A antiga Galiza Livre publicou-me este texto fai agora sete anos, em Setembro de 2012. Quando Feijoo figera o seu terceiro anos de governo, o nacionalismo institucional esgaçara em duas ponlas e a repressom contra o independentismo estava no seu apogeu. Coa intençom de que se conserve nesta nova fase do nosso meio e de contrastar o que se mantivo, o que mudou e o cumprimento do que se anunciou ou nom daquela, resgato-o hoje.

 I 

Os telhados caem a anacos. Sento na curota do outeiro e enxergo a decadência de sete, oito casas aldeás. Perto da estradinha esfarangulhada que leva à cabeça do município, outras moradas, mistura de estéticas alpinas e coloridas modas neo-tropicais, falam ainda da presença humana ocasional e estacionária. As portas de todas elas ficam bem fechadas. Nom se sentem cans nem micos na aldeia montessia, sinal inequívoco da ausência de habitantes permanentes.  

Há só quinze anos, na esplanada comesta dos tojos que delimitam três carvalhos alô em baixo, ainda centos de sombras bambeavam ao som metálico dumha orquestra. Aos proprietários ausentes das piscinas e das moas de moinho dispostas como mesas de jardim havia-lhes cumprir grande esforço para darem lembrado que esse penedo, que sobranceia por trás do velho palco, era chamado Laje dos Mouros daquela. Resultaria umha angueira ainda mais complicada que reproduzissem os eixos fundamentais da lenda que vencelhava essa pedra, inçada de gravuras circulares, co castro que coroa o outeiro de onda a igreja. Ao fitá-lo um nom pode evitar que o pensamento escoe polos séculos. Os restos da aldeia decadente da actualidade agomaram pola sua vez daquela fortificaçom esbroada no alto. Roma seguiu aqui literalmente o preceito imperialista que marca a destruiçom das formas de produçom autóctones e a geraçom de dependências do novo poder de fora . Aqueles nossos antergos, atrincheirados e guerreiros, acabárom por deslocar as casopas das muradelhas até os próprios eidos e ervais das villae. Às ocupaçons, para serem efectivas, cumpre-lhes rachar toda possibilidade de autarquia dentro do seu domínio. Pola mesma, precisam da assunçom dum marco de valores que permita o assentamento do seu poder e o seu desenvolvimento ordinário. É de supor que os méritos “bélicos” dos ladrons de gado, seguramente fundamentais na imago do guerreiro galaico pré-romano, logo haviam dar passo à preponderância da possessom de moedas como marcador de status social.


II 

Dous corvos croajam do alto da capela sem sino como vozes de deuses esquecidos num cemitério pagao. Alá vam dous mil e pico anos e as transformaçons e mudanças de todo quanto poder se impujo nesta terra e ainda assim a gente ficou agarrada ao outeiro do velho castro… até hoje. Avondárom trinta anos para esborranchar a constelaçom de comunidades que salferiam o rural galego. A rede milhenta que ratificara a Divisio Teodomiri há quinze séculos derrubou-se sob a gadoupa do neoliberalismo espanhol. Conseguiu-se o que ninguém antes alcançara, nem romanos, nem suevos, nem normandos… ermar a metade do país. Mais que isso, fender a cadeia de transmissom milenária que nos unia ao território. Cada aldeia morta como a que jaz diante minha som centos de nomes de terras, regatos e fragas, de outeiros, penedos e mámoas que nunca havemos dar resgatado. Nomes que assinalam a antiguidade da estadia da nossa estirpe neste lugar, que fôrom pronunciados invariavelmente durante dúzias de séculos. Quanda eles, sepultadas na furna da desmemória, os saberes que passárom como ouro em pano de pais a filhos, o segredo da nossa supervivência e da adaptaçom total ao território: quando há lua para realizar tal tarefa, como vai mudar o tempo segundo o sol-pôr, que leiras som melhores para tais cousas…  

