O ciclo repressivo que estamos a atravessar estes dias volve a dar indicativos muito exactos do papel da imprensa comercial e ‘pública’ na nossa terra ; ao mesmo tempo, também deita luz sobre as comunidades leitoras que se fôrom formando ao abeiro do jornalismo de Estado, e da escassa ou nula oposiçom institucional a este monopólio do discurso.

No ano 2016, a investigadora Helena Domínguez defendera na Faculdade de Jornalismo da USC a tese ‘A construcción política do conflito en Galicia: o tratamento de Resistencia Galega na prensa’. A partir do estudo quantitativo das notícias relacionadas com a luita ilegal do independentismo nos jornais ABC e ‘La Voz de Galicia’, a autora concluía que ambos os meios actuáram como práticos propagandistas dos governos e reprodutores sem contraste das fontes policiais. Ambos os jornais, segundo o estudo de Domínguez, obtinham mais do 50% das suas informaçons de vozeiros oficiais, sem que a opiniom dos agentes independentistas chegasse ao 10% do total.

O descaro

O tratamento hostil da oposiçom política na imprensa maioritária nom surprende, a grandes traços: os cabeçalhos importantes pertencem a blocos capitalistas ou dependem do partido do governo; a alegada independência dos privados é umha ficçom, desde que a sua sobrevivência depende de subvençons milhonárias da administraçom. Se o servilismo nom fosse a nota dominante neste modelo de jornais, desapareceriam em poucos anos.

Ora, há um aspecto que ainda abraia os escassos leitores ou leitoras independentes que existam no mundo occidental : a falta de exactitude que utilizam como norma no tratamento do independentismo galego, em muitas ocasions incorrendo também no desprezo e na injúria. A própria Helena Domínguez desvendava a causa numha entrevista : ‘existe umha relaçom de cumplicidade de certos jornalistas com instáncias governamentais e policiais’, o que devém em ‘filtraçons baseadas em especulaçons cuja origem se oculta baixo fórmulas de atribuiçom reservada’. Nesta semana acumulárom-se os exemplos.

A voltas com o 2011

Assim, no resgate de hemeroteca realizado pola mídia nestes dias, nom faltou a reconstruçom fantasiosa do processo seguido contra quatro independentistas desde a sua queda em 2011. A operaçom rematou em duras condenas que qualquer jornalista pode consultar se se tomar a moléstia de ler as sentenças, mas a imprensa prefere reproduzir a versom -de origem incerta- ‘dos independentistas que preparavam um atentado contra o príncipe Felipe.’ Nenhum dos e das condenadas o foi por tal cousa, mas a mentira segue sem questionamento nem vergonha.

De desinteresse a ‘máxima prioridade’

No caso de Asunçom Losada e Antom Garcia, na clandestinidade durante os últimos treze anos, o vozeiro da direita compostelana ‘El Correo Gallego’ apontava há uns meses que ‘a sua procura já nom era umha prioridade para as forças policiais espanholas’, e recriava alegadas propostas negociadoras para a entrega do Ministério do Interior. Nesta semana, com a focagem contrária, o jornal apontava a queda ‘dos terroristas mais procurados de Espanha’, marcados com código vermelho no registo de Interpol, e que terám que enfrentar umha inacabável lista de cargos por conspirar com violência contra o Reino de Espanha.

De Venezuela a Fornelos

Para ‘La Voz de Galicia’, máximo estandarte mediático do Estado na Galiza, caiam na passada semana dous ‘terroristas de Venezuela’, em elaboraçom criativa das declaraçons que polícia e guarda civil filtravam à imprensa; nuns dias mais tarde, e enfraquecida a hipótese americana, era Portugal a origem dos militantes, até que finalmente o grosso da imprensa apostou pola versom de Fornelos, localidade onde proseguir, baixo estritas instruçons policiais, a narraçom sensacionalista.

Nenhuma inocência: a política no alvo

Embora umha leitura superficial sugira que estamos ante crónicas desleixadas de jornalistas inexpertos e ignorantes, umha compreensom mais funda demonstra que nom há nenhuma inocência no relato. Várias notícias jornalísticas volviam à linha preferida do Ministério de Interior, com o lucense ‘El Progreso’ em posto de destaque. Mais umha vez tratava-se de construir um ‘braço político’ da resistência galega, neste caso Causa Galiza. Assim o declarava o jornal que nomeamos na passad quinta feira, mesmo desdizindo a própria Audiência Nacional. Com a Operaçom Jaro ainda em fase de instruçom, o tribunal herdeiro do TOP levantou a suspensom de actividades de Causa Galiza e nom se atreveu a declarar a organizaçom braço político de nenhuma estrutura ilegal.

Indo ainda mais longe na mentira, o mesmo jornal anunciava onte que ‘seguidores de Resistência Galega empapelam Lugo com estreleiras em defesa dos detidos.’ Na foto da notícia, um velho cartaz de Causa Galiza em lembrança da Revoluçom galega de 1846, e dúzias de bandeiras galegas com as que a organizaçom -segundo se pode ler em redes sociais- lança a pre-campanha do 25 de Julho nas ruas do país. A crónica poderia ser humorística, se nom se tratasse do Estado espanhol, onde qualquer pessoa pode perder a sua liberdade por exprimir umha opiniom sobre a violência política distinta à homologada polo Regime. Deste modo, artigos como o antes dito som um chamado mais ou menos velado à perseguiçom judicial da militáncia que actua à luz do dia, interpretando toda difusom de ideias soberanistas como co-partícipe da resistência galega.

Cumplicidades

O papel da imprensa do sistema na Galiza é enormemente importante historicamente, e isso explica a construçom de imaginários sociais e políticos tam amplos favoráveis ao poder e a formas de vida submissas e resignadas. A sua capacidade para marcarem o quadro do que se pode dizer e do que nom explicam a enésima mostra de vacilaçom dos dirigentes nacionalistas institucionais, que se mantivérom numha ambiguidade impossível nas declaraçons dos passados dias. Pedindo um elemental respeito pola presunçom de inocência das detidas, esquecêrom questionar claramente os tribunais e leis de excepçom que permitem um tratamento ditatorial com boa parte da comunidade independentista.

Semelhante covardia reina na imensa maioria da intelectualidade nacionalista e galeguista que colabora na mídia oficial. A sua presença nas colunas de opiniom em cabeçalhos direitistas e declaradamente anti-galegos justifica-se habitualmente com o razoamento lógico de que estes permitem a difusom de ideias e posiçons que, de outro modo, ficariam confinadas ao espaço dos meios alternativos e minoritários. Sendo isto umha obviedade, também o é o feito de que praticamente nenhum deles se atreve a denunciar nos seus artigos a desonestidade e carência de ética que marca a a elaboraçom de notícias destes grandes cabeçalhos. O direito a informaçom, como em geral os direitos humanos, estám em jogo.