No momento em que se escreve este artigo, 151 refugiados sobrevivem num barco habilitado pola ONG Open Arms no médio do Mediterráneo, ante a negativa de todos os Estados europeus de brindarem um porto seguro para o que consideram cidadaos de segunda ou, directamente, nom cidadaos. Pedro Sánchez, um dos líderes que bloca um trato digno para as imigrantes, manifestava há nom tanto tempo na sua conta de twitter : ‘o governo de Rajoy deve de comprometer-se já a atender o barco de Open Arms e comprometer-se com umha política de cooperaçom digna e humanitária’. E se no início da legislatura o PSOE decidia acolher mais de 600 pessoas expatriadas do buque Aquárius, agora alinha com as teses duras da direita extrema. Mais umha prova de que um novo fascismo marca a agenda na Europa e condiciona os comportamentos de todo o arco institucional.
A Uniom Europeia carece, em matéria de emigraçom e acolhida, de política comum, que brilha pola sua ausência em muitas outras áreas. A alegada toleráncia de vários países com vagas de refugiados desde o ano 2015 serviu à extrema direita para rearmar o seu discurso, nutrindo as suas fileiras do desarraigo e o ódio que medra nas conurbaçons europeias. Desde que a crise grega disparara até o impensável o neonazismo, que acadara espaço eleitoral, um fascismo subterráneo volta ao espaço público.
A extrema direita que segue de maneira aberta o ideário dos seus devanceiros nazi-fascistas está muito presente nas instituiçons. Se, em nome da exactitude, descartamos da classificaçom a direita ultra mais vergonzante ou camaleónica, que só em ocasions reconhece as suas origens (caso do Partido Popular e o seu verniz ‘centrista’) concluiremos que os ultras estám presentes em 18 parlamentos europeus. Desde 2005, os seus votos multiplicárom-se por três, e os lugares comuns do seu discurso (racialismo, ira, soberania estatalista) atingem minorias significativas da populaçom.
Arrepio na Alemanha
O discurso oficial da mída congratula-se nos últimos lustros do ‘fim do terrorismo autóctone’ na Europa, em alusom ao devalar das organizaçons guerrilheiras de matriz independentista, comunista ou anarquista que actuavam no nosso contorno. Na sua narrativa há um oco que delata: a presença do assassinato político com inspiraçom neonazista. Na Alemanha, a organizaçom Célula Nacionalsocialista Clandestina rematou com a vida de 9 pessoas neste século, baixo umha suspeitosa ‘total desorientaçom’ dos serviços segredos alemáns. Desarticulado este grupo, a Alemanha sobressaltava-se com a morte a tiros de Walter Lubcke, um político cristao democrata favorável à imigraçom. O nazista que o matou ‘nom actuou só’, segundo manifestárom à imprensa fontes policiais germanas.
O nazismo conspirador e violento representa umha minoria pouco transcendente na Alemanha. É, porém, a versom mais beligerante dum fenómeno de massas que muita gente considerava desaparecido na história. Em 2017, Aliança por Alemanha irrompia no Budestag com 92 escanos e o 12% dos votos. Como os seus colegas gregos, os identitários alemáns medrárom com um discurso anti-euro a partir de 2013, para atingirem votantes procedentes do liberalismo desencantado. É certo que o partido recebeu resposta massiva na rua, como a convocada pola esquerda com a legenda ‘Nós somos mais’, que mobilizou 20000 pessoas em Chemniz há um ano. A mobilizaçom reflexa o desacougo de parte da cidadania ante a volta às ruas da simbologia nazi, por vezes em actos violentos, ou da emergência do movimento Pegida, que organiza desfiles semanais ‘contra a islamizaçom da Europa.’