As análises do nacionalismo galego nunca fôrom tam certeiras como na avaliaçom da fase que se estava a encetar a mediados dos oitenta. O Estado Espanhol integrou-se na Uniom Europeia mediante o pagamento de várias portagens mas umha resulta evidente: a economia produtiva dos territórios ao Noroeste. Os investimentos de todo tipo de recursos, sobre todo humanos, que a Galiza realizara para a adaptaçom à produçom capitalista fôrom guindados ao lixo sem dó polo Estado Espanhol. Mais de 40.000 exploraçons gandeiras fechadas e a populaçom dedicada à agricultura e à pesca que ficou reduzida dum 40 a um 8%  nestas últimas três décadas. Assemade, os empregos na indústria e na construçom que, pola vez dum esperável crescimento mercê à nova etapa de “modernidade”, até descérom do 27 ao 25%. E é que as  reconversons navais dos oitenta já deixaram bem claro que Espanha nom nos permitia produzir barcos e o cataclísmico estado actual da indústria confirma que a nossa manufactura nom lhes é grata aos oligarcas hispanos e europeus.  Qualquer alheio que conhecesse estes dados acharia que o país padeceu um andaço terrível, um desastre natural ou qualquer outra desgraça catastrófica. Mas apenas consistiu na posta em prática do desenho de progresso que Espanha lhe assinou à nossa Terra.


III 

Um enorme cartaz verde marca a pertença da aldeia desértica ao senhorio de Louzán, xerife provincial do condado Narcomano. Rivalizando com ele em vistosidade, as cores sanguentas da bandeira espanhola cintilam onda a fontinha num painel do Plan E. Contra a igreja, coa tipologia e os azuis calcados dos do partido no governo, um outro letreiro assinado pola Junta auto-anémica. Por último, no garigolo do ómnibus inexistente para a vizinhança inexistente, o orgulhoso nome do concelho inventado há cento e tantos anos por ordem de Madrid. Este excesso institucional e propagandístico indica a estratégia que os nossos donos adoptárom para nos adoçar o transo de morte económica e identitária. A sobrecarga institucional que se dá na Galiza tivo umha funçom fulcral a partir dos noventa: dar conta da imensa perda de emprego que supunha a renovaçom do nosso papel subalterno na história. O desenvolvimento de todo o aparato administrativo autonómico, especialmente com Fraga, poupou o impacto da destruiçom da nossa economia produtiva. Foi o tempo em que os filhos dos labregos e dos soldadores pré-jubilados se esforçavam em estudar para aceder à sonhada praça pública, a segurança e a estabilidade laboral que o progresso espanhol nos oferecia.  A borbulha imobiliária contribuiu a que a administraçom municipal se somasse ao modelo, concelhos minúsculos como este, com quadros de pessoal multitudinários, evidenciam hoje o processo. Para completarem a cena, eis as inefáveis deputaçons.  

Arredor deste despregue da administraçom pública, fôrom tamém nascendo empresas  e entes similares que reiteravam ou ocupavam as funçons dessa mesma administraçom, decote através de privatizaçons grotescas. Era a imediata aplicaçom do dogma neoliberal a umha administraçom acabada de nascer como quem di. Nom deixa de ter certa graça amarga a ledícia com que alguns enchiam a boca ao falarem da alça no número de empresas sabedores de que, em grande parte, apenas eram fábricas de fume improdutivo, sanguessugas que só empioravam o serviço público e as condiçons laborais dos trabalhadores. Esta centralidade das instituiçons espanholas (a autonomia é justamente isso, mal que lhes pese a alguns) na geraçom social de riqueza fijo com que a corrupçom e o tráfico de influências, já inerentes às estruturas do Estado Espanhol na Galiza, atingissem quotas estratosféricas. A submissom da obra pública aos interesses das grandes construtoras (Cidade da Cultura, AVE…) adoito forâneas e ligadas aos mesmos partidos e cargos políticos do regime, e a subordinaçom a ela do resto do gasto da administraçom som o seu exemplo mais claro.  

