Na sua fase actual, o capitalismo degrada as relaçons sociais em formas nunca vistas. O retrocesso dos direitos conquistados polo movimento obreiro em mais dum século acompanha-se, quanto menos no mundo occidental, dumha epidemia de egoísmo, egolatria e conspiraçom, por vezes entre iguais. O escritor alemao Hans Magnus Enzensberger nomeou isto ‘guerra civil molecular’. Fenómenos como o mobbing, próprio dos quadros médios das grandes empresas e administraçom, pode entender-se nestas coordenadas.

Estudado desde inícios dos anos 80 pola sociologia europeia, como apontávamos recentemente, o mobbing provocou já a aprovaçom de regulamentos específicos que visa minorar os seus efeitos. No Reino de Espanha, está tipificado como forma de tortura no código penal, e desde 2011 um decreto tenciona combatê-lo. Obviando as causas que o provocam, como em tantos ámbitos da sociedade capitalista, os legisladores pretendem suavizar a sua incidência nas vítimas. Tipificaçom do delito, condena dos agressores, tratamentos terapéuticos…soluçons individualizadas que esquecem a dimensom social, segundo a psicologia crítica. Numha palestra organizada há já dez anos em Astúrias, Guillermo Rendueles afirmou que o mobbing é produto ‘dumha sociedade onde o ‘eu’ ganhou o ‘nós’, um mundo narcisista e ególatra que privatizou os problemas. Nos tempos do fordismo, contemplava-se o chefe como a figura do explorador, mas hoje considera-se um perseguidor que mostra contra nós animadversom pessoal. Por outras palavras, o submetimento da assalariada à empresa com o fim de aumentar a taxa de lucro nom se consegue apenas com rebaixa de salários, alongamento de jornadas, curte de direitos…agora fai-se com um amplo leque de formas de tensom psicológica, humilhaçom e mal trato gratuito. Abandonado por sindicatos crescentemente burocratizados, o trabalhador tem de enfrontar este difícil panorama em solitário. ‘No canto de recorrer ao conselho obreiro, a vítima recorre agora ao psicólogo ou psiquiatra’, continua Rendueles. O problema é de tal dimensom que alguns apologistas do capitalismo vem o mobbing como umha patologia, além de cruel, desnecessária, mais um fruto podre da amoralidade neoliberal.

Desunir a classe

O mobbing é um fenómeno promovido -directa ou indirectamente- de instáncias empresariais, e logo extendido à escala dos assalariados através dos mandos intermédios. Alguns especialistas utilizam a expressom ‘silêncio dos anhos’ para dar conta do pacto de mútua indiferença que os trabalhadores tipo do neoliberalismo mantenhem, metabolizando o malestar colectivo por medo ao desemprego. No web da Associaçom Galega contra a Acossa Moral no Trabalho recolhem-se testemunhos anónimos de situaçons extremas. Ausência de protagonismo sindical, intriguismo, divisom entre assalariadas e sérios danos psicológicos som as notas dominantes: ‘a intençom dessa trabalhadora era manter o posto de trabalho baixo qualquer circunstáncia’, narra umha vítima: ‘decidiu intrigar de costas à sua companheira com a intençom evidente de ficar com o seu posto de trabalho, e para isso utilizou umha imaginaçom delirante, maquiavélica e perversa e com umha certa dupla personalidade’. Noutro dos casos, referido à administraçom municipal, diz-se: ‘o interesse era privá-la desse posto de trabalho que ganhara por oposiçom’. Em todos os relatos a noçom dumha identidade comum brilha pola sua ausência, e a velha solidariedade de classe é esvaecida pola insinceridade e a cumplicidade com o patrom: ‘desde esse dia está de baixa, e desde esse dia, e vam já sete meses, nom recebeu chamada nem da sua companheira nem da sua encarregada, as quais (sobretodo a sua companheira) pareciam ‘apreciá-la’ muito. Isto é umha evidência das suas maquinaçons malintencionadas.’

