolta de Hong Kong, a meados do Junho passado, 1500 pessoas foram detidas polo governo chinês. As fontes solidárias com os mobilizados falam de entre 127 e 146 detidas.
As cifras semelham com efeito preocupantes. Mas que acontece apenas a 1000 kilómetros de nós, numha referências da democracia liberal, a França? Em 46 semanas de protesto dos coletes amarelos, as fontes da mobilizaçom, e inclusive a própria wikipedia, contabilizárom 11090 detidas, 4999 feridas, 29 mutilados (24 pessoas ficárom sem um olho, cinco sem umha mao), e 11 mortos. De 313 pesquisas independentes realizadas sobre abusos policiais, nom houvo umha só condena por extralimitaçom de funçons.
A dimensom da repressom estatal só se pode dimensionar correctamente se engadimos que foram já ditadas 714 condenas a prisom (segundo cifras oficiais do governo francês). Dam ideia dum Estado envolvido num plano ambicioso de contra-insurgência, do que pouco sabemos por mor do bloqueio mediático, que mesmo custa rachar através da rede.
O colapso que se aproxima, junto com a luita pola hegemonia mundial, está a recuperar a mobilizaçom de rua e a desorde em muitos pontos do mundo. Segundo o tratamento mediático que cada um dos conflitos provoque, podemos ter pistas de calado sobre os interesses de fundo que movem os revoltados.