Pálida, esmacelada pola choiva, desde as paredes do garigolo axeja umha faciana sorridente. É um outro cartaz, esta vez eleitoral, que de contado me fai lembrar aquela cançom de Xenreira: “…o gris que envolve todo,/ só vejo destruiçom./ Miro nas paredes,/ vota para mim…” Velaí a chave de abóbada de toda esta trangalhada. Se na Galiza actuassem os observadores internacionais que fiscalizam as impolutas eleiçons bolivianas, nom deveria tardar umha intervençom da ONU. Numha sociedade com um conflito identitário estreitamente amecido co de classes e umha populaçom maioritariamente vinculada aos meios de produçom, o acesso das camadas populares à educaçom superior que se consolidou neste anos e, conseqüentemente,  à informaçom e às ferramentas de análise antes privativas da elite intermediária, enxergava-se incendiário. Por isso a terciarizaçom do trabalho foi fundamental tamém para garantir o controlo social na Galiza. Se a principal saída laboral para a mocidade é a da administraçom pública e esta se encontra abduzida polas elites políticas tradicionais, caciques e sipaios maioritariamente provenientes do franquismo,  nom custa deduzir as conseqüências. Embora na administraçom autonómica e estatal as canfurnadas nas oposiçons fossem aparentemente mais medidas e discretas que nos paradigmáticos municípios e deputaçons, a rede de dependências políticas fortaleceu-se doutro jeito. Toda a galáxia de fundaçons e empresas de serviços directamente vinculada à administraçom e aos cacicados intermediários  cumpriu ainda mais eficazmente esse objectivo. 


IV

Umha furgalha do trinque percorre a estrada retorta que meio se agocha trás a matogueira das veigas a monte no fondal do val. Pola pinta há de ser o edil que a deputaçom contratou para nom exibir outra dedicaçom exclusiva no concelho. Um fiel lacaio de estômago cheio que percorre o município repartindo recados e promessas. Acode-me à mente a palavra espanhola “esbirro” e,  além dos catarros, desde a minha infância abrolham ecos descoloridos dumha banda desenhada do Capitán Trueno com um inesquecível cheiro a reseso. Os corvos abandonam o campanário estrondosamente, alporiçados pola inesperada irrupçom do caciquinho motorizado. Sinto a soidade toda do lugar com mais força que nunca. A presença do servote evidencia a ausência do resto de humanidade. E é que fomos ficando sós, os caciques a Terra e mais nós. Outro dos efeitos de reduzir as possibilidades de emprego à entrada na administraçom pública ou à sua órbita, dominadas de vez polos de sempre, foi a exclusom dos elementos críticos ou perturbadores. O êxodo para as capitais de concelho e para as cidades da franja Ocidental, preludiou a autêntica enxurrada migratória da etapa imediatamente anterior à crise actual. 515.000 moças e moços galegos fôrom contratados noutros pontos do Estado Espanhol de 2.000 a 2008. De lhe somarmos a esta cifra os outros emigrantes para além dos lindes do reino borbónico, a situaçom adquire traços escatológicos.  Já ora que nengum desses jovens que partírom tivo “enchufe” no concelho, na deputaçom ou em tal empresa pública controlada por tal mafia institucional. Esses, os que gozárom do favor caciquil, bem que ficárom submissamente assentados aqui para maior glória pseudo-democrática dos proprietários da nossa Terra. Agora que o espanholismo anda a inventar exilados bascos para tentar o “pucheirazo” nas autonómicas dumha parte daquele país, cumpre lembrarmos a autêntica peneira de mocidade nom domesticada levada a cabo na nossa naçom. O novo dinamismo cultural nas comunidades emigrantes galegas já estabelecidas e o xurdimento de redes de acolhida noutros destinos deixam-nos enxergar a quem se estava condenando a partir. Maioritariamente, mocidade rural, galego-falante e nom integrada nas redes clientelares. Pola mesma,  a metade dos licenciados universitários. Voltou o “iste vaise e aquil vaise” para já rebordar as tabelas migratórias coa crise económica do presente.  Dum chimpo, desço polo magalom até o pé da casa mais próxima. Caem as primeiras pingas dum céu prenhe de balhons.

