Umha das caricaturas mais recorrentes na narrativa historiográfica do regime espanhol, na sua vertente autonomista, constitui-a a do arredismo ideologista e arroutado. Assim, existiria um galeguismo maioritário racional e bom, sempre autonomista-federalista e centrado nas necessidades concretas do país e no trabalho institucional. Um nacionalismo domesticado e subsumível polo relato da “esquerda” espanhola, quer em versom sentimentalista quer possibilista. Pola contra, esse mesmo galeguismo, às vezes, estouparia em arredismos inesperados que os cronistas académicos da autonomia reduzem sempre ao visceral e mesmo ao verbalismo. De novo o escravo doméstico frente ao cimarrom do paradigma colonial que sinala desde onde se enúncia essa narrativa. Quiçá a República Galega de 1931 e a Uniom Socialista Galega suponham dous dos exemplos mais ilustrativos desta manipulaçom interesseira.

Hoje, 12 de setembro, fam-se 83 anos do fuzilamento de Joám Jesus Gonçales e por isso cumpre falarmos da Uniom Socialista Galega, a primeira organizaçom política abertamente independentista e marxista da nossa história. Para as poucas pessoas que ouvírom dela, a visom deformada que se lhes transmitiu provoca que imaginem um núcleo minúsculo de frikis a repetirem radicaladas e a dificultarem a luita polo estatuto do Partido Galeguista. Por isso a primeira surpresa aparece quando descobrimos que os arredistas fôrom dos mais entregados à campanha estatutista, com mitins por todo o país. Entendiam-no como um passo imprescindível naquela tesitura. Do mesmo jeito, os seus vínculos de classe, labregos e operários maioritariamente, forneciam-lhes umha visom mui pouco idealista ou ideologista. Um pragmatismo que levou o Joám Jesus a ameaçar coa luita armada da mao do campesinhado quando se paralisou o processo estatutário a começos do Biénio Negro, em 1933. E nom botava por fora, quando se deu o golpe fascista, o 18 de Julho de 1936, apareceu com cinquenta milicianos organizados e armados às suas ordens. De facto, duas testemunhas no juízo em que o condenárom a morte relatárom como lhes passou revista na Praça do Obradoiro e mesmo lhes corregiu a formaçom militar.

Bandeira da Uniom Socialista Galega sobre a tomba de Joám Jesus Gonçales

Porém, a melhor maneira de racharmos a deformaçom histórica e o desconhecimento é indo às fontes. Que imagem recebiam as galegas e galegos daquele momento do labor destes arredistas marxistas? Escolhamos, por exemplo, um mês, de novembro a dezembro de 1932.

O 6 de Novembro, El Pueblo Gallego reproduzia a postura oficiosa do PSOE, publicada em El Socialista, sobre a Uniom Socialista Galega: “Em Santiago iniciou-se, polo visto, um movimento de carácter mais ou menos legitimamente obreiro, que se abeira num apelido socialista e que tenta espalhar a sua organizaçom polas quatro províncias galegas. (…) Som gente alheia às nossas organizaçons”. Por isso o socialismo hispano nom duvidava em empregar o argumento pseudo-internacionalista comum às esquerdas céntricas ainda hoje: “Nom é política nem tática socialista, é um procedimento que xebra, é umha reaçom contra o movimento de uniom proletária, essência, em definitiva, do nosso partido.” Está claro que um chisco sim que lhe molestavam ao PSOE anti-autonomista posterior ao Congresso de Monforte de 1931. A xenreira do final do artigo deixa-o ainda mais claro: “Os nossos simpatizantes ham fazer bem ao ter em conta as apreciaçons que antecedem e, por tanto, examinando bem as questons que sob essa receita de Unióm Socialista Galega se podem suscitar. Ao pior, debaixo dumha má capa agacha-se um bebedor mais mau ainda que a capa, e qualquer letreiro lhe pode servir de cartaz e de máscara ao cacique.” Em definitiva, um PSOE estarrecido pola potencialidade da nova formaçom difamava-a mesmo desde Madrid.

A resposta da USG encontramo-la 3 dias antes em El Compostelano. Nela reafirmavam-se em que se pode ser internacionalista sendo só galegos, sem submeterem-se ao projecto nacionalista espanhol. Já que a USG “nom interpreta nem ama nem quer, efetivamente, o socialismo de Madrid desde o lamentável Congresso de Monforte. Mas que se sente cada vez mais europeia e por tanto mais marxista.” Assim, o socialismo arredista “interpreta e tenta sementar na Galiza o socialismo tal e como o concebérom Marx e Engels”. Também assinalam a importância da composiçom de classe nas suas ringleiras frente às direçons classemedieiras do PSOE e aos arribistas que se lhe incorporárom: “somos obreiros, exata e genuinamente obreiros e contribuimos, ainda que modestamente, ao incremento sindical em todas as suas formas.” Esta contribuiçom detalha-se dizendo dos dirigentes da USG que som “todos obreiros de berce, que nom estivérom parados durante a ditadura. (…) Divulgavam as doutrinas marxistas em livrarias, bibliotecas e reunions. Sofriam sançons governativas no mais hermético silêncio e desde todos os postos de trabalho que ocupavam faziam labor sindical e socialista. Perdérom postos, reduzírom as suas famílias a verdadeiros estados de fame, mas nem esmolárom cargos, nem procurárom prebendas, nem reclamárom sinecuras. Fôrom ao sacrifício do trabalho livre.”