Anticomunismo no Leste
A equiparaçom de fascismo e comunismo baixo a categoria de ‘regimes totalitários’ foi um produto da inteligência occidental da guerra fria. Hoje, esta fórmula serve de pretexto para a extrema direita, na sua tentativa de banir toda organizaçom da esquerda obreira na Europa do Leste. Na Ucraína, a ‘Lei sobre a condena dos regimes totalitários’ permitiu em 2015 a ilegalizaçom de facto dos três partidos comunistas do país. Assim, o Partido Comunista da Ucraína, o Partido Comunista Renovado e o Partido Comunista dos Trabalhadores e Camponeses tenhem proibido concorrer às eleiçons. Semelhantes medidas legislativas tenhem permitido eliminar do país toda simbologia soviética, e legalizar todas as organizaçons civis e paramilitares que luitaram contra a URSS na IIª Guerra Mundial, incluídas as nazistas.
Tendências semelhantes detectam-se em outros países do centro e leste europeu. Na Polónia, há dez meses, o governo direitista de Lei e Justiça convocou na capital 200000 pessoas em comemoraçom do centenário da independência. Na marcha tivérom um espaço de privilégio as organizaçons ultras que, com a legenda ‘Deus, honor e pátria’, fôrom secundadas por fascistas chegados da Itália, Eslováquia ou Hungria. E precisamente no país magiar, o partido ultra Fidesz, de Viktor Orban, soma o 40 % dos votos e resiste três legislaturas, ante as vozes de alarma da esquerda. Ainda numha versom mais extrema, a organizaçom Jubbik (‘Por umha Hungria melhor’) chama abertamente a brigadas cidadás de ‘limpeza’ de imigrantes e protecçom das fronteiras. O governo aprovou mesmo umha lei em 2018 que permite condenar com um ano de prisom que ajudar imigrantes ou refugiados em situaçom irregular.
Antifascismo em crise
No leste europeu, a consigna occidental do ‘todo vale’ serviu para potenciar a extrema direita no combate ao socialismo, e os resultados som hoje bem visíveis. Mas a tendência ultra é palpável também em países com umha séria tradiçom antifascista, e em cujo desenho constitucional participou o movimento obreiro de posguerra. Itália é o grande exemplo e mesmo Portugal, ‘país dos brandos costumes’ que se gava de tranquilidade e harmonia, nom é alheio ao problema. Recentemente, umha reportagem de ‘Visao’ relatava que a reorganizaçom de grupos ‘identitários’ acelerara-se nos últimos anos, com certa presença em corpos militares e policiais.
Na Itália, o desafio é seríssimo. Partidos ultras como Casa Pound ou Forza Nuova nom chegam ao 1 % do eleitorado, mas os ecos do discurso racista condicionam a conduta dos grandes partidos e conformam o grande populismo reaccionário. Assim se explica também o fenómeno Mateo Salvini, o líder liguista que cita sentenças de Mussolini e, com o 34 % dos votos, é político mais apoiado do país. 75 anos depois da vitória militar contra o fascismo, volviam-se a ouvir frases apologéticas do ditador. E enquanto a direita identitária se moderniza em redes sociais e marketing político, cuidando muito a promoçom aberta do ‘quadrilhismo’ e a violência política, nas bases ultras os costumes nom mudárom demasiado. Há um ano, a fiscalia de Torino detinha Fabio del Bergiolo, um fascista veterano que acumulava no seu domicílio um pequeno arsenal utilizado contra os rebeldes pro-russos no Dombass.
Autoritarismo consagrado
Por seu turno, os gestores mais flexíveis do capitalismo sabem utilizar com mestria o comprensível medo ao ascenso ultra. O caso espanhol foi um laboratório perfeito, pois o pavor ante Vox transformou-se num apoio eleitoral massivo ao PSOE, o que garante um funcionamento relativamente harmónico do Regime.
No entanto, o desarraigo, o desclassamento e o medo ante um mundo incerto seguem a engordar na Europa o apoio popular a todo discurso que cheire a anti-europeísta, defensor da soberania dos Estados, o que responsabiliza em exclusiva as elites e os imigrantes dos grandes problemas sociais (deixando o capitalismo incólume). Parte da esquerda, dominada pola classe média, fijo-se hostil a a um discurso de classe e patriótico, em privilégio de sofisticadas teses culturalistas de origem posmoderna. Isto agudiza o perigo do fascismo.