Pouso o corpo num maçadoiro abeirado da água por um coberto escalaçado e, ao encostar, alouminho as pedras rugosas da parede. De frente, a douscentos metros, ergue-se o cimento pintado de rosa dum chalé alpino rexamente defendido por um circo de sebe. Como demo pudo alguém trocar a firmeza centenária destes muros de granito por aqueles pendelhos faxeiros?  Ainda pior, os filhos da aldeia amontoárom-se em caixas de mistos, quer nos alfozes das cidades, quer nas vilas formigonadas. A borbulha imobiliária pujo o ramo à sangria do rural galego.  Crescérom as cabeças comarcais de carom do despovoamento das aldeias da contorna. No colmo do paradoxo, o discurso hegemónico guiou para moreias de celas de cimento os herdeiros das largacias moradas resistentes aos séculos. Quando nos diziam que a aldeia estava longe de todo, esse todo era a dependência consumista à que nos queriam anoar. Resulta-me impossível nom lembrar a satisfaçom dos alcaides dalgumhas capitais de bisbarra ao anunciarem o incremento demográfico dos seus concelhos. Umha vez perguntei-lhe a um, disque nacionalista, se nom se decatava de que era a mesma gente dos vizinhos municípios rurais a fonte da sua bonança demográfica. Sorriu como um cativo avarento e encolheu-se de ombreiros. Visom de país.


V

Um insecto de aspecto desagradável agatunha por umha tábua procurando tamém ele resguardar-se da choivada. Fito o progresso vagaroso e incansável do bicho. No celme da minha mente emerge um nome, “cadela de frade”. Às vezes saem-me de alá do fundo, sem que a consciência tenha notícia fresca deles e oferecem interessantes possibilidades de reflexom metalingüística. Deseguido vejo a minha avó, cabo da cozinha de ferro, prevenindo das potenciais ameaças do monstro miniaturizado a um eu meninho. Qual seria a forma do nosso riquíssimo idioma que os habitantes deste lugar empregariam para identificar este animalinho? O extermínio em profundidade da nossa língua nesta fase monárquico-autonómica do regime, indisfarçável mesmo para as estatísticas oficiais, tem um vínculo óbvio coa destruiçom  do rural e co papel ao que foi relegado o povo galego nesta etapa. O deslocamento de populaçom monolíngüe no nosso idioma para áreas onde existe historicamente mais hostilidade ao uso do galego joga obviamente em contra do que se tem que integrar. Dérom onde mais lhe dói à nossa aleixada identidade colectiva. O galego é a nossa marca de negritude, o sinal mais vergonhante da subalternidade do “Nós” identificador frente às outras comunidades humanas do planeta. A relaçom que mantemos co idioma que nos é próprio delata a concepçom que temos de nós mesmos como colectividade. Tanto tem a língua que empreguemos à hora de sermos vítimas dos valores hegemónicos do chauvinismo espanhol. Os galegos espanhol-falantes mantenhem a referencialidade da nossa língua, a de seus pais ou avós ou parentes ou vizinhos, quando som assinalados de jeito racista e burlesco como galegos ou demasiado galegos. Mália os esforços por dissimularem a escuridade da pele e alisarem o cabelo, os pretos americanos seguiam a ser tam negros para o discurso hegemónico como os que levavam penteado afro, se quadra mais. Abofé que camuflar a identidade lingüística resulta mais doado que transformar o próprio  corpo. Porém, é desejável a abominaçom de até o derradeiro traço que nos é natural, ao virmos de quem vimos e sermos de onde somos, simplesmente por nom quadrarem co cânone étnico dum poder forâneo? É próprio de gente sá, de cidadaos livres, o intento desesperado por arremedar sotaques, giros, onomatopeas doutro território para além de estar já instalados na língua de fora? Esse caminho nom tem cabo, quando através do esforço se desse reproduzido cada jeito, cada vacilaçom cadenciosa ou cada reacçom espontánea do referente estrangeiro até dar-lhe um novo significado à existência in-autêntica que descreveu o názi Heidegger, sempre havia aparecer algo que estigmatizasse o angustiado clon para justificar a sua inferioridade.    

