‘As vidas de três tecidos, a vida dum cam. / As vidas de três cans, a vida dum cabalo. / As vidas de três cabalos, a vida dum homem. / As vidas de três homens, a vida dum águia. / As vidas de três águias, a vida dum teixo. / A vida dum teixo, a longitude dumha era. / Sete eras desde a criaçom até o dia do juízo’ (Cantiga popular inglesa)
As amantes da nossa Terra nom demorarám em ver, nas saídas montanheiras de outono, umha árvore de verde intenso que salienta entre as massas de caducifólios. Fai-no em zonas avessas e muito húmidas, entre 500 e 1700 metros. Os nossos devanceiros venerárom-no e os seus exemplares resistentes retrotraem-nos aos alvores da história, às origens da Gallaecia, e também a alguns episódios históricos da épica nacional. É o teixo, taxus baccata, que sobrevive ao avanço da monocultura e à ameaça extractivista em muitas zonas de montanha. Leva no nosso continente 15 milhons de anos, e pode considerar-se a árvore europeia mais antiga.
O teixo é umha conífera que, segundo dizem os especialistas, tem predilecçom polas zonas calcáreas. A etimologia, ‘taxus’ remite a ‘ordenado em fileiras’, em alusom às suas folhas com forma de alfinete distribuídas simetricamente. ‘Bacata’ relaciona-se com ‘bago’, e alude ao froito vermelho e venenoso que dá cada seis ou sete anos. Na actualidade, estudos científicos animárom a aproveitar o taxol, um dos seus componhentes, nas medicinas anticancerígenas; o paclitaxel, sintetizado a partir do taxol, serve também para combater doenças do coraçom. As grandes farmacêuticas lamentam-se agora de o produtivismo capitalista ter reduzido tanto as áreas mundiais do teixo.
O verde intenso da folha e o avermelhado da cortiça dá a esta árvore um porte especial. As mais delas som baixas, de nom mais de sete metros, mas há exemplares impressionantes que ultrapassam os quinze.
Na Galiza topamo-lo porém em terras ácidas; isso si, sempre alimentado pola humidade atlántica que a mudança climática ameaça nestes tempos. Em tempos remotos, o território de nosso deveu estar inçado desta espécie, que recuou polo avanço da humanizaçom e a conquista de mais e mais espaço para o agro desde a Idade Média.
Qual é o segredo da sua longevidade? O botánico Fred Hadeneger explicou-no assim: ‘o interior do tronco do teixo está oco. Desde os nódulos das polas, umha raiz interna desce pola oquidade até chegar ao chao, enraizar-se e generar um tronco novo, enquanto seca e cai o que o rodea.’ Regeneraçom permanente, eis o segredo do teixo.
Veneraçom ancestral
Para além do porte, das formas envolventes desta árvore escura, retorcida e sempre imponhente, muitos povos antigos ficárom surprendidos pola longevidade do teixo. Entre eles os celtas, que a venerárom como a árvore da morte, ou mais exactamente, do passamento, da transiçom entre o aquém e o além. Acaso ou nom, é em vários pontos da Europa céltica onde sobrevivem alguns dos teixos mais velhos e mais senlheiros. Ao teixo de Foringall, em Escócia, atribuem-se-lhe 3000 anos de vida. E embora os especialistas matizam que esta dataçom é exagerada, a sua longevidade é indiscutível. Outro exemplar impressionante loze no País de Gales; lá, na Igreja de Llangernyw, figura um exemplar datado da Idade do Bronze.
E obviamente, as reminiscências do culto celta polo teixo chegam à Galiza. A peregrinagem mais antiga do nosso território –Santo André de Teixido– data da Idade do Ferro, gozava de boa saúde no medievo, e leva no seu topónimo a marca evidente dum bosque sagro. O Teixedal de Casaio, no extremo contrário do país, é a área de teixos mais importante da península, e a mais occidental da Europa. Nada se sabe da relaçom que os antergos puidérom manter com este bosque, mas si da sua relaçom com alguns capítulos importantes da nossa história recente, como logo veremos.
Lendas e usos
Numha cosmovisom, a céltica, que concebia umha delicada linha de separaçom entre vivos e mortos, o teixo ocupava um rol central. O estudioso Robert Graves diz-nos que o teixo representava umha das letras do alfabeto esotérico druídico ‘ogham’. Era a árvore do solstício de inverno, e em toda a Europa associava-se com morte e vida eterna. Quando a árvore avelhentava, e no seu tronco combado polo tempo abria-se um oco, a coveira considerava-se umha porta para o além. O teixo está presente também na história de Naoise e Deirdre, dous namorados que resistem ao arredamento com o entrelaçado das raiceiras do teixo, representando assim o amor além da morte.
