A propaganda comercial apregoa nos últimos lustros as bondades do fenómeno ‘single’ : os exitosos filhos do capitalismo neoliberal que, sem noçom da parelha nem dos compromissos fortes, triunfam profissionalmente para gorentarem todas as delícias do consumo. Na realidade, o ‘capitalismo solteiro’ e os seus paladins tenhem um reverso bem escuro: as solitárias forçosas, as vítimas da crise da família e duns serviços sociais em recuo progressivo. Forenses e juízes registam mais e mais mortes de idosos em completa soidade, e advertem : ‘estamos ante um sério problema social.’

O avelhentamento da populaçom e a crise da família como núcleo de reproduçom social e solidariedade som fenómenos europeus. Na Galiza ainda se somam ao esmorecimento do rural e um inverno demográfico que produz milhares de vítimas silenciosas. Apenas no território da CAG, e segundo dados de 2014, existem 1400 aldeias abandonadas, e 800 nas que mora um só vizinho. Ele, ou ela, som pessoas de idades muito avançadas, últimos resistentes de estirpes que abandonárom a terra em favor da emigraçom ou da vida na conurbaçom galega. Rodeados de mato e silveiras, em infravivendas rodeadas de casas esboroadas, por vezes acompanhados dumha pequena fazenda, aguardam a morte, por vezes longe das cabeceiras de comarca e assistidos por serviços escassos.

O problema é também urbano. Acada dimensons apavorantes num país, o nosso, com umha das taxas de natalidade mais cativas do mundo occidental. Há dous anos, inquéritos oficiais registavam 116368 galegos e galegas de mais de oitenta anos a morarem sós. O índice espanhol de lares unipessoais (nos que se inclui a soidade em idades avançadas) acada já o 25%, e na Galiza poderia ser mesmo superior.

O sinistro ao nosso carom

Umha vista de olhos à imprensa comercial dos últimos anos permite umha escolma de estórias sinistras. Decorrem mesmo ao nosso carom, e a nossa sociedade tem a capacidade de metabolizá-las silenciosamente e sem escándalo, o mesmo que fai com o drama migratório ou carcerário. M.V. vizinho de Culheredo de 90 anos que vivia só, levava morto na sua morada várias semanas, mas nada se soubo até que um ladrom abriu a porta e topou o seu cadáver. Um caso semelhante aconteceu no mesmo concelho, na Galiza opulenta e urbana da faixa occidental: 10 dias antes, numha casa do Portádego, achou-se o corpo momificado dumha mulher de 56 anos. Em Vigo, o corpo sem vida dum reformado asturiano foi descoberto num carro arrombado numha rotonda da Praça da Indústria. Levava dous dias falecido, mas ninguém reparara. E também na cidade olívica, um esmolante com sindrome de Diógenes apareceu sepultado entre o lixo. A imprensa descobriu que tinha 3544 amigos em Facebook, mas o Julgado nº1 de Vigo tivo que pedir umha sepultura de beneficência para poder ser enterrado como um ser humano. Em Coia, a médio caminho entre o terrível e o comovedor, um casal morreu abraçado na sua vivenda solitária. Trás o falecimento do marido, a mulher deitou-se ao seu lado e, sem mover-se, decidiu-se a esmorecer junto à sua parelha sem dar aviso a ninguém.

Cobertura em falência

Pode haver até 200 mortos ‘anónimos’ num ano numha das grandes cidades galegas, reconhecem os bombeiros. ‘Muitas vezes enteiramo-nos porque os vizinhos avisam do fedor que deixa o falecido’, diz um deles. María Jesús Fernández Paz, juíza do julgado nº 5 de Vigo, envolvida frequentemente no levantamento de cadáveres, declarava recentemente : ‘trata-se dum problema social preocupante; os núcleos familiares som cada vez mais reduzidos. E cumpria perguntar-se se os filhos se preocupam abondo polos pais.’

A controvérsia sobre os serviços sociais ocupa muito espaço no parlamentinho. Boa parte da bolsa eleitoral pola que devecem os partidos institucionais está composta por maiores de 60 anos, e a batalha polo voto idoso dirime em grande medida a torta do poder. Ainda, os debates parlamentares tenhem muito de exercício retórico se nom existe umha força popular a pressionar com contundência na rua. Por isso os índices oficiais dam conta duns serviços raquíticos, precisamente num país onde o problema da populaçom idosa é gritante. No índice de autonomias, a CAG ocupa o posto 13º no sistema público de serviços sociais; o investimento público da Junta neste ámbito é mais baixo que a média espanhola. Entre nós existem também menos rendas mínimas de inserçom, e menos vagas residenciais para pessoas idosas.

Soidade como andaço, egolatria como sintoma

John Cacioppo, psiquiatra e director do Centro Cognitivo de Neurociência Social, em Chicago, manifestou aos meios que ‘a soidade ameaça com ser umha verdadeira epidemia social por volta do 2030’. O fenómeno tem consequências de grande calado na saúde das pessoas. A soidade permanente adoito se acompanha de depressom, alcolismo e outras dependências. Produz reiterados pensamentos negativos que por vezes conduzem a tendências suicidas, e quase invariavelmente leva a hábitos de desleixo em alimentaçom e higiene.

A crise do Estado providência vem de braços dados com umha mudança social inédita, cujas consequências apenas alviscamos. O discurso da esquerda posmoderna confluiu com o da direita neoliberal para fazer apologia dumha sociedade de indivíduos sem vínculos, mónadas autónomas negociadoras de intercambios calculados de dinheiro, serviços e prazeres. As redes sociais som a prateleira de auto-promoçom do indivíduo que se vende.

Para o pensamento crítico, esta sociedade de egos inchados e permanentemente ofendidos, incapazes de acordos perduráveis, entende-se mal com espaços de cessom mútua como a família, o associacionismo ou a vizinhança de quefazeres partilhados. A condiçom rural do nosso país, a ausência de megalópoles, a importáncia das redes de vida e festa comunitária ou o mundo associativo do movimento nacional, impedem que o individualismo acade quotas tam altas entre nós. De feito, a vivência da morte asséptica, semi-oculta e individualizada procede dumha cultura moderna capitalista que na nossa Terra entrou mui custosamente. Cabe perguntar-se em que medida a nossa idiosincrasia pode resistir o assalto.