A teima por ascender na escala social mediante a imitaçom do modelo colonizador e a repressom do próprio contrapom-se à auto-aceitaçom e à auto-responsabilizaçom, imprescindíveis para que os súbditos se virem cidadaos, para a democracia verdadeira. Igualmente, a identificaçom do idioma nacional coas classes baixas, fruito dumha história de dependência e substituiçom de hierarquias próprias por alheias, evidencia como se concreta a luita de classes no nosso país. O trabalhador galego sofre umha dupla opressom, como trabalhador e como galego, tam próximas entre si que se voltam inseparáveis na dialéctica do quotidiano. A sua identidade diferenciada frente à espanhola caracteriza-o negativamente face às classes mais assimiladas que se correspondem coas mais elevadas segundo a visom social hegemónica (que nom necessariamente realista).  

Toda análise pretensamente progressista que prescinda desta realidade condena-se invariavelmente ao reaccionarismo porque contribui a ofuscar a visom das contradiçons sociais e a perpetuar o alheamento. Por isso nom é possível a existência dumha esquerda que nom seja de única obediência galega no nosso país.  Os apelos à solidariedade internacionalista co fim de integrar as luitas galegas em marcos unitários estatais, para além dos lógicos apoios pontuais, esquecem a mao-tente a impossibilidade de autêntica solidariedade quando persistem relaçons de submetimento secular em que nós desempenhamos um papel de periferia. Para a existência de solidariedade tem-se que dar possibilidade de decisom livre, inconcebível sem essa auto-aceitaçom e a auto-reponsabilizaçom individual e colectiva. Qualquer outra via resulta numha interferência estranha que só reforça a inércia da nossa subalternidade, e assim o sistema, através da legitimaçom práctica das suas estruturas políticas unitárias. Quer dizer, é um caminho que nos apailana  ainda mais mália os votos de autodeterminismo de goma que puder realizar, as palavras som de balde, os feitos nom. Em analogia co acomplexado lingüístico que se fascina co idioma impróprio que o discurso hegemónico lhe adscreve e aborrece o herdado, o paifoquismo de “esquerda” abraia coas luzes e cores do de fora, do central, do que nom somos nós, atrasados indígenas, senom ourilocente metrópole ideológica “branca”, afastada e poderosamente elegante na luita contra a injustiça céntrica. Longe de partir da própria realidade para alcançar conclusons racionais e ajeitadas, emprega a conclusom que o teórico “branco” elaborou na distância e aplica-a mecanicamente. O que nom quadre, nom importa, é defeito da nossa “negrura” nativa, e toda aportaçom alheia às quatro paredes estatais deve passar polo filtro capitalino. O paifoquismo de “esquerda” é o principal fornecedor de  sucursalistas messiânicos no nosso país. Adquirem a patente além do Berço e ajudam a trabar o labor de auto-organizaçom e auto-gestom do nosso povo coa sua libertaçom enlatada e dogmática de quatro pesos. Por eles, a ideologia vira-se produto, pose plástica e existencial homologável que o capitalismo oferece para descarregar frustraçons de forma inócua e sectária. Contodo, é a “esquerda” espanhola sistémica, a que promoveu esta constituiçom renovadora do estado franquista, a tradicional gestora deste cosmo-pailanismo esquerdoso no nosso país, nas suas duas modalidades, light e heavy. O oportunismo que caracterizou ambas nos últimos trinta anos, os pactos do nacionalismo institucionalista com ela (“Um Anel para todos traer e na escuridade aprisioná-los”), a rede de influências paralela à da direita e o amarelismo das  vertentes sindicais descobrem-nos a sua faciana verdadeira. E é que o papel das “esquerdas” metropolitanas em casos de conflito nacional é paradigmático do que Lenine já chamara social-chauvinismo. Igual que o dos seus secuaces na periferia o é da epidermizaçom da inferioridade da que falava Fanon. Um exemplo disto forneceu-no-lo, há pouco, a cabeça visível de Izquierda Unida na Galiza: “Por riba da questom nacional, está o problema de classe”. Tam pronto fechou a boquinha, umha miríada de marxistas agitárom violentamente as asas desde o além comunista. Connolly, Mariátegui, Sartre, Hovxa, Mao, Ho-Chi-Ming, Neto ou o Ché Guevara haviam acirrar no Reboiras e no Joám Jesus  para que voltassem retrucar a infâmia respaldados por milhons de mártires cubanos, angolanos, chineses, vietnamitas, irlandeses, nicaraguanos, albaneses, mexicanos… que nunca percebérom essa contradiçom assinalada pola eurocomunista. Se calhar, o que cumpre interpretarmos-lhe é que a questom nacional, Galiza, deve estar por baixo da classe em abstracto que ela só concebe a nível estatal, a sua Espanha. De todas as maneiras, andar a falar nestes termos, quando a esquerda internacional debate sobre a pluralidade de sujeitos e as formas para a sua integraçom operativa e democrática ou quando a única esquerda que oferece resultados tangíveis, a latinoamericana, alicerça o seu sucesso na defesa da soberania nacional… vaia por Deus!