O teixo ainda aparece como árvore ornamental de vários camposantos (caso do de Córneas, em Baleira, na montanha oriental). Nom em vao, para a mitologia popular as raízes da árvore entravam nas bocas dos defuntos para ligar coas suas almas.
As civilizaçons premodernas teciam relatos sobre seres, objectos e espécies que tinham para a humanidade uns usos específicos, sempre relacionados com potenciais e com tabus. A resistência cronológica do teixo era também resistência física; e de feito, a madeira desta árvore tem umha consistência especial e é muito apreciada para a mobília. O teixo era a árvore com que se faziam arcos e flechas; na lenda popular, de teixo era o arco de Robin Hood, que disparava mais rápido que umha besta, o engenho bélico inicialmente condenado polo papado por ‘satánico’. E os antigos guerreiros celtas aproveitavam o veleno das bagas para untar as pontas das saetas, aumentando a sua letalidade.
A médio caminho entre o material e o simbólico, os antigos irlandeses chamavam o teixo ‘caixom da vinha’. Com efeito, a qualidade da sua madeira dava muito bons barris para conservar a bebida alcólica; mas aos seus olhos, era a condiçom mágica do ‘taxus baccata’ a que inseria no vinho poderes especiais. (Em muitas sociedades antigas achava-se que o vinho dava poderes proféticos e adivinhatórios).
O presente e a história
Pouco conhecido polo comum da populaçom, e já nom diremos especialmente respeitado ou venerado, o teixo vincula-se porém com feitos históricos afamados e que podemos enquadrar na épica galega. Historiadores latinos e medievais vencelham o teixo com os galaicos, e Lucio Anneo Floro, num dos treitos mais conhecidos sobre o cerco do Medúlio, escreve:
‘Para rematar tivo lugar o assédio do Monte Medúlio, sobre o que, trás cercá-lo com um foxo contínuo de quinze milhas, avançárom a um tempo os romanos por toda parte. Quando os bárbaros vem-se reduzidos a extrema necessidade (…) no médio dum festim, dérom-se morte com o lume, a espada e o veleno que costumam extrazer dos teixos. Assim, a maior parte livrou-se da cautividade, que a umha gente até entom indómita semelhava mais intolerável do que a morte.’
Milheiros de anos depois, o teixo aparece vinculado com outros rebeldes: os combatentes antifascistas da Federaçom de Guerrilhas de Leom-Galiza que, nos Montes de Casaio, organizam o seu quartel geral dos anos 1942 a 1946. Precisamente é no Teixedal de Casaio, a Cidade da Selva dos resistentes, onde a guarda civil gora umha das tentativas mais prometedoras de constituiçom dumha renovada estrutura armada contra Franco. No ano 46, o corpo militar reventa a tiros o chamado ‘Congresso de Unificaçom’, onde a Federaçom e o Exército Guerrilheiro (baixo direcçom comunista) negociavam a sua fusom.
Desleixo institucional e resistência
No Catálogo de Árvores Senlheiras da Junta da Galiza, sete teixos figuram como exemplares únicos do nosso património, num total de 147 árvores merecentes de ser conservadas. Nalguns casos, a pretensom institucional fica no mundo das boas palavras. É o caso do conhecido Teixo dos Tenreiro, que ficou danado até a morte em Pontedeume pola construçom dum agressivo passeio marítimo e pola ampliaçom da AP-9. Em 2015, os especialistas davam-no por ‘irrecuperável’ depois de quatro séculos acompanhando as vidas da vizinhança eumesa.
Porém, o teixo resiste. Quem estimar a nossa riqueza natural ainda pode ver teixos monumentais no Paço de Baldomir (Bergondo), em Fontaneira (Baleira), em Balmonte (Castro de Rei) em Sam Cristovo de Valdueza (Ponferrada) ou em Carvalhido (Fonsagrada). E contra vento e maré, muito perto das louseiras que estragam as redondezas de Pena Trevinca, qualquer galega pode achegar-se, com tino e respeito, ao próprio Teixedal de Casaio: umha reminiscência do Terciário a 1500 metros de altura; se bem o teixo é de seu solitário, aqui reunem-se mais de 400 exemplares de quase médio século de vida, que ocupam quatro hectares únicas na Europa. Neste bosque, e ante árvores vedraias que vírom o passo de mais de doze geraçons, podemos tomar emprestados os versos de Uxío Novoneyra para sentirmos bem ‘o pouco que é um homem’.