Fazer estimaçons científicas da extensom do uso de drogas nom é tarefa doada. Os índices que manejamos -nom sempre exactos, pola condiçom clandestina do consumo- som variáveis, e podem levar a umhas conclusons ou outras em funçom do interesse do cronista. Seja como for, no último lustro a preocupaçom medra, e algo mais que umha suspeita paira sobre os sectores dedicados a alertar sobre este enorme problema de saúde colectiva.

Volta a heroína?

Observadoras e analistas coincidem: desde membros da veterana Érguete, a profissionais da saúde: o problema da drogodependência segue muito vivo, mas perdeu visibilidade social. Há quase três anos, umha reportagem do Sermos Galiza dava a primeira voz de alarma sobre umha velha conhecida de várias geraçons: a heroína -contava o semanário em outubro de 2016- voltava a estar presente com força nas conversas, nos centros de atençom a drogodependentes, e provavelmente no consumo. O trabalho jornalístico apoiava-se em declaraçons da corunhesa ACAD (Associaçom Cidadá de Luita contra a Droga). Na cidade herculina, um goteio de novos consumidores parecia chegar às entidades de apoio. Umha tendência semelhante registava-se em Lugo e Monforte. Certamente que nom existem ainda dados oficiais, e por isso centros como o CEDRO de Vigo pontualizavam que ‘a atençom por este consumo segue estável desde 2014’.

Neste contexto, as palavras do ex-regedor compostelano Martiño Noriega em 2018 nom surprendêrom. O alcalde advertia com preocupaçom um aumento do seu consumo na capital da Galiza; num contexto apriori pouco propício para esta droga, na cidade da turistificaçom, a mercadotécnia e o fim dos espaços segregados, este conhecido veneno parecia recuperar o seu espaço. E é que as aparências, como muitas vezes acontece, enganam. Numha reportagem assinada por Roi Ribeira para O Salto-Galiza reflectia-se a preocupaçom do movimento vicinal. Volviam aparecer seringas em parques infantis (umha estampa que recordava à década de 80), e o trapicheo resultava cada vez mais visível. Por isso, ainda que os índices de tratamento por heroína na capital estám em percentagens relativamente baixos (um 20% em 2012, face o 60% de 1991), observadores atentos falam dum problema ‘em incubaçom’. Os efeitos na saúde dos consumidores demoram ainda anos em mostrar-se. E semelha evidente que fora da Compostela de postal, existe umha outra cidade oculta. A de aqueles residentes em infravivenda, usuários ou nom de serviços sociais, mergulhados na precariedade crónica ou num parasitismo de subsistência.

Cocaína: o preço da eufória

Menos dúvidas existem no que diz respeito ao consumo da cocaína, umha substáncia associada ao lazer massivo industrial, à necessidade de euforizantes num modo de vida esgotador e baleiro, e também ao recreio das classes abastadas. Infelizmente, neste ponto a Galiza imita fielmente as tendências espanholas. O Estado espanhol, junto com o Reino Unido, Bélgica e Luxemburgo , bate marcas europeias de consumo desta droga. A veterana associaçom Érguete já chamou a atençom há dous anos sobre esta realidade. E os dados, neste caso, som claros e contrastáveis. No interior dum Estado já de seu associado com o uso despreocupado de cocaína, a Galiza acha-se no terceiro posto do consumo, apenas por trás das Canárias e do País Valenciano.

Das 49 incautaçons massivas realizadas por forças policiais em 2017, a metade delas tinham com destino a Galiza. Além disso, se puidermos duvidar do destino final destas cargas, as análises de águas residuais deitam cifras preocupantes. O ‘European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction’ demonstrou que em 2018 sobardavam-se os 350 miligramos de metabolitos na orina por mil habitantes. A tendência era à alça, pois apenas três anos antes, a cifra era de 150. Tais cifras disparavam-se nas análises realizadas de sexta a segunda feira, o que confirma a associaçom da cocaína com o lazer nocturno.

O abuso de drogas liga-se às novas formas de lazer industrial nocturno

As consequências deste fenómeno nom som ligeiras. No nosso contorno geográfico, segundo dados de organismos dependentes da UE, o 73% dos pacientes a tratamento por drogodependência som-no por consumo de cocaína. O 86% de todos eles som homens, dumha faixa de idade relativamente baixa. Enfrentam sérios danos cerebrais nos neurotransmissores, o seu calibre arterial diminui, a sua potência sexual deteriora-se, e os danos renais e pulmonares podem ser severos. Eis o preço que se paga pola eufória, medido apenas em termos individuais. Se levarmos em conta as suas repercusons colectivas, facilmente concluiríamos que maiores índices de drogodependência dam prova dumha sociedade mais escapista, mais irresponsável e, em definitiva, mais controlada polo Estado e o consumo compulsivo.