  
VI     

Os refachos abalam as pingueiras e com Latinoamérica ainda nos beiços da mente, acode-me umha melodia à lembrança. Xulio Formoso pugera voz ao primeiro disco integramente em galego editado depois da ascensom do fascismo espanhol. Foi em Venezuela e trás dele tamém se encontravam Celso Emílio e Farruco Sesto. O sotaque caribenho senta-lhe bem ao nosso maltratado idioma quando nele se pronunciam palavras de dignidade. “Vem, vem, um vento vem…” parece cantarujar o retrouso no ritmo das goteiras.  Esse país fijo-me, entre muitíssimas outras,  umha descoberta especialmente  interessante. Acabava de conhecer a realidade dos Consejos Comunales e abraiei por atopar ali encarnado o que umha parte de nós intúe  instintivamente desde quase sempre. Umha instituiçom apegada à gente, assemblear, comunal à que o Estado cede um orçamento que é administrado directamente pola junta de vizinhos e que possui capacidade de veto sobre qualquer política que se lhe pretenda aplicar ao seu espaço. Sim, é umha música mui semelhante à das comunidades zapatistas ou ao das experiências piqueteras, porém havia algo ainda mais familiar nela. Foi um dos veteranos da colectividade galega em Caracas o que traçou a relaçom. Muitos dos referentes da esquerda revolucionária venezuelana eram galegos ou filhos de galegos, o seu desenvolvimento ideológico construía-se sobre o ADN das experiências das comunidades galegas emigradas em que cresceram. Nelas, a auto-gestom, a democracia participativa e o comunitarismo constituíam as características principais. Mas nom consistia num posicionamento ideológico dos emigrantes e exilados, nom supunha que fossem todos libertários ou comunistas, mais bem ao contrário, a despolitizaçom era maioritária. O que acontecia era que o nosso povo, para sobreviver num contexto estranho, reproduzia as suas instituiçons ancestrais de sucesso,  as propriedades comunais, a solidariedade no trabalho e nas colheitas, a gestom democrática  baseada no esquema umha casa um voto (masculino ou feminino)… É este tipo de democracia real e comunitária, de instituiçom independente de qualquer poder alheio à vontade dos vizinhos, a que nos permitiu resistir o passo de todo quanto poder de estragaçom depredou a nossa Terra ao longo do tempo. A colonizaçom, ainda  recente, dessas estruturas por parte do organigrama arborescente das mafias partidistas indica a sua relevância para o controlo ou descontrolo social. A destruiçom dos nossos sectores produtivos e o conseqüente despovoamento levam aparelhados a desapariçom destas instituiçons nativas e alegais. Mas a sua efectividade secular para a resistência e a supervivência aos poderes alófilos à comunidade marca umha referência na nossa identidade.  É a mesma esencia que herdárom as associaçons vizinhais que proliferam nos bairros das cidades galegas. Quando o urbaníssimo 15-M decide abraçar na Galiza o trabalho assemblear e de bairro, o seu sucesso depende directamente do apelo a essa figura tradicional do inconsciente colectivo galego, a democracia dos de abaixo. Nom é umha característica exclusiva da enxebreza galaica, é um resto das sociedades precapitalistas, a democracia bárbara como lhe chamara o pensador argentino Alberdi. A nossa entrada tardia no sistema de mercado favoreceu a sua conservaçom até ficar imprimida na identidade comum. Esta democracia dos de abaixo sempre se contrapujo à política dos de arriba, percebida como um poder alheio. Cos políticos, cumpria pactar, dar-lhe o que queriam, poder numhas instituiçons artificiais, ao cabo estrangeiras, e exigir em troca, além de respeito distante, bens para a paróquia, a instituiçom natural.  