Neomanagement e liderança tóxica

Iñaki Piñuel, professor de ADE na Universidade Autónoma, e ele mesmo ex-dirigente de empresas tecnológicas, tem debruçado na questom desde a confiança no capitalismo e nas suas hierarquias extremas. Mas precisamente por ser a sua umha crítica que se formula do interior, tem um interesse especial. Demonstra também que é um problema de amplo alcanço que todas as famílias ideológicas sentem como próprio, inclusive as que se dedicam à gestom do capital.

Mergulhando nas raizes do problema, Piñuel afirma que as lideranças tóxicas, necessárias para a existência de mobbing, assentam num perfil psicológico determinado. O mobbing assenta numha ‘personalidade narcisista’, isto é, um quadro de personalidade necessitado de aprovaçom e aplauso constante, normalmente ligado com problemas de auto-estima, que tam manifesto resulta no submundo das redes sociais. ‘O problema -afirma Piñuel- é que o narcisista por vezes tende a crer-se por riba das leis, deriva na falta da empatia, e pode rematar sendo um idiota emocional.’

O neoliberalismo leva a promocionar a concorrência a ultrança desde a primeira infáncia, organizando a sociedade na dialéctica anglosaxona de ‘winners’ e ‘losers’. A rivalidade desportiva e académica serviria como primeiro ensaio dumha luita de todos contra todos que se exercitará mais tarde no mundo laboral. Capitalistas e quadros contra assalariadas de base e, infelizmente, assalariadas contra assalariadas.

Anormalidade normalizada

O psicoanalista francês Cristophe Dejours utilizou o termo ‘normópatas’ -e nom ‘psicópatas’- para qualificar essas pessoas que assumem religiosamente as normas vigorantes numha sociedade, aplicando-as com todo rigor, e sem se perguntarem o que tenhem de bom ou de mau. A sua predomináncia extendeu o chamado ‘neomanagement’ ou liderança tóxica. Trata-se dumha dirigência empresarial, contagiada aos trabalhadores e trabalhadoras, convencida de que ‘apenas os paranoicos sobrevivem’. Por isso o ocultamento de informaçom, o estabelecimento de relaçons em chaves de cálculo custes-benefícios e a opacidade emocional virárom hegemónicos na empresa privada e na administraçom. Há treze anos, o Informe Cisneros VI (elaborado para analisar a violência no entorno laboral) desvendava que umha cantidade muito elevada de quadros dirigentes do capitalismo padeciam o ‘sindrome do burn-out’ por exercerem ou aturarem (ou possivelmente ambas cousas) formas de liderança agressiva e inumana. Se no comum do mundo empresarial um 6% de mandos intermédios padeciam algum tipo de patologia relacionada com a excessiva pressom, a cantidade ascendia ao 25% em finanças, consultoria e administraçons públicas. Piñuel acha neste ambiente laboral a explicaçom de outros fenómenos conhecidos na nossa sociedade, como a canseira crónica, os padecimentos psicosomáticos, e mesmo o número de divórcios. Se umha de cada duas parelhas se separam, afirma o investigador, isso explica-se porque o ambiente infernal do centro de trabalho acaba por deteriorar o lar.

Capitalismo filantrópico

No seu livro ‘Mi jefe es un psicópata’, Iñaki Piñuel recorre a umha cita evangélica: ‘nom se pode servir Deus e Mammon (o dinheiro) ao mesmo tempo’. Som palavras do apostolado de Mateu, e trazem à tona a impossível conciliaçom dos valores morais e a procura do lucro. É possível tal equilíbrio? Piñuel e outros quadros do capitalismo filantrópico assim o crem, apostando numha liderança ‘baseada na confiança’, mais aberta à dimensom emocional, e com um pensamento de longo prazo.

A evoluçom do mundo laboral nos últimos anos parece desmenti-lo. Como aconteceu com a classe obreira em quatro décadas de retrocesso, também agora a dirigência e o capitalismo parecem sofrer umha ‘corrosom do carácter’. Quer os livros de auto-ajuda, quer os estudos a prol do livre mercado mais humanizado esquecem deliberadamente qualquer opçom de superar o problema através da acçom colectiva e a velha moral solidária.