Síntese e álcol

Historicamente, as drogas de síntese, tais como o êxtase ou o MDA, recebêrom menos atençom mediática e passárom quase socialmente desapercebidas. Se bem a sua produçom se associa a países do norte (nomeadamente a Holanda, onde se situavam os mais dos laboratórios), tenhem-se detectado centros de produçom na Galiza, quanto menos desde 2008.

Como o cannabis (que multiplica por cinco os seus consumidores respeito o resto de drogas ilegais) é considerada umha ‘droga de acompanhamento’ que reforça os efeitos do álcol e multiplica a desinibiçom. Precisamente o álcol é umha droga que aumenta a sua área de influência. Conquista bebedores cada vez mais novos e protagoniza de maneira indiscutível os eventos sociais das novíssimas geraçons de galegas. Se bem é umha droga cultural, cujos efeitos mais nocivos já conhecêrom os nossos devanceiros, há décadas relacionava-se com formas de sociabilidade diurna e celebraçom comunitária. Hoje insire-se num lazer maiormente nocturno, unido muitas vezes ao uso de carro, e tem transformado irremisivelmente algumhas das festas tradicionais galegas mais emblemáticas, como temos analisado neste portal.

A festa popular juvenil virou nas últimas décadas numha celebraçom baseada no álcol, enorme produtora de intoxicaçons e refugalho

A toleráncia social, até o ponto de ignorar as suas consequências na saúde, um dos novos elementos a levar em conta se falarmos da possível extensom do alcolismo. Maria Iglesias, responsável do centro ‘Renacer’, promoveu junto com a USC um estudo recente em Santa Uxia de Ribeira. As cifras eram concluintes: o alcol resultava umha substáncia de consumo habitual na metade das adolescentes. Para Antonio Rial, psicólogo experto em adiçons que contribuiu para a pesquisa, há aspectos culturais que explicam a hegemonia do álcol: os adolescentes, manifestou o especialista, estám dominados pola cultura ‘do dinheiro fácil e a satisfaçom imediata’, o que leva a usos irreflexivos. Neste sentido, a extensom da dependência às drogas está em relaçom com outros processos do nosso tempo, como a dedicaçom compulsiva às novas tecnologias ou às apostas desportivas.

Esquerda real, esquerda liberal

Qualquer análise das drogodependências da Galiza tem que reparar nas nossas particulares condiçons geográficas e geopolíticas. Mesmo o jornalista Nacho Carretero, que virou famoso por ‘Farinha’, um livro tolerante com o poder e apologista das forças policiais, reconhece que a Galiza da democracia generou umha ‘narcocultura’. Umha imensa rede de economia informal baseada no lucro fácil, inicialmente ligada a mandos provinciais e grandes financiadores do Partido Popular, e que devorou as energias comunitárias de várias geraçons.

É conhecida a oposiçom histórica do independentismo à extensom das drogas, que na etapa do EGPGC foi mesmo oposiçom violenta ao narcotráfico. Outros nacionalismos resistentes europeus, particularmente o irlandês, escolhêrom a luita frontal contra as drogas ilegais, por entendê-las ferramentas de desmobilizaçom da juventude.

O problema tem certamente muitas dimensons. Abandonado o uso regulamentado e ritual das drogas, próprio das sociedades tradicionais, a drogadiçom contemporánea liga-se com a experiência da dor. O padecimento, dum modo ou outro, como estudárom todos os grandes conhecedores do ser humano, é inerente à nossa condiçom. Em certo modo, o recurso escapista às drogas estará sempre a mao e tem alcanço universal.

Cartaz libertário contra o alcolismo

A esquerda liberal fica nesta abordagem da questom e, como os seus homólogos na direita, entende o consumo um assunto privado que pertence ao ámbito da livre escolha pessoal. A esquerda do movimento obreiro, pola contra, assumiu sempre que cada passo que damos tem consequências colectivas. For como manobra distractiva, como consentimento com o deterioro da saúde do povo, ou directamente como forma de destruçom da mocidade, muitos Estados capitalistas fórom tolerantes e mesmo cúmplices da narcocultura. De todos os movimentos sociais, foi o anarquismo o que vincou com maior ênfase na necessidade da militante virtuosa, cujo compromisso começava com a vida sana e a lucidez de pensamento. Na literatura libertária da primeira metade do século XX afirmava-se: ‘a maior núcleo de bebedores, maiores avantagens de submetimento, já que aos poucos a bebida tira a energia, a saúde, a nobreza e o entendimento; e o que é pior, o sentido da dignidade.’