No passado mês de março, o Barcelona Mobile Congress exibia nas suas prateleiras os novos modelos 5G, isto é, a ultimíssima geraçom de telefonía inteligente que está destinada a transformar em profundidade as nossas vidas quotidianas e a intensificar ainda, se é possível, a nossa hiperconectividade a dispositivos digitais.

A imprensa comercial, no seu papel habitual de propagandista acrítica de qualquer inovaçom das grandes corporaçons económicas mundiais, anuncia um mundo mais veloz, mais homogéneo, mais confortável e mais feliz. Na realidade, cumpre analizar a que nos aproximamos neste novo passo cara a distopia tecnológica.

O conhecido como 5G é um novo tipo de interface tecnológica que permitirá surfar a 400 megabites por segundo. Ao longo dos anos 2019 e 2020, 51 companhias de telecomunicaçons lançarám os seus primeiros serviços; mais de quinze fornecedores, por seu turno, vam começar a comercializar telefones inteligentes que podem adaptar-se a esta tecnologia a partir do ano vindouro.

Todo para o consumidor

Quem consultar a imprensa comercial, verá-se de certeza anegado por umha enumeraçom inacabável de alegadas avantagens: baterias duradouras, ecrás plegáveis, leitor de impressons digitais e cámaras triplas. De partida, no primeiro lustro de 2020, estarám focados para clientes abastados, com preços além dos 1000 euros (apenas um da marca Xiaomi roldará os 600 euros).

As conexons destes novos aparelhos vam ser 10 vezes mais rápidas que a dos telefones actuais; com o mesmo número de antenas, a conectividade será a mesma, polo que as grandes aglomeraçons de pessoas nom impedirám o funcionamento dos aparelhos. A chamada ‘reduçom de latência’ (o tempo de resposta em executar-se umha orde desde que se manda o sinal) permitirá accionar a distancia carros de conduçom autónoma, ou mesmo realizar operaçons com braços robóticos dirigidos polos sinais do 5G.

Na aparência, um cúmulo de avantagens sem dicussom possível. Mas antes das questons puramente técnicas, coloca-se a questom, habitualmente ensombrecida, do controlo político destas tecnologias. Antonio Coimbra e Laurent Paillasot, de Orange, advertiam no passado março: “se o governo continua com afám recadatório e a UE com afám híper-regulatório, o 5G periga” no Reino de Espanha.

Além disso, a actual batalha comercial entre os USA e a China vai condicionar, e muito, a expansom do modelo. Operadores tam importantes como Telefónica, Vodafone e Orange estám pendentes de qualquer repressália norteamericana contra a China, e particularmente Huawei, pois esta empresa é a sua fornecedora. A ambiguidade da UE, históricamente pro-USA, mas condicionada por certas dependências da China e a Rússia, verá-se mais umha vez submetida a umha dura prova.

E os povos que?

Algumhas autoras, mesmo situadas nas coordenadas ideológicas do sistema que habitamos, apontam criticamente contra o camino no que nos adentramos: umha era em que os governos som fundamentalmente “clientes de grandes gigantes tecnológicos transnacionais”, que controlando a intimidade de milhons de pessoas, livram-se de políticas de controlo legislativo e fiscal. Som palabras de Marta Peirano, ensaista española e autora da obra “O inimigo conhece o sistema”. Na mesma direcçom se expressa Paloma Llaneza, advogada especialista em protecçom de dados e defesa da privacidade na rede. Autora do libro “Datanomics”, Llaneza diz que “a populaçom é bem conhecedora dos riscos que se correm, mas nom queremos que a festa rematar.” Enquanto nós desfrutamos dum acesso a informaçom e lazer manufacturado inéditos na história, as empresas utilizam o conhecimento das nossas entranhas para variados propósitos: fazer-nos alvo de publicidade massiva, modular o nosso comportamiento eleitoral em funçom dos nossos gostos (microtargeting), enviar os nossos perfis biométricos às polícias de cada Estado…no caso de dissidentes e rebeldes, a vida quotidiana acarom destes artefactos tecnológicos supom render-se a umha vigiáancia total sem necessidade dum agente policial físico a esculcar-nos.

Hoje, a crítica aos grandes gigantes tecnológicos (fundamentalmente Facebook, Google, Amazon e Apple) nom é privativa da esquerda real: recentemente, o próprio parlamento británico acusava a Facebook de ‘gangsterismo digital’ pola filtraçom de dados pessoais de millhons de pessoas.

Com a extensom do 5G, as grandes empresas poderám aceder -além dos nossos hábitos de consumo, vida afectiva, preferências políticas ou movimentos, como já acontece- às pautas da nossa saúde, a qualidade do nosso sono ou mesmo ao modo de habitarmos as nossas moradas. Llaneza fijo públicas umhas reflexons onde revelava que umha máquina tam inocente como “Roomba” (robôs de limpeza doméstica) está a servir às grandes empresas para conhecer as nossas vivendas e como e quando utilizamos os seus diferentes espaços.

Prediçom de condutas

Ainda que hoje pareça distópico, o uso indiscriminado de novas tecnologias pode motivar que as nossas crianças perdam umha vaga escolar, que umha clínica nom aceite operar-nos, ou que um banco nom conceda um crédito. Num quadro de crescente privatizaçom de serviços básicos, as empresas, auxiliadas polos gigantes tecnológicos, están já a trabalhar em ‘perfis de futuro’. Em funçom dos nossos hábitos de consumo, respeito pola lei, vida afectiva…pesquisas estatísticas demonstrarám se “somos quem” de usufrutuar correctamente um posto no sistema educativo, se a nossa saúde é resistente abondo para ‘se investir’ nela, ou se seremos quem de pagar umha hipoteca. A ingenuidade com que hoje nos entregamos a cada novo gadget vai ter consequências bem visíveis nos tempos vindouros.