Joám Jesus Gonçales, secretário geral da USG

O 26 de Novembro, El Pueblo Gallego recolhia esta nova sobre a USG. “O vindouro domingo, patrocinado por Uniom Socialista Galega, há ter lugar umha reuniom no pabelhom da Ferradura às onze da manhá, da Federaçom Comarcal Agrária para tratar o conflito que lhes surgiu aos vizinhos da zona livre pola intransigência da Gestión de Arbitrios, que pretende fazer efetivos supostos atrasos pola via executiva.” Ao dia seguinte também El Compostelano dava conta da noticia: “Figérom uso da palavra D. Joám Jesus Gonçales, D. Anjo Valcarcel, D. José Ramom Garabal, o presidente da comarcal e outros. Acordou-se apresentar-lhe umha moçom à Alcaldia que ham subscrever todos os presidentes e representantes dos sindicatos pedindo que fiquem sem efeito as execuçons de embargo iniciadas na freguesia de Arins.” O dia 30, El Pueblo Gallego publicava a nota de imprensa enviada pola USG: “A reuniom tivo lugar co mais brilhante dos sucessos e a ela concorrérom mais de douscentos representantes da organizaçom agrária entusiasmados e plenos de optimismo.(…)Acordou-se igualmente, no caso de pretenderem embargar os valentes labregos de Arins, deixar de acudir ao mercado para assim vencer a resistência de quem for, quando se deixarem de perceber por arbítrios as 400 pesetas diárias que os labregos pagam.” Ou seja, a USG organizava umha greve como vanguarda das sociedades agrárias da bisbarra compostelá.

Porém, o mesmo 26 de Novembro, el Pueblo Gallego publicava também outra notícia que falava dum mitim pro-estatuto da USG em Lestedo esse dia, mas também da repressom contra aqueles audazes arredistas: “Como se lembrará, este mitim tinha que ser realizado o passado dia 13, mas foi suspendido por baixos manexos caciquis. Há ter lugar hoje por vontade reiterada dos labregos daquele concelho que reagírom contra o atropelo do que figérom vítima este partido.” Numha nota anterior no mesmo jornal, o 17 de Novembro, fornece-se mais infomaçom: “Quando começava o mitim apareceu umha parelha da Guardia Civil portadora dum ofício do alcaide de Boqueixom em que se lhe ordenava à parelha que evitasse por todos os meios o mitim anunciado.” O texto concluia: “A opiniom galega, os republicanos de coraçom e boa fé, darám-se perfeita conta do que isto significa em plena campanha autonomista. Contra este género de perseguiçons, Galiza inteira, como figérom os labregos de Boqueixom em Lestedo, há saber protestar com energia.”

Amañecer, publicaçom quincenal independentista

O 6 de Dezembro, El Eco de Santiago publicou umha nota de imprensa sobre os acordos do Comité Central da USG. O primeiro, comemorar a morte de Pardo de Cela na Frouxeira. Depois, realizar quatro grandes mitins pro-estatuto em Ourense, Vigo, Lugo e Ponte-Vedra. Dizia-se também que o crego de Arçua, José Santos Quintela, acabava de ingressar na organizaçom. Ele será quem organice um mitim pro-estatuto com 3000 labregos da sua bisbarra dous meses depois, como recolhe El Compostelano do 8 de Fevereiro de 1933. Na nota de imprensa de Dezembro também aparece que se constituírom 30 comités paroquiais da USG em Ourense e Ponte-Vedra e que 12 sociedades agrárias se integrárom na Uniom Gremial da Galiza, primeira tentativa dum sindicalismo de classe nacional vinculado à USG. Do mesmo jeito, anunciava-se que um membro de Unió Socialista de Catalunya, partido também soberanista e socialista naquele país, havia viajar à Galiza para apoiar a USG na campanha estatutista.

O contraponto da caricatura espanholista sobre o independentismo galego oferece-o o ideologismo esteticista que pode acusar de possibilismo qualquer pragmatismo consequente. Assim, por se houver dúvidas, devemos lembrar que a proposta da USG nas eleiçons estatais do ano seguinte, 1933, foi apresentada claramente como independentista frente à moderaçom do Partido Galeguista. El Compostelano publicou o 2 de Novembro de 1933 que a candidatura da USG era a única que “postula a liberdade completa e a independência da Galiza”. Apresentar-se tam cedo às eleiçons abofé que era um erro que nom desejava cometer a direçom da USG, mas que assumiu pola pressom entusiasta das suas bases.

Neste período dum mês em que nos centramos nom aparecem referências ao periódico independentista Amañecer nem ao emprego de programas de rádio para espalhar o discurso da USG. Também se botam em falha novas sobre o Seminário de Estudos Socialistas que criaram os useguistas em Julho desse mesmo ano. Estes temas havemo-los tratar num próximo artigo. Endebém, esperamos que esta simples viagem a Novembro de 1932 contribua a rachar o estereotipo co que a narrativa histórica oficial tenta parodiar o soberanismo galego.