A teimosia é, ou deve de ser, umha das virtudes dos movimentos populares. Particularmente, dos colectivos em defesa da língua que nom se rendírom na sua exigência dum Dia das Letras para Ricardo Carvalho Calero, apesar de a sua proposta ser desouvida durante quase umha década. O movimento polo idioma, e o reintegracionismo de maneira destacada, assistiu satisfeito nesta semana à decisom de homenagear o pensador ferrolao no vindouro dezassete de maio.

Na passada semana, transcendia a proposta de nove académicos da RAG de vindicar a figura de Carvalho no dia grande da nossa cultura, reconhecendo mesmo a condiçom reintegracionista deste pensador. Este sector da instituiçom sentia-se molesto com o permanente adiamento do Dia das Letras para Carvalho, o que evidenciou até certo ponto que a decisom de escurecê-lo obedecia a propósitos claramente políticos. Um dia depois, a executiva da RAG apresentava oficialmente a proposta, polo que, de nom mediarem entrevistas, Carvalho Calero será socializado em milhares de centros de ensino ao longo da nossa Terra.

Oficialismo autonómico, submetido a crítica

A posta em andamento da autonomia galega nos inícios dos 80 trouxo consigo umha institucionalizaçom clientelar de boa parte do mundo partidário e cultural que se mantivera nas margens durante a ditadura. Desta maneira, e trás prévia renúncia explícita ao nacionalismo -já nom digamos ao arredismo- entrárom na oficialidade académica e mediática um amplo leque de pensadores galeguistas que desvinculavam a vindicaçom da nossa cultura de qualquer posiçom soberanista, invisibilizando todos os elementos de conflito que marcavam a inserçom da Galiza em Espanha.

O reintegracionismo, umha ideia histórica e cultivada polo melhor da nossa tradiçom intelectual, foi assim silenciada, e com ela, o seu grande valedor, Ricardo Carvalho Calero. Ao contrário que os seus pares no mundo académico, Carvalho foi condenado ao ostracismo, e recebeu umha quota editorial e mediática exígua, feito que chocava com a sua imensa trajectória intelectual, e a sua integridade ética.

Do Seminário de Estudos Galegos a AGAL

Num país no que a continuidade reivindicativa e organizativa resulta tam árdua, Carvalho representa umha trajectória coerente no longo prazo que traceja umha ponte entre a jovem intelectualidade inquieta do galeguismo dos 30 e as novas geraçons reintegracionistas dos 80. 50 anos de adversidade e também de persistência, nos que o ferrolao tivo folgos e capacidade para desdobrar várias frentes de trabalho: sindicalista estudantil na juventude, galeguista de esquerdas, militar republicano e preso de longa duraçom nos cárceres franquistas, novelista e poeta, ensaista e autor da primeira história da nossa literatura, docente, primeiro catedrático de língua e literatura galegas em Compostela.

Na última década da sua vida, quando a linguagem da confusom começava a paralisar capas mui amplas do movimento galego, Carvalho seguiu a falar claro: “som nacionalista, e portanto, autodeterminista” declarou. Manifestou-se contra a ficçom do bilinguismo (quem ousaria hoje fazê-lo nas fileiras da intelectualidade?) e apostou por umha orientaçom ortográfica do galego que nos irmandasse com a versom internacional do nosso idioma.

De Ferrol à Galiza inteira

Carvalho, natural do Ferrol Velho, nasceu numha casa hoje quase esboroada, numha mostra de desleixo e desprezo institucional pola nossa memória que bem pode interpretar-se como um símbolo da preocupaçom das elites galego-espanholas polo conjunto do país. Precisamente umha instituiçom ferrolá, a Fundaçom Artábria, tem feito um esforço vindicativo histórico pola figura de Carvalho, concentrando-se cada ano num acto comemorativo diante da sua morada, e contribuindo para o movimento pró-Carvalho de ámbito nacional. Hoje, anos depois desta reclamaçom ser encetada, sabemos com certeza que o rosto, os livros e as citas de Carvalho serám popularizadas por toda a nossa Terra. Entre elas, a sintética e atinada sentença que reçava: “o galego, ou é galego-português, ou é galego-castelhano.”