A articulaçom populacional da Galiza, espalhada em pequenos núcleos, é a mais funcional para o aproveitamento deste país. A umha terra ateigada de pequenos vales engadem-se-lhe os milénios da nossa longal ocupaçom humana ininterrompida e dá na dispersom demográfica tam depauperada polo discurso espanholista. A teima que o imperialismo espanhol mantivo coa destruiçom do nosso armaçom territorial histórico, esse achanzar a Galiza para a semelhar a Castela que dizia Castelao, é sintomática da sua perigosidade para ele. Cumprírom concelhos e províncias para inçá-los de caciques que garantissem o domínio espanhol sobre umha populaçom fortificada em paróquias e feiras comarcais. Esta hostilidade contra as nossas instituiçons ancestrais só é comparável ao ataque à língua e assinala, precisamente, quais som os eixos mais preocupantes para o capitalismo espanhol quanto à especificidade galaica. Justamente os pontos em que cumpre cimentar a nossa defesa.  

A crise económica, que está a justificar o esfarelamento do chamado Estado do Benestar, deixa à luz as vergonhas do regime monárquico-autonómico no nosso país. Após megulhar-nos velozmente no neoliberalismo e quase espir-nos de qualquer possibilidade de auto-abastecimento coa “estampita” da administraçom pública, os créditos  e o turismo, todo se esmigalhou de súpeto. A nossa dependência económica é insólita na  história da naçom e as suas conseqüências som cada dia mais evidentes. A promessa do trabalho público e  de prosperidade darredor das empresas de serviços esnaquizou-se e com ela os projectos vitais de várias geraçons. Todo era fume, um engano para que abandonássemos os nossos redutos imemoriais e nos expugéssemos ao ventimpério do capital. A estabilidade social que garante umha ampla percentagem de trabalhadores públicos periga tamém agora que o neoliberalismo recolhe a rede lançada. Alá vai ir a segurança do funcionariado e a invulnerabilidade das pensons que suavizárom os protestos dos últimos anos! No futuro só se enxerga incerteza e presentimentos escuros cabo dum induvitável aumento da repressom, isso é o que tem Espanha para oferecer nesta sua decadência final. 

O descrédito das instituiçons espanholas na Galiza, o maior da história, fai prever umha abstençom ainda mais alta do que a tradicional na nossa terra. Com ser desejável umha mudança de governo autonómico que amoleça os golpes aos que fomos condenados irremissivelmente dentro deste sistema, é perceptível socialmente o convencimento da inutilidade real da política institucional. Se calhar, a maior virtualidade do câmbio na Junta é a oposiçom entre governo autonómico e espanhol, um contexto favorável à extensom dum discurso rebelde e à visualizaçom dumha alternativa real ao regime. A única Galiza possível é a que se liberta da legislaçom e os acordos cos que o Estado Espanhol nos impede explorar e produzir desde a nossa própria riqueza e trabalho. A única saída que temos como comunidade é a nossa auto-aceitaçom e a nossa  re-construçom democrática e económica sem ataduras,  um re-encontro com nós próprios na língua que nos achega ao Brasil emergente e a toda a lusofonia.  Para isso, frente a umha concepçom marginalista e serodiamente post-moderna da luita social, cumpre-nos um referente nacional que faga visível um modelo possível e oposto ao neoliberalismo espanhol, umha bandeira que nos identifique e que agrupe todas as luitas e construçons concretas  além do espectro partidista. Umha palavra de ordem, um cartafol de futuro que vaiamos enchendo a partes iguais, umha República Galega descentralizada mas unificada à hora de practicar a defesa por todos os meios da sua afirmaçom face à realidade hegemónica espanhola. É preciso darmos-lhe um horizonte unánime de conquista colectiva a todas as construçons de base para que transcendam o resistencialismo e o pesimismo panglossiano. Cumpre construirmos e cubrir todas as nossas necessidades, desde um mercado nacional paralelo até umha rede asistencial ou mediática livre,  fazendo que se visualice o corpo dessa nova sociedade democrática e justa em pulsom. Outramente, frente à visom vanguardista e eleitoraleira das elites partidistas, cumprem horizontalidade e democracia participativa num poder popular construído desde os alicerces territoriais da nossa própria identidade, quer restaurando-os quer inspirando-se neles. Dumha perspectiva coerentemente independentista e anti-capitalista, a única acçom institucional útil é a que entrega a decisom à participaçom aberta e cidadá em assembleias paroquiais e de bairro, a que transgride a lei na defesa do seu povo para demonstrar a sua injustiça, a que renúncia à figura privilegiada do político profissional para evidenciar a podremia deste sistema de representaçom, a que tem o combate ideológico através do feito concreto como fim prioritário, a que perturba a paz e a normalidade caciquil, a que denúncia a perseguiçom política do regime começando polo seqüestro dos nossos presos independentistas. A única política institucional útil é logo a que procura a destruiçom dessas mesmas instituiçons em favor dum poder popular galego forte, a que porta o anel do poder institucional para o eliminar e resiste a falsa esperança de utilizá-lo contra o seu verdadeiro dono  criador. Bençoado Tolkien!


VII 

Arraiou, ergo e boto a andar ainda cavilando em Sauron, Saruman e a tentaçom de Boromir. Mália a imagem deteriorada do mundo Tolkiniano na cultura de massas, a genialidade de vestir tam brilhantemente os arquétipos da luita cristá entre a luz e as trevas facilita a identificaçom coas suas imagens.  A saudade polo rural pré-industrializado da  infância do autor percorre a sua obra e enchoupa-a dum rancor preclaro contra o industrialismo capitalista. Ultimamente, há umha frase sua que me anda a batucar decote nos miolos.  Para resumir todo o seu magno Senhor dos Anéis, a jeito dos anais de Cámbria ou das crónicas medievais que tanto amava, escreveu o velho professor: “Pois, como muitos versos cantárom desde aquela, fôrom os Periannath (os hobbits), os Pequenos, habitantes de encostas de outeiros e agros, os que trouxérom a libertaçom.”  

Guindo umha última olhada à desolaçom da aldeia assassinada e conforto-me co pensamento cativo de que, a diferença destas e como desde há centúrias,  ainda há gente na casa dos meus, alá para onde dirijo